domingo, 25 de março de 2018

Pai-nosso, a oração dos cristãos

A oração mais eficaz é aquela feita na intimidade do coração, numa experiência de total gratuidade, num diálogo amoroso e filial com o Pai.
 A oração do Pai-Nosso é o resumo de todo o Evangelho e o modelo por excelência de toda oração cristã. (Unsplash/ Josh Applegate)

A oração é um privilegiado lugar onde cultivamos a amizade com o Senhor. Ela brota do mais profundo do nosso coração, na esperança viva que há um “Interlocutor” que nos ama e conhece todo o nosso ser. “A oração consiste na comunhão continuada com Deus, com quem se está sempre em diálogo, a quem se escuta em cada instante do dia e a quem se procura responder com a mais total transparência e desejo de ser obediente. Existem momentos específicos, ao longo do dia, para se entregar à oração. Entretanto, ao se dizer o ‘amém’ final, a vida de oração não fica em suspenso até o próximo momento, em que se deixará tudo para ficar a sós com Deus. Antes, ela continua e, em determinadas circunstâncias, no auge da ação, poderá acontecer de forma até mais intensa e comprometedora” (Jaldemir Vitório).

Jesus foi um homem orante. Ele estava sempre em diálogo com o Pai. Nos momentos decisivos de sua vida e de sua missão, sempre O encontramos em oração ao Pai.  Ele, porém, não se preocupou em ensinar longas orações aos seus discípulos. Para Ele, a oração mais eficaz é aquela feita na intimidade do coração, numa experiência de total gratuidade, num diálogo amoroso e filial com o Pai, sem a necessidade de repetir longas fórmulas somente para ser visto pelos outros. “Quando fores rezar, entre no teu quarto, (no teu interior, no mais profundo do seu ser, onde somente Deus habita), fecha a porta (entrega sua vida nas mãos de Deus, coloque Deus no centro da sua oração, dê espaço para que Deus possa ser Deus na sua vida) e reza a teu Pai em segredo. E teu Pai, que vê o escondido, te pagará” (Mt 6, 6). Não que Jesus quisesse uma espiritualidade intimista, desligada da vida, mas, para Ele, as palavras que saem dos nossos lábios devem estar em sintonia com o nosso coração e a nossa vida, numa misteriosa correspondência entre as profundezas do coração e as alturas do céu.

Os discípulos de Jesus observavam o seu jeito de falar com o Pai e, certamente, percebiam algo novo em sua oração, por isso pedem a Jesus que os ensine a orar (cf. Lc 11,1). Não que eles não soubessem as orações judaicas. Os salmos, por exemplo, eram a oração comum dos judeus. Mas eles queriam aprender dos lábios do Mestre esse jeito novo de falar com Deus. Então Jesus, partindo da sua própria experiência de oração, ensina os seus discípulos a falarem com Deus-Pai na liberdade de filhos e na responsabilidade de irmãos.

A oração do Pai-Nosso é o resumo de todo o Evangelho e o modelo por excelência de toda oração cristã. Enquanto filhos no Filho, pelo batismo, podemos nos dirigir a Deus como Pai, e, sendo Pai, é também Senhor de nossas vidas. Por isso, o nosso maior desejo deve ser pela vinda do Reino e que a vontade de Deus, que é vida plena para todos, se realize no mundo. Essa perspectiva da vinda do Reino de Deus une as duas partes da oração ensinada por Jesus. Pois sendo todos filhos de Deus-Pai, somos chamados a viver a fraternidade de irmãos (cf. Mt 23,8), repartindo o pão entre todos e vivendo relações de perdão e misericórdia para com o nosso próximo. Pois esquecer o outro ou fazer-se indiferente ao rosto que fala é “aprisionar a glória de Deus” (cf. Rm 1, 18-20). Como afirma Dietrich Bonhoeffer, “a minha fome é uma questão biológica, a fome do outro é uma questão teológica. É um apelo de Deus, tenho que encontrar Deus saciando a fome do outro”.

Os discípulos pedem a Jesus que os ensine a orar, mas o Pai-Nosso é mais do que uma oração, é, na verdade, o modo de viver e agir como seguidores de Jesus. Como nos recorda um antigo adágio da Igreja “lex orandi, lex credendi e a lex agendi”, isto é, agimos conforme oramos e cremos. Quando rezamos mal, nossa fé e nossa ação no mundo também ficam fragilizadas. Por isso precisamos pedir sempre ao Senhor que nos ensine a orar. Porque, com o individualismo que invadiu as igrejas, nossas orações se transformaram num intimismo egoísta, perdendo a centralidade do Pai e do seu Reino. Nossa oração parece ter deixado de ser uma busca pela realização da vontade de Deus para que Ele faça a nossa vontade. Ao invés de perguntarmos: “Senhor, o que Tu queres que eu te faça?”, nós pedimos: “Senhor, o que Tu podes fazer por mim?” Com isso, a nossa oração deixou ser para nós norma da fé e do agir no mundo, transformando-se num devocionismo vazio e descomprometido.

Faz-se necessário voltarmos a aprender dos lábios de Jesus como nos dirigir a Deus, a fim de que a nossa oração seja sempre mais esse encontro amoroso e gratuito com o Pai, e, estando na presença de Deus na oração, abramos nossos olhos para perceber o sofrimento e a dor dos nossos irmãos e irmãs. Pois “seremos tanto mais filhos do Pai quanto mais formos irmãos dos nossos irmãos, dividindo e repartindo com eles o nosso pão e perdoando-lhes as ofensas” (Antônio Batista Vieira).

Que o Pai nosso que estás no céu nos livre da tentação de uma oração descomprometida com a vida dos pobres e dos sofredores e nos ajude a viver na comunhão com Deus e com os irmãos, repartindo o pão de cada dia e perdoando-nos uns aos outros assim como somos perdoados pelo nosso Pai misericordioso.


*Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN, Missionário Sacramentino de Nossa Senhora, Licenciado em Filosofia (ISTA), bacharel em teologia (FAJE), com Especialização para Formadores em Seminários e Casas de Formação (Faculdade Dehoniana). Publicou pela Editora O Lutador (2015) o livro “Equipes Missionárias: rosto de uma Igreja em missão”. Trabalha atualmente na Paróquia Santa Cruz, Alta Floresta-MT.

Nenhum comentário: