quarta-feira, 31 de janeiro de 2018
Lula e as alucinações
Alguns neurocientistas descrevem a percepção como uma alucinação
controlada, tantas são as gambiarras de que o cérebro se utiliza quando
organiza as toneladas de dados que recebemos de nossos sentidos. A
imagem é provavelmente um pouco exagerada, mas explica bem a reação de alguns petistas e simpatizantes à confirmação da condenação de Lula pelo TRF-4. A ideologia e investimentos emocionais estão entre as gambiarras que moldam nossas percepções.
Apesar de os três desembargadores terem fundamentado de forma convincente a decisão de manter a condenação, alguns militantes insistem em descrever o julgamento como uma farsa jurídica,
uma versão tropical dos Processos de Moscou, montada para destruir a
principal liderança do único partido verdadeiramente popular do Brasil.
Não é que a condenação esteja acima de qualquer crítica. Embora a
argumentação do relator tenha sido suficiente para dirimir as dúvidas
que eu tinha, estou certo de que um advogado experiente poderá apontar
uma infinidade de problemas. Mas, descontadas diferenças doutrinárias, custa-me crer que eles bastem para caracterizar o juízo como uma fraude.
Lula e seus seguidores insistem nessa narrativa porque é o único caminho que lhes resta. O PT surgiu como o partido que iria reintroduzir a ética na política. Nos primeiros anos, essa até parecia uma promessa crível (eu pelo menos acreditei). Mas bastou que o PT conquistasse postos no Executivo para que adotasse e aprimorasse as piores práticas das piores agremiações. Lula não vai agora simplesmente admitir que também ele sucumbiu. Mais
fácil denunciar um suposto complô das elites para condená-lo e confiar
que a cegueira ideológica faça com que seus simpatizantes acreditem
nisso.
A verdade, porém, é que, lamentavelmente, Lula se corrompeu. E isso é algo que agora podemos afirmar com respaldo da Justiça.
Hélio Schwartsman - Folha de São Paulo
Olho as minhas mãos
Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar...
Fechá-las, de repente,
Os dedos como pétalas carnívoras !
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo,
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento
Como tecem as teias as aranhas.
A que mundo
Pertenço ?
No mundo há pedras, baobás, panteras,
Águas cantarolantes, o vento ventando
E no alto as nuvens improvisando sem cessar.
Mas nada, disso tudo, diz: "existo".
Porque apenas existem...
Enquanto isto,
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses
E, cheios de esperança e medo,
Oficiamos rituais, inventamos
Palavras mágicas,
Fazemos
Poemas, pobres poemas
Que o vento
Mistura, confunde e dispersa no ar...
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar
Foi este o fim da Criação !
Mas, então,
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ?
Quem faz - em mim - esta interrogação ?
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar...
Fechá-las, de repente,
Os dedos como pétalas carnívoras !
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo,
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento
Como tecem as teias as aranhas.
A que mundo
Pertenço ?
No mundo há pedras, baobás, panteras,
Águas cantarolantes, o vento ventando
E no alto as nuvens improvisando sem cessar.
Mas nada, disso tudo, diz: "existo".
Porque apenas existem...
Enquanto isto,
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses
E, cheios de esperança e medo,
Oficiamos rituais, inventamos
Palavras mágicas,
Fazemos
Poemas, pobres poemas
Que o vento
Mistura, confunde e dispersa no ar...
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar
Foi este o fim da Criação !
Mas, então,
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ?
Quem faz - em mim - esta interrogação ?
Mário Quintana
O jeito regional
Uma vez
estávamos ajudando um amigo a fazer uma mudança, em Campina. No meio da
turma havia um carioca. A certa altura a dona da casa nos indicou uma
caixa: “Podem ir levando aquela, mas cuidado, são coisas de quebrar”. O
carioca ficou meio desconcertado, e arriscou uma brincadeira: “Bem, já
que é de quebrar, vamos jogar no chão”.
“Coisa de quebrar”, em nordestinense, significa “coisa frágil, que corre o risco de se quebrar facilmente”. Para pessoas de outras regiões, deve significar “coisa para quebrar, coisa que é preciso quebrar para que tenha uso”. Casca de ovo, por exemplo.
Este é um entre mil exemplos de um uso aparentemente errado de preposição, porque a palavra “de” nos evoca de imediato uma série de expressões em que indica finalidade, necessidade: água de beber, etc. Além de outras em que o sentido implícito é ligeiramente diferente (quarto de dormir, sala de estar, etc.), mas sempre positivo, ou seja, o verbo está ali indicando que deve ser praticado.
Numa expressão como “quarto de dormir”, “água de beber” ou “pedra de amolar”, o “de” pode ser substituído por “que serve para”. Numa expressão como “coisa de quebrar”, não pode.
A idéia de que a expressão nordestinense está errada (como já ouvi dizer) talvez venha desse fato, do fato de que ela é tão rara (fiquei aqui tentando lembrar exemplos equivalentes a “coisa de quebrar” e não me ocorreu nenhum) que induz facilmente à confusão com expressões contrárias, pela semelhança estrutural.
E isto parece ser o tipo de coisa que os gramáticos desaconselham. Eles tentam fazer com que o idioma fique mais organizado, mais claro, mais fácil de entender. O problema, como sempre, é que para cada gramático aconselhando a coisa mais lógica existe um milhão de usuários fazendo a coisa menos lógica, e a língua evolui nesse joguete entre o poder de decisão de uns e o poder de criação dos outros.
O erro alheio sempre dói no nosso ouvido, mas o erro que cresceu conosco não nos incomoda, mesmo quando aceitamos que é um erro. Eu não aguento ouvir certas formas de falar como por exemplo “Eu quero dizer a vocês DE que isto é muito importante”. Esse “de” fora de hora, fora de lugar, fora de propósito, é uma pedra no sapato.
Já o “coisa de quebrar” não me soa como erro. Quem impõe um significado é o contexto. Passei a vida ouvindo dizer “cuidado, isso aí é de quebrar”, e mais que o sentido literal das palavras valia o contexto, o gesto de advertência, o tom de preocupação, e o fato de que em geral eu sabia que o pacote continha ovos ou a sacola continha taças de vidro.
Que me corrijam os gramáticos, mas essas formas de dizer resultam de convenções, de hábitos tacitamente aceitos e que com o tempo se solidificam em norma. Em regiões diferentes essa cristalização se dá de forma diferente, e cada uma tem o direito de achar a sua forma tão legítima quanto as outras, mesmo que pela lógica não o seja.
“Coisa de quebrar”, em nordestinense, significa “coisa frágil, que corre o risco de se quebrar facilmente”. Para pessoas de outras regiões, deve significar “coisa para quebrar, coisa que é preciso quebrar para que tenha uso”. Casca de ovo, por exemplo.
Este é um entre mil exemplos de um uso aparentemente errado de preposição, porque a palavra “de” nos evoca de imediato uma série de expressões em que indica finalidade, necessidade: água de beber, etc. Além de outras em que o sentido implícito é ligeiramente diferente (quarto de dormir, sala de estar, etc.), mas sempre positivo, ou seja, o verbo está ali indicando que deve ser praticado.
Numa expressão como “quarto de dormir”, “água de beber” ou “pedra de amolar”, o “de” pode ser substituído por “que serve para”. Numa expressão como “coisa de quebrar”, não pode.
A idéia de que a expressão nordestinense está errada (como já ouvi dizer) talvez venha desse fato, do fato de que ela é tão rara (fiquei aqui tentando lembrar exemplos equivalentes a “coisa de quebrar” e não me ocorreu nenhum) que induz facilmente à confusão com expressões contrárias, pela semelhança estrutural.
E isto parece ser o tipo de coisa que os gramáticos desaconselham. Eles tentam fazer com que o idioma fique mais organizado, mais claro, mais fácil de entender. O problema, como sempre, é que para cada gramático aconselhando a coisa mais lógica existe um milhão de usuários fazendo a coisa menos lógica, e a língua evolui nesse joguete entre o poder de decisão de uns e o poder de criação dos outros.
O erro alheio sempre dói no nosso ouvido, mas o erro que cresceu conosco não nos incomoda, mesmo quando aceitamos que é um erro. Eu não aguento ouvir certas formas de falar como por exemplo “Eu quero dizer a vocês DE que isto é muito importante”. Esse “de” fora de hora, fora de lugar, fora de propósito, é uma pedra no sapato.
Já o “coisa de quebrar” não me soa como erro. Quem impõe um significado é o contexto. Passei a vida ouvindo dizer “cuidado, isso aí é de quebrar”, e mais que o sentido literal das palavras valia o contexto, o gesto de advertência, o tom de preocupação, e o fato de que em geral eu sabia que o pacote continha ovos ou a sacola continha taças de vidro.
