quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Lula e as alucinações

Alguns neurocientistas descrevem a percepção como uma alucinação controlada, tantas são as gambiarras de que o cérebro se utiliza quando organiza as toneladas de dados que recebemos de nossos sentidos. A imagem é provavelmente um pouco exagerada, mas explica bem a reação de alguns petistas e simpatizantes à confirmação da condenação de Lula pelo TRF-4. A ideologia e investimentos emocionais estão entre as gambiarras que moldam nossas percepções.

Apesar de os três desembargadores terem fundamentado de forma convincente a decisão de manter a condenação, alguns militantes insistem em descrever o julgamento como uma farsa jurídica, uma versão tropical dos Processos de Moscou, montada para destruir a principal liderança do único partido verdadeiramente popular do Brasil.

Não é que a condenação esteja acima de qualquer crítica. Embora a argumentação do relator tenha sido suficiente para dirimir as dúvidas que eu tinha, estou certo de que um advogado experiente poderá apontar uma infinidade de problemas. Mas, descontadas diferenças doutrinárias, custa-me crer que eles bastem para caracterizar o juízo como uma fraude.

Lula e seus seguidores insistem nessa narrativa porque é o único caminho que lhes resta. O PT surgiu como o partido que iria reintroduzir a ética na política. Nos primeiros anos, essa até parecia uma promessa crível (eu pelo menos acreditei). Mas bastou que o PT conquistasse postos no Executivo para que adotasse e aprimorasse as piores práticas das piores agremiações. Lula não vai agora simplesmente admitir que também ele sucumbiu. Mais fácil denunciar um suposto complô das elites para condená-lo e confiar que a cegueira ideológica faça com que seus simpatizantes acreditem nisso.

A verdade, porém, é que, lamentavelmente, Lula se corrompeu. E isso é algo que agora podemos afirmar com respaldo da Justiça.
 
Hélio Schwartsman - Folha de São Paulo

Olho as minhas mãos

Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar...
Fechá-las, de repente,
Os dedos como pétalas carnívoras !
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo,
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento
Como tecem as teias as aranhas.
A que mundo
Pertenço ?
No mundo há pedras, baobás, panteras,
Águas cantarolantes, o vento ventando
E no alto as nuvens improvisando sem cessar.
Mas nada, disso tudo, diz: "existo".
Porque apenas existem...
Enquanto isto,
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses
E, cheios de esperança e medo,
Oficiamos rituais, inventamos
Palavras mágicas,
Fazemos
Poemas, pobres poemas
Que o vento
Mistura, confunde e dispersa no ar...
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar
Foi este o fim da Criação !
Mas, então,
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ?
Quem faz - em mim - esta interrogação ?

Mário Quintana
 

O jeito regional

Uma vez estávamos ajudando um amigo a fazer uma mudança, em Campina. No meio da turma havia um carioca. A certa altura a dona da casa nos indicou uma caixa: “Podem ir levando aquela, mas cuidado, são coisas de quebrar”. O carioca ficou meio desconcertado, e arriscou uma brincadeira: “Bem, já que é de quebrar, vamos jogar no chão”.
“Coisa de quebrar”, em nordestinense, significa “coisa frágil, que corre o risco de se quebrar facilmente”. Para pessoas de outras regiões, deve significar “coisa para quebrar, coisa que é preciso quebrar para que tenha uso”. Casca de ovo, por exemplo. 
Este é um entre mil exemplos de um uso aparentemente errado de preposição, porque a palavra “de” nos evoca de imediato uma série de expressões em que indica finalidade, necessidade: água de beber, etc. Além de outras em que o sentido implícito é ligeiramente diferente (quarto de dormir, sala de estar, etc.), mas sempre positivo, ou seja, o verbo está ali indicando que deve ser praticado.
Numa expressão como “quarto de dormir”, “água de beber” ou “pedra de amolar”, o “de” pode ser substituído por “que serve para”. Numa expressão como “coisa de quebrar”, não pode. 
A idéia de que a expressão nordestinense está errada (como já ouvi dizer) talvez venha desse fato, do fato de que ela é tão rara (fiquei aqui tentando lembrar exemplos equivalentes a “coisa de quebrar” e não me ocorreu nenhum) que induz facilmente à confusão com expressões contrárias, pela semelhança estrutural. 
E isto parece ser o tipo de coisa que os gramáticos desaconselham. Eles tentam fazer com que o idioma fique mais organizado, mais claro, mais fácil de entender. O problema, como sempre, é que para cada gramático aconselhando a coisa mais lógica existe um milhão de usuários fazendo a coisa menos lógica, e a língua evolui nesse joguete entre o poder de decisão de uns e o poder de criação dos outros.
O erro alheio sempre dói no nosso ouvido, mas o erro que cresceu conosco não nos incomoda, mesmo quando aceitamos que é um erro. Eu não aguento ouvir certas formas de falar como por exemplo “Eu quero dizer a vocês DE que isto é muito importante”. Esse “de” fora de hora, fora de lugar, fora de propósito, é uma pedra no sapato. 
Já o “coisa de quebrar” não me soa como erro. Quem impõe um significado é o contexto. Passei a vida ouvindo dizer “cuidado, isso aí é de quebrar”, e mais que o sentido literal das palavras valia o contexto, o gesto de advertência, o tom de preocupação, e o fato de que em geral eu sabia que o pacote continha ovos ou a sacola continha taças de vidro. 
Que me corrijam os gramáticos, mas essas formas de dizer resultam de convenções, de hábitos tacitamente aceitos e que com o tempo se solidificam em norma. Em regiões diferentes essa cristalização se dá de forma diferente, e cada uma tem o direito de achar a sua forma tão legítima quanto as outras, mesmo que pela lógica não o seja.

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo 

Caixinha de utilidades

Fazendo carinha de anjo, Manu, minha neta mais velha, me pediu que fizesse um kit completo de colheres para levar pra São Paulo. Ela adora inventar moda na cozinha e já aprendeu a fazer gelatina, sopa de legumes e broa de milho. Trabalhei uma manhã inteira e fiz até rolinho para esticar massa. Ao lembrar que ela vai ficar sem poder usar o que existe de bom e aproveitável no meu armário de ferramentas, resolvi separar um pequeno arsenal de utilidades para que ela possa usar quando quiser fazer, com suas mãozinhas habilidosas, alguma coisa interessante para oferecer a alguém. Para que nada se perca na mudança para a casa novacoloquei tudo numa daquelas simpáticas caixinhas de madeira utilizadas para embalar vinhos mais caros.

Comecei pelas fitas adesivas para os mais diferentes usos, algo de que ela tanto gosta e que tenho em profusão. Para facilitar, enrolei umas dez tiras lado a lado em um gomo retinho de bambu. Escolhi as mais coloridas, de ”fazer vista”, como se dizia. Em outro pedaço de bambu, este com nós bem juntinhos, tratei de enrolar uns vinte tipos diferentes de linhas e fios, algo que muito prezo pela utilidade que têm: barbantes de algodão, nylons e cordinhas de tucum de várias espessuras, fio urso e um pedaço da linha de pesca mais resistente que conheço. Fora isso, enrolei também fio de plástico prateado, linha para costurar sapato, uma tirinha de couro e um pedaço de cordão de rede trazido da Paraíba. Por precaução, inclui três folhas de lixa d'água, pregos variados e tachinhas sortidas, além de parafusos de vários tipos e tamanhos e algumas buchas.

Coloquei também ferramentas de uso corrente: um martelinho colorido, duas chaves de fenda, dois alicates pequenos, sendo um de ponta fina, uma serrinha de aço e cinco goivas japonesas para cavar madeira macia. Por último, mesmo sabendo que faca não é brinquedo de criança, resolvi dar pra ela uma das faquinhas alemãs que uso para cortar bambu. Se bem conheço aquela menina, ela vai usar tudo e logo logo vai me pedir para repor o que estiver acabando.

Vitória, 24 de janeiro de 2018
 
Álvaro Abreu
 
Escrita para A GAZETA

terça-feira, 30 de janeiro de 2018


O embondeiro que sonhava pássaros

Pássaros, todos os que no chão desconhecem morada. (p. 61)

O vendedor de pássaros não tem nome, é só o “passarinheiro”. Os colonos do lugar colocam medo nos filhos, plantando desconfiança em relação à alegre presença do vendedor, o chamam de “preto” despectivamente, dizem que ele “suja o bairro”. Tiago, um menino sonhador, desobedece às ordens do pai e vai ver o passarinheiro, que traz aves de infinita beleza. Os portugueses incomodados com a presença feliz do negro, como ele se atreve a existir?! O homem mora num tronco de árvore, um embondeiro, dizem, tem poderes sobrenaturais; gaita do homem, também. O velho passarinheiro é espancado e preso. Seu crime? Ser negro, simples e feliz. O final de Tiago é um poético triste final.

Mia Couto 

Como sinalizar a narrativa

Há um gancho narrativo dos mais elementares e que sempre funciona. Por isso mesmo, deve ser usado com parcimônia, porque depois da terceira vez o leitor pensa, meio sem pensar, “ih, lá vem isso de novo”.
Suponhamos o seguinte trecho de um romance:
“Smith deixou as coisas no hotel, lanchou num bar, assistiu um filme, e de noite foi para a orla da praia, onde pessoas caminhavam, andavam de bicicleta, passeavam com as crianças. Ele lembrou daquela vez, há mais de dez anos, em que ele e Marybelle tinham ido para a casa dos amigos na Flórida.
Marybelle. Fazia tempos que não pensava nela. Onde estaria naquele momento, morando onde, fazendo o quê?  (Etc e tal).
O gancho consiste em mencionar o personagem, e usar o nome como uma espécie de crachá abrindo o parágrafo seguinte.
Esta manobra informa ao leitor que estão saindo do continuum de ação para o de digressão e memória.  
Abrir assim um parágrafo, anunciando um nome de pessoa, um lugar específico, um fato ou uma época (“Ah, aquelas férias na montanha com os primos!”). Basta isso para que o leitor ressete a bússola mental e acompanhe a narrativa sem nenhum percalço.
O leitor consegue acompanhar a mais absurdista das histórias, se a narração dela tiver um mínimo de sinalização narrativa coerente.
Aí estão Campos de Carvalho, Robert Sheckley, Ionesco, Jarry. Nesses livros acontecem somente coisas bizarras, mas o leitor não tem o menor problema em acompanhá-las.  Seu problema é quando a sinalização narrativa funciona de outra forma, como em Joyce ou como o Catatau de Paulo Leminski, que são fluxos de frases pouco consequenciais.
Quando não existe essa sinalização visível, o leitor tem a sensação de estar o tempo todo recomeçando do zero. Ele não armazena narrativa; cada frase lida desaparece sem criar uma continuidade, e ele se sente o tempo todo de mãos vazias.
Já vi leitor reclamar de certos livros vanguardistas: “O cara fica o tempo todo taxiando e não decola.”  É uma descrição perfeita. O “decolar” que o leitor espera é o arrebatamento de uma narrativa onde ele sinta que alguma coisa está aconecendo e que ele (leitor) está conseguindo acompanhar.
Leminski... Os dois romances publicados pelo poeta curitibano (Agora é que são elas, Catatau) são muito diferentes, e nenhum dos dois obedece a essa estilística.  Poderíamos chamar essa estilística mais convencional de  “estilística de best-seller”, se isso não passasse a idéia errônea de que livros assim vendem mais do que os outros. Não vendem. Apenas são livros mais fáceis de entender, porque o autor vai sinalizando o rumo para o leitor, usando artifícios assim.
Como aquelas bandeirolas que o pessoal finca nas trilhas entre terras pantanosas, avisando aos traseuntes: “venha por aqui”.
O leitor precisa de continuidade, precisa saber onde está pisando, mesmo que a paisagem em torno seja de árvores desconhecidas ou surreais.
Esse recurso de usar um termo para transferir o parágrafo seguinte se assemelha ao recurso que o cinema usava antigamente para introduzir um flashback, uma cena de rememoração.
O sujeito estava sentado num banco do calçadão da praia. Alguém ao lado dizia: “Você está tão pensativo...”  E ele dizia: “Estou lembrando de quando estive na Flórida com uma antiga namorada. Marybelle.”
A câmera se aproximava devagar do rosto dele, que ficava em silêncio, com o olhar perdido; a imagem começava a ondear, como se estivesse sendo vista através de uma água em movimento; e surgia em fusão a imagem de outra praia ensolarada ou enluarada (para fazer contraste com a praia do presente) e o personagem, mais jovem e com roupa mais jovem, andando de mãos dadas com uma moça.
Isso fez parte da gramática do cinema durante dez mil anos, mas a narrativa mais moderna, de cortes rápidos, transferiu esse recurso para a prateleira dos clichês com prazo vencido. Hoje o cara abre uma gaveta, pega uma foto de praia, a câmera mostra a foto, e no segundo seguinte já estamos na praia do passado – sem preparação, sem aviso. E o público entende. Por que? A sinalização mudou. No cinema, desde os filmes de Jean-Luc Godard.
Godard. Ele próprio, que era tão iconoclasta, sabia que nenhuma sinalização funciona para 100% das pessoas. Eu sou um leitor tarimbado e acho esse recurso do “parágrafo anunciado” o ó, mas sei também que para muitos leitores ele ajuda a transição entre duas faixas mentais. 
 
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo 

A solução está na nossa frente

Um homem muito rico comprou um terno caríssimo. No primeiro dia em que vestiu notou uma linha que pendia na lateral da calça. Sua empregada, sempre solícita, disse que rapidinho daria um jeito.

Ele, disse: você sabe quanto custa uma calça dessas? A empregada afastou-se sem graça e ele decidiu que iria até a empresa responsável pela confecção do terno. Chegou à empresa e falou com o gerente: a Dona Maria, da oficina de costura, irá lhe ajudar. Vá até lá que ela tem a solução!

A costureira enlaçou e puxou suavemente a linha tirando o "grave defeito". A costureira explicou: sabe moço, isso se chama limpeza de costura. Seu problema era simples e poderia ter sido solucionado pela sua empregada.

As vezes não damos o merecido valor àqueles que estão ao nosso lado na luta diária e acabamos pagando caríssimo por um trabalho profissional por não confiarmos na capacidade daqueles que estão dia-a-dia ao nosso lado.

Prof. Menegatti  

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018


Casa arrumada é assim: Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.

Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não centro cirúrgico, um cenário de novela. Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas... Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo: Aqui tem vida... 

Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar. Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha. Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca de copo? Tá na cara que é casa sem festa. E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.

Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde. Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante, passaporte e vela de aniversário, tudo junto...

Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda. A que está sempre pronta pros amigos, filhos... Netos, pros vizinhos... E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.

Arrume a casa todos os dias... Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo para viver nela... E reconhecer nela o seu lugar.

Texto "CASA ARRUMADA" [Carlos Drummond de Andrade]

Cientistas defendem o aumento da idade para o fim da adolescência

Estudiosos australianos afirmam que, nos dias atuais, a adolescência se estende até os 24 anos e não somente até os 19 como se acreditava.

Segundo um texto recentemente publicado em uma revista científica chamada Lancet Child & Adolescent Health, uma série de motivos os fez acreditar na mudança.

Hoje em dia, o prolongamento  do tempo de estudo, o adiamento dos planos de casamento e filhos, além da crise financeira mundial, entre outras razões fez com que a idade que marca o fim da adolescência fosse repensada.

De acordo com a pesquisa, a mudança garantiria que novas leis fossem criadas para assegurar o futuro desses jovens.

Existem outros grupos de estudo que negam a novidade e afirmam que isso infantilizaria os jovens e faria com que eles demorassem ainda mais a se independentizar, no entanto, alguns países como o Reino Unido, por exemplo já adotam a nova idade em suas leis.

A adolescência é marcada pela ativação das glândulas hipófise e gônadas, que, entre outