Não há segredo na escolha do sucessor de Raúl Castro em Cuba. Salvo
uma grande reviravolta, será Miguel Días-Canel, que fará tudo para não
mudar nada.
CARA “NOVA” - Raúl com Díaz-Canel em Havana, em 2017: o político governará com o filho e o genro do atual ditador
As eleições são o principal símbolo das democracias. Para as
ditaduras, porém, elas também têm um valor inestimável. Permitem dar a
aparência de que determinado regime goza de apoio popular e ainda
provocam a sensação de que algo está mudando, embora tudo continue como
sempre foi. No dia 11 de março, Cuba realiza eleições para a nova Assembleia, que só se reúne duas vezes por ano. Seus
membros não têm atribuições legislativas. Sua única função prática é
referendar as políticas do regime, mas a próxima legislatura terá uma
missão extra: apontar o substituto do presidente Raúl Castro. O
novo ditador vai ser o engenheiro Miguel Díaz-Canel, de 57 anos. Atual
vice-presidente, ele tomará posse em 19 de abril. Será o primeiro
nascido depois da revolução de 1959 a assumir o posto.
Díaz-Canel tem a simpatia de todas as alas do Partido Comunista Cubano.
O fato de não trazer um Castro no sobrenome desidrata a suspeita de que
a família transformou a ilha em uma ditadura hereditária. Político, ele
não fez parte de nenhuma fileira militar. Em tese, teria mais liberdade
para incorporar, sob ordens do Comitê Central, medidas que seriam
motivo de excomunhão sob os irmãos Fidel e Raúl Castro.
Dificilmente, porém, Díaz-Canel será uma versão caribenha de Mikhail
Gorbachev, que assumiu a União Soviética desacreditado e promoveu as
reformas que levaram ao fim do bloco comunista, em 1991. Entre os
seus pares, Díaz-Canel é visto como um homem leal ao chefe Raúl. Não há
possibilidade alguma de vir a governar sozinho. Sua escolha está
condicionada à ascensão de dois nomes que Raúl Castro e o Partido
Comunista definiram como fiadores da estabilidade revolucionária. Um
deles é Alejandro Castro Espín, filho de Raúl e chefe da inteligência. O
outro é Luis Alberto Rodríguez López-Callejas, genro de Raúl, oficial
das Forças Armadas, que controlam a Gaesa, empresa detentora de 40% das
atividades econômicas de Cuba. Raúl, aos 86 anos, continuará como
primeiro-secretário do Partido Comunista. Ele precisará ser consultado
nas decisões mais importantes e terá poder de veto. Seguirá, assim,
dando as cartas no país, como fez seu irmão Fidel até a morte, em 2016.
Com as doações de petróleo venezuelano minguando e o presidente
americano Donald Trump ameaçando cortar as receitas do turismo, Cuba
precisa atrair investimentos do resto do mundo. Para tanto, tem de
mostrar que está em transformação, abrindo a economia e flertando com o
capitalismo. Um presidente jovem e civil é uma estampa conveniente,
enquanto Alejandro Castro e Luis Alberto Rodríguez cuidarão para que as
reformas aconteçam sem afetar os valores históricos dos comunistas.
Um estudo publicado em novembro pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) dá as dimensões do fracasso das reformas
empreendidas em Cuba desde os anos 1990. Ao reavaliar os números da
economia da ilha e corrigir as distorções provocadas pela dupla cotação
de dólar, chegou-se à conclusão de que o PIB cubano cresceu abaixo da
média de um conjunto de dez países com características populacionais e
tamanho da economia semelhantes. Em 2014, o PIB per capita foi 35%
menor que o medido em 1985, quando Cuba ainda gozava da ajuda financeira
da então União Soviética.
O maior feito de Díaz-Canel até o momento foi ter sobrevivido politicamente por anos para ser o herdeiro dos Castro. Os possíveis sucessores antes dele foram banidos do mapa político cubano. Em
2002, o então ministro das Relações Exteriores, Roberto Robaina, foi
expulso do partido por traição. Fidel acusou-o de se autopromover em
demasia como o seu sucessor. Na rua da amargura, Robaina atualmente vive como pintor de paredes. Sete anos depois, já sob o governo de Raúl, Carlos Lage, então vice-presidente e espécie de primeiro-ministro, foi banido. Flagrado em um vídeo fazendo críticas aos gerontocratas, Lage passou a viver como médico com salário mensal de 30 dólares. “Todos
foram com muita sede ao pote e enfrentaram a fúria dos irmãos Castro.
Díaz-Canel ascendeu na hierarquia do partido sem virar um alvo”, diz o economista e analista político cubano Fernando Menéndez. Se
a submissão e a lealdade de Díaz-Canel a Raúl Castro não forem postas
em questão nos próximos dias, será ele o fiador da continuidade da
ditadura cubana.
Leonardo Coutinho, de Washington, Veja
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