Que me corrijam os gramáticos, mas essas formas de dizer resultam de convenções, de hábitos tacitamente aceitos e que com o tempo se solidificam em norma. Em regiões diferentes essa cristalização se dá de forma diferente, e cada uma tem o direito de achar a sua forma tão legítima quanto as outras, mesmo que pela lógica não o seja.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo Caixinha de utilidades
Fazendo
carinha de anjo, Manu, minha neta mais velha, me pediu que fizesse um
kit completo de colheres para levar pra São Paulo. Ela adora inventar
moda na cozinha e já aprendeu a fazer gelatina, sopa de legumes e broa
de milho. Trabalhei uma manhã inteira e fiz até rolinho para esticar
massa. Ao lembrar que ela vai ficar sem poder usar o que existe de bom e
aproveitável no meu armário de ferramentas, resolvi separar um pequeno
arsenal de utilidades para que ela possa usar quando quiser fazer, com
suas mãozinhas habilidosas, alguma coisa interessante para oferecer a
alguém. Para que nada se perca na mudança para a casa nova, coloquei tudo numa daquelas simpáticas caixinhas de madeira utilizadas para embalar vinhos mais caros.
Comecei pelas fitas adesivas para os mais diferentes usos, algo de que ela tanto gosta e
que tenho em profusão. Para facilitar, enrolei umas dez tiras lado a
lado em um gomo retinho de bambu. Escolhi as mais coloridas, de ”fazer vista”, como
se dizia. Em outro pedaço de bambu, este com nós bem juntinhos, tratei
de enrolar uns vinte tipos diferentes de linhas e fios, algo que muito
prezo pela utilidade que têm: barbantes de algodão, nylons e cordinhas
de tucum de várias espessuras, fio urso e um pedaço da linha de pesca mais resistente que conheço. Fora
isso, enrolei também fio de plástico prateado, linha para costurar
sapato, uma tirinha de couro e um pedaço de cordão de rede trazido da
Paraíba. Por precaução, inclui três folhas de lixa d'água, pregos
variados e tachinhas sortidas, além de parafusos de vários tipos e
tamanhos e algumas buchas.
Coloquei
também ferramentas de uso corrente: um martelinho colorido, duas chaves
de fenda, dois alicates pequenos, sendo um de ponta fina, uma serrinha
de aço e cinco goivas japonesas para cavar madeira macia. Por último,
mesmo sabendo que faca não é brinquedo de criança, resolvi dar pra ela
uma das faquinhas alemãs que uso para cortar bambu. Se bem conheço
aquela menina, ela vai usar tudo e logo logo vai me pedir para repor o
que estiver acabando.
Vitória, 24 de janeiro de 2018
Álvaro Abreu
Escrita para A GAZETA
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
O embondeiro que sonhava pássaros
Pássaros, todos os que no chão desconhecem morada. (p. 61)
O vendedor de pássaros não tem nome, é só o “passarinheiro”. Os
colonos do lugar colocam medo nos filhos, plantando desconfiança em
relação à alegre presença do vendedor, o chamam de “preto”
despectivamente, dizem que ele “suja o bairro”. Tiago, um menino
sonhador, desobedece às ordens do pai e vai ver o passarinheiro, que
traz aves de infinita beleza. Os portugueses incomodados com a presença
feliz do negro, como ele se atreve a existir?! O homem mora num tronco
de árvore, um embondeiro, dizem, tem poderes sobrenaturais; gaita do
homem, também. O velho passarinheiro é espancado e preso. Seu crime? Ser
negro, simples e feliz. O final de Tiago é um poético triste final.
Mia Couto
Como sinalizar a narrativa
Há um gancho narrativo dos mais elementares e que sempre
funciona. Por isso mesmo, deve ser usado com parcimônia, porque depois da
terceira vez o leitor pensa, meio sem pensar, “ih, lá vem isso de novo”.
Suponhamos o seguinte trecho de um romance:
“Smith deixou as coisas no hotel, lanchou num bar, assistiu um filme, e
de noite foi para a orla da praia, onde pessoas caminhavam, andavam de
bicicleta, passeavam com as crianças. Ele lembrou daquela vez, há mais de dez
anos, em que ele e Marybelle tinham ido para a casa dos amigos na Flórida.
Marybelle. Fazia tempos que não pensava nela. Onde estaria naquele
momento, morando onde, fazendo o quê? (Etc
e tal).”
O gancho consiste em mencionar o personagem, e usar o
nome como uma espécie de crachá abrindo o parágrafo seguinte.
Esta manobra informa ao leitor que estão saindo do continuum de ação para o de digressão e
memória.
Abrir assim um parágrafo, anunciando um nome de pessoa,
um lugar específico, um fato ou uma época (“Ah, aquelas férias na montanha com
os primos!”). Basta isso para que o leitor ressete a bússola mental e acompanhe
a narrativa sem nenhum percalço.
O leitor consegue acompanhar a mais absurdista das
histórias, se a narração dela tiver um mínimo de sinalização narrativa
coerente.
Aí estão Campos de Carvalho, Robert Sheckley, Ionesco,
Jarry. Nesses livros acontecem somente coisas bizarras, mas o leitor não tem o
menor problema em acompanhá-las. Seu
problema é quando a sinalização narrativa funciona de outra forma, como em
Joyce ou como o Catatau de Paulo
Leminski, que são fluxos de frases pouco consequenciais.
Quando não existe essa sinalização visível, o leitor tem
a sensação de estar o tempo todo recomeçando do zero. Ele não armazena
narrativa; cada frase lida desaparece sem criar uma continuidade, e ele se
sente o tempo todo de mãos vazias.
Já vi leitor reclamar de certos livros vanguardistas: “O
cara fica o tempo todo taxiando e não decola.”
É uma descrição perfeita. O “decolar” que o leitor espera é o
arrebatamento de uma narrativa onde ele sinta que alguma coisa está aconecendo
e que ele (leitor) está conseguindo acompanhar.
Leminski... Os dois romances publicados pelo poeta
curitibano (Agora é que são elas, Catatau) são muito diferentes, e nenhum
dos dois obedece a essa estilística. Poderíamos chamar essa estilística mais
convencional de “estilística de best-seller”,
se isso não passasse a idéia errônea de que livros assim vendem mais do que os
outros. Não vendem. Apenas são livros mais fáceis de entender, porque o autor
vai sinalizando o rumo para o leitor, usando artifícios assim.
Como aquelas bandeirolas que o pessoal finca nas trilhas
entre terras pantanosas, avisando aos traseuntes: “venha por aqui”.
O leitor precisa de continuidade, precisa saber onde está
pisando, mesmo que a paisagem em torno seja de árvores desconhecidas ou
surreais.
Esse recurso de usar um termo para transferir o parágrafo
seguinte se assemelha ao recurso que o cinema usava antigamente para introduzir
um flashback, uma cena de rememoração.
O sujeito estava sentado num banco do calçadão da praia.
Alguém ao lado dizia: “Você está tão pensativo...” E ele dizia: “Estou lembrando de quando
estive na Flórida com uma antiga namorada. Marybelle.”
A câmera se aproximava devagar do rosto dele, que ficava
em silêncio, com o olhar perdido; a imagem começava a ondear, como se estivesse
sendo vista através de uma água em movimento; e surgia em fusão a imagem de
outra praia ensolarada ou enluarada (para fazer contraste com a praia do
presente) e o personagem, mais jovem e com roupa mais jovem, andando de mãos
dadas com uma moça.
Isso fez parte da gramática do cinema durante dez mil
anos, mas a narrativa mais moderna, de cortes rápidos, transferiu esse recurso para
a prateleira dos clichês com prazo vencido. Hoje o cara abre uma gaveta, pega
uma foto de praia, a câmera mostra a foto, e no segundo seguinte já estamos na
praia do passado – sem preparação, sem aviso. E o público entende. Por que? A
sinalização mudou. No cinema, desde os filmes de Jean-Luc Godard.
Godard. Ele próprio, que era tão iconoclasta, sabia que
nenhuma sinalização funciona para 100% das pessoas. Eu sou um leitor tarimbado
e acho esse recurso do “parágrafo anunciado” o ó, mas sei também que para
muitos leitores ele ajuda a transição entre duas faixas mentais.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
A solução está na nossa frente
Um homem muito rico comprou um terno caríssimo. No
primeiro dia em que vestiu notou uma linha que pendia na lateral da
calça. Sua empregada, sempre solícita, disse que rapidinho daria um
jeito.
Ele, disse: você sabe quanto custa uma calça dessas? A
empregada afastou-se sem graça e ele decidiu que iria até a empresa
responsável pela confecção do terno. Chegou à empresa e falou com o
gerente: a Dona Maria, da oficina de costura, irá lhe ajudar. Vá até lá
que ela tem a solução!
A costureira enlaçou e puxou suavemente a linha tirando
o "grave defeito". A costureira explicou: sabe moço, isso se chama
limpeza de costura. Seu problema era simples e poderia ter sido
solucionado pela sua empregada.
As vezes não damos o merecido valor àqueles que
estão ao nosso lado na luta diária e acabamos pagando caríssimo por um
trabalho profissional por não confiarmos na capacidade daqueles que
estão dia-a-dia ao nosso lado.
Prof. Menegatti
segunda-feira, 29 de janeiro de 2018
Casa arrumada é assim: Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser
casa e não centro cirúrgico, um cenário de novela. Tem gente que gasta
muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as
almofadas... Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e
percebo logo: Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e
os enfeites brincam de trocar de lugar. Casa com vida tem fogão gasto
pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra
mesa da cozinha. Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca
de copo? Tá na cara que é casa sem festa. E se o piso não tem arranhão, é
porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde. Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante, passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda. A que está sempre pronta pros amigos, filhos... Netos, pros vizinhos... E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.
Arrume a casa todos os dias... Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo para viver nela... E reconhecer nela o seu lugar.
Texto "CASA ARRUMADA" [Carlos Drummond de Andrade]
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde. Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante, passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda. A que está sempre pronta pros amigos, filhos... Netos, pros vizinhos... E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.
Arrume a casa todos os dias... Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo para viver nela... E reconhecer nela o seu lugar.
Texto "CASA ARRUMADA" [Carlos Drummond de Andrade]
Cientistas defendem o aumento da idade para o fim da adolescência
Estudiosos australianos afirmam que, nos dias atuais, a adolescência
se estende até os 24 anos e não somente até os 19 como se acreditava.
Segundo um texto recentemente publicado em uma revista científica chamada Lancet Child & Adolescent Health, uma série de motivos os fez acreditar na mudança.
Hoje em dia, o prolongamento do tempo de estudo, o adiamento dos
planos de casamento e filhos, além da crise financeira mundial, entre
outras razões fez com que a idade que marca o fim da adolescência fosse
repensada.
De acordo com a pesquisa, a mudança garantiria que novas leis fossem criadas para assegurar o futuro desses jovens.
Existem outros grupos de estudo que negam a novidade e afirmam que
isso infantilizaria os jovens e faria com que eles demorassem ainda mais
a se independentizar, no entanto, alguns países como o Reino Unido, por
exemplo já adotam a nova idade em suas leis.
A adolescência é
marcada pela ativação das glândulas hipófise e gônadas, que, entre
outras funções, é responsável pela liberação de hormônios sexuais.
A idade do início desse período já foi os 14 anos e hoje é de 10,
provando que a questão biológica também mudou com o passar do tempo. Os
cientistas também defendem que, atualmente, esse desenvolvimento do
organismo também aumentou, chegando aos 24 anos.
Fonte: BBC Brasil
Frase
Saudade mata, é verdade, mas dessa morte eu me esquivo, como morrer de saudade se é de saudade que eu vivo?
Poeta Repentista Antônio Pereira
(Paraibano de Livramento)
Poeta Repentista Antônio Pereira
(Paraibano de Livramento)
domingo, 28 de janeiro de 2018
Jardim interior
Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.
Mário Quintana
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.
Mário Quintana
Frase
"Aprenda com os erros dos outros. Você não consegue viver tempo suficiente para cometer todos por si mesmo".
Eleanor Roosevelt
Eleanor Roosevelt
O Facebook é um filme de Jean-Luc Godard. Não há história, não há ação,
não há causa e efeito. Apenas uma câmara parada e rostos de pessoas
que desfilam, citando autores, cantando
músicas, mostrando cenas de filmes, lendo notícias de jornal, fazendo
cumprimentos perfunctórios, murmurando fragmentos sem sentido. O nome do
filme é "No que você está pensando agora?". Godard é foda.
Bráulio Tavares
Humor
O médico perguntou:
- Por que você tomou a medicação às seis da manhã se eu disse pra você tomar às nove?
- Por que você tomou a medicação às seis da manhã se eu disse pra você tomar às nove?
Eu respondi:
- Doutor, era pra ver se eu conseguia pegar as bactérias de surpresa! São os sentimentos que conduzem as sociedades, não as ideias
As sociedades são conduzidas por agitadores de sentimentos, não por
agitadores de ideias. Nenhum filósofo fez caminho senão porque serviu,
em todo ou em parte, uma religião, uma política ou outro qualquer modo
social do sentimento.
Se a obra de investigação, em matéria social, é portanto socialmente inútil, salvo como arte e no que contiver de arte, mais vale empregar o que em nós haja de esforço em fazer arte, do que em fazer meia arte.
Fernando Pessoa, in 'Notas Autobiográficas e de Autognose'
sábado, 27 de janeiro de 2018
A verdade está à frente do nosso nariz
Nós já esquecemos completamente o axioma de que que a verdade é a coisa
mais poética no mundo, especialmente no seu estado puro. Mais do que
isso: é ainda mais fantástica que aquilo que a mente humana é capaz de
fabricar ou conceber... de facto, os homens conseguiram finalmente ser
bem sucedidos em converter tudo o que a mente humana é capaz de mentir e
acreditar em algo mais compreensível que a verdade, e é isso que
prevalece por todo o mundo. Durante séculos a verdade irá continuar à
frente do nariz das pessoas mas estas não a tomarão: irão persegui-la
através da fabricação, precisamente porque procuram algo fantástico e
utópico.
Fiodor Dostoievski, in 'Diário de um Escritor'
Fiodor Dostoievski, in 'Diário de um Escritor'
Que humanidade é esta?
Se o homem não for capaz de organizar a economia mundial de forma a
satisfazer as necessidades de uma humanidade que está a morrer de fome e
de tudo, que humanidade é esta? Nós, que enchemos a boca com a palavra
humanidade, acho que ainda não chegámos a isso, não somos seres humanos.
Talvez cheguemos um dia a sê-lo, mas não somos, falta-nos mesmo muito.
Temos aí o espetáculo do mundo e é uma coisa arrepiante. Vivemos ao
lado de tudo o que é negativo como se não tivesse qualquer importância, a
banalização do horror, a banalização da violência, da morte, sobretudo
se for a morte dos outros, claro. Tanto nos faz que esteja a morrer
gente em Sarajevo, e também não devemos falar desta cidade, porque o
mundo é um imenso Sarajevo. E enquanto a consciência das pessoas não
despertar isto continuará igual. Porque muito do que se faz, faz-se para
nos manter a todos na abulia, na carência de vontade, para diminuir a
nossa capacidade de intervenção cívica.
José Saramago, in 'Canarias7 (1994)'
José Saramago, in 'Canarias7 (1994)'
Nada nos satisfaz
Se ocasionalmente nos ocupássemos em nos examinar, e o tempo que
gastamos para controlar os outros e para saber das coisas que estão fora
de nós o empregássemos em nos sondar a nós mesmos, facilmente
sentiríamos o quanto todo esse nosso composto é feito de peças frágeis e
falhas. Acaso não é uma prova singular de imperfeição não conseguirmos
assentar o nosso contentamento em coisa alguma, e que, mesmo por desejo
e imaginação, esteja fora do nosso poder escolher o que nos é
necessário? Disso dá bom testemunho a grande discussão que sempre houve
entre os filósofos para descobrir qual é o soberano bem do homem, a
qual ainda perdura e perdurará eternamente, sem solução e sem acordo: Enquanto
nos escapa, o objeto do nosso desejo sempre nos parece preferível a
qualquer outra coisa; vindo a desfrutá-lo, um outro desejo nasce em nós,
e a nossa sede é sempre a mesma. (Lucrécio).
Não importa o que venhamos a conhecer e desfrutar, sentimos que não nos satisfaz, e perseguimos cobiçosos as coisas por vir e desconhecidas, pois as presentes não nos saciam; em minha opinião, não que elas não tenham o bastante com que nos saciar, mas é que nos apoderamos delas com mão doentia e desregrada: Pois ele viu que os mortais têm à sua disposição praticamente tudo o que é necessário para a vida; viu homens cumulados de riqueza, honra e glória, orgulhosos da boa reputação de seus ftlhos; e entretanto não havia um único que, em seu foro íntimo, não se remoesse de angústia e cujo coração não se oprimisse com queixas dolorosas; compreendeu então que o defeito estava no próprio recipiente, e que esse defeito corrompia tudo de bom que fosse colocado de fora em seu interior (Lucrécio).
O nosso apetite é indeciso e incerto: não sabe conservar coisa alguma, nem desfrutar nada da maneira certa. O homem, julgando que isso seja um defeito dessas coisas, acumula e alimenta-se de outras coisas que ele não sabe e não conhece, em que aplica os seus desejos e esperanças, honrando-as e reverenciando-as; como diz César: Por um vício comum da natureza, acontece termos mais confiança e também mais temor em relação às coisas que não vimos e que estão ocultas e desconhecidas.
Michel de Montaigne, in 'Ensaios'
O Que Mais Contribui para a Felicidade
Já reconhecemos em geral que aquilo que somos contribui muito mais para a felicidade do que aquilo que temos ou representamos.
Importa saber o que alguém é e, por conseguinte, o que tem em si mesmo,
pois a sua individualidade acompanha-o sempre e por toda a parte, e
tinge cada uma das suas vivências. Em todas as coisas e ocasiões, o
indivíduo frui, em primeiro lugar, apenas a si mesmo. Isso já vale para
os deleites físicos e muito mais para os intelectuais. Por isso, a
expressão inglesa to enjoy one's self é bastante acertada; com ela, dizemos, por exemplo, he enjoys himself at Paris, portanto, não «ele frui Paris», mas «ele frui a si
em Paris». Entretanto, se a individualidade é de má qualidade, então
todos os deleites são como vinhos deliciosos numa boca impregnada de
fel.
Assim, tanto no bem quanto no mal, tirante os casos graves de infelicidade, importa menos saber o que ocorre e sucede a alguém na vida, do que a maneira como ele o sente, portanto, o tipo e o grau da sua susceptibilidade sob todos os aspectos. O que alguém é e tem em si mesmo, ou seja, a personalidade e o seu valor, é o único contributo imediato para a sua felicidade e para o seu bem-estar. Tudo o resto é mediato.
Por conseguinte, o seu efeito pode ser dirimido, mas o da personalidade, nunca. Por isso, a inveja mais irreconciliável, e que, ao mesmo tempo, é dissimulada do modo mais cuidadoso possível, é aquela dirigida contra os méritos pessoais. Ademais, só a qualidade da consciência é permanente e constante, e a individualidade faz efeito de forma contínua e duradoura, mais ou menos a cada instante. Tudo o resto, pelo contrário, faz efeito apenas de modo temporário, ocasional e passageiro, além de ser submetido a mudanças e variações. Por isso, Aristóteles diz: A natureza é perene, não o dinheiro. Nisso se baseia o facto de suportarmos com mais resignação uma infelicidade que nos chega inteiramente do exterior do que uma cuja culpa caiba a nós mesmos. Pois a sorte pode mudar, mas a própria índole, nunca. Portanto, os bens subjetivos, tais como um caráter nobre, uma mente capaz, um temperamento feliz, um ânimo jovial e um corpo bem constituído e completamente saudável - logo, de modo geral, a mente sadia em corpo sadio (Juvenal) - são o que há de primário e mais importante para a nossa felicidade; por isso, deveríamos estar muito mais aplicados na sua promoção e conservação do que na posse de bens e honra exteriores.
Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'
Versículos do dia
Onde,
pois, estão os teus deuses, que fizeste para ti? Que se levantem, se te
podem livrar no tempo da tua angústia; porque os teus deuses, ó Judá,
são tão numerosos como as tuas cidades. Jeremias 2:28
E
sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para que
conheçamos ao Verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu
Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna. 1 João 5:20
A verdade é aquilo que todo o homem precisa para viver e que ele não
pode obter nem adquirir de ninguém. Todo o homem deve extraí-la sempre
nova do seu próprio íntimo, caso contrário ele arruina-se. Viver sem
verdade é impossível. A verdade é talvez a própria vida.
Franz Kafka, in 'Conversas com Kafka'
Franz Kafka, in 'Conversas com Kafka'
sexta-feira, 26 de janeiro de 2018
Quem sabe um dia
Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!
Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!
Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!
Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!
Mário Quintana
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!
Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!
Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!
Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!
Mário Quintana
Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo.
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo.
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
Que é que eu posso escrever? Como
recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só
poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e
fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada
palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais
palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento. Devemos
modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos
pensamentos.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
O bom ladrão
A cultura de se tentar levar vantagem pessoal em tudo precisa acabar nesse país e isso vale para TODOS!
Não importa que avanços ou vantagens ele tenha patrocinado para o povo.
Fazer pela comunidade é imperativo inarredável de todo governante
democraticamente eleito.
Entrementes, aproveitar-se de um cargo público para fazer pessoalmente por si mesmo é desvio de conduta, é crime, é imoral, é indecente, é situação punível e isso vale para todos os brasileiros.
O último bom ladrão que se tem notícia foi crucificado ao lado de
Cristo. Desde então, surgiram outros, não tão arrependidos assim.
Teófilo Júnior
Teófilo Júnior
Poema
O grilo procura
no escuro
o mais puro diamante perdido.
O grilo
com as suas frágeis britadeiras de vidro
perfura
as implacáveis solidões noturnas.
E se o que tanto busca só existe
em tua limpida loucura
-que importa?-
isso
exatamente isso
é o teu diamante mais puro!
Mário Quintana
no escuro
o mais puro diamante perdido.
O grilo
com as suas frágeis britadeiras de vidro
perfura
as implacáveis solidões noturnas.
E se o que tanto busca só existe
em tua limpida loucura
-que importa?-
isso
exatamente isso
é o teu diamante mais puro!
Mário Quintana
De amor antigo
Disseram-me
que os jovens decretaram um novo costume às rotinas da arte de namorar. Aliás,
para dizer a verdade, percebe-se que o namoro na sua versão clássica do
escurinho do cinema, dos beijos serenados no portão, esse está irremediavelmente
perdido, revogado pela nova ordem constitucional dos desejos.
E, agora, o que fazem esses rapazes e essas moças, quando se conhecem nos degraus da Faculdade, ganhando os primeiros lances da vida?
Ao cinema, por certo, já não querem ir, por não terem mais o que fazer. Ninguém namora mais diante dos pais, imagine na frente de Humphrey Bogart e de Ingrid Bergman.
Chego a pensar que essa moçada já começa pelo fim. Juntam-se, pensando que amor se faz assim. Depois, separam-se pensando que a vida se desfaz assim...
Deve ser por isso que ninguém se lembra mais de namorar.
Os tempos modernos ensinaram aos moços que a arte de amar começa pelos finalmente.
Findam desconhecendo o amor, já que só têm tempo de provar o gosto final das coisas que jamais souberam começar.
Talvez seja este um defeito dos que, como eu, conheceram esses ofícios pela artesania das mãos, pela lavra dos olhares, pelo talhe doce dos corpos pressentidos e nunca revelados...
O que fazer, então, se assim nos disseram que assim devia ser?
Concederam-me a gradação dos sentidos e me disseram para esperar pelos avisos da alma, senhora das revelações. A grande viagem de um namoro começava nas mãos da estrela amada e podia chegar às galáxias mais encantadas – só dependia do argonauta apaixonado.
Se você ainda pensa conforme esse modelo, meu caro leitor, o defeito é seu. Assim como também é meu. Estamos irremediavelmente perdidos e revogados tal como o Amor Antigo.
Hoje, todos os namoros são executivos (ou serão executórios?). Antes, havia só o sentimento a penhorar. Mas era tudo. Porque se namorava singelamente por conta de um simples depósito de amor, que valia por todos os tesouros deste mundo.
Agora, até mesmo os poetas calaram-se de repente, não mais que de repente...
Nem eles falam mais das artes da paixão. Quando muito, um cronista eternamente apaixonado ainda se atreve a tanto ousar e no amor deixa-se estar.
Coisas de cronista, nada mais.
Luiz Augusto Crispim
E, agora, o que fazem esses rapazes e essas moças, quando se conhecem nos degraus da Faculdade, ganhando os primeiros lances da vida?
Ao cinema, por certo, já não querem ir, por não terem mais o que fazer. Ninguém namora mais diante dos pais, imagine na frente de Humphrey Bogart e de Ingrid Bergman.
Chego a pensar que essa moçada já começa pelo fim. Juntam-se, pensando que amor se faz assim. Depois, separam-se pensando que a vida se desfaz assim...
Deve ser por isso que ninguém se lembra mais de namorar.
Os tempos modernos ensinaram aos moços que a arte de amar começa pelos finalmente.
Findam desconhecendo o amor, já que só têm tempo de provar o gosto final das coisas que jamais souberam começar.
Talvez seja este um defeito dos que, como eu, conheceram esses ofícios pela artesania das mãos, pela lavra dos olhares, pelo talhe doce dos corpos pressentidos e nunca revelados...
O que fazer, então, se assim nos disseram que assim devia ser?
Concederam-me a gradação dos sentidos e me disseram para esperar pelos avisos da alma, senhora das revelações. A grande viagem de um namoro começava nas mãos da estrela amada e podia chegar às galáxias mais encantadas – só dependia do argonauta apaixonado.
Se você ainda pensa conforme esse modelo, meu caro leitor, o defeito é seu. Assim como também é meu. Estamos irremediavelmente perdidos e revogados tal como o Amor Antigo.
Hoje, todos os namoros são executivos (ou serão executórios?). Antes, havia só o sentimento a penhorar. Mas era tudo. Porque se namorava singelamente por conta de um simples depósito de amor, que valia por todos os tesouros deste mundo.
Agora, até mesmo os poetas calaram-se de repente, não mais que de repente...
Nem eles falam mais das artes da paixão. Quando muito, um cronista eternamente apaixonado ainda se atreve a tanto ousar e no amor deixa-se estar.
Coisas de cronista, nada mais.
Luiz Augusto Crispim
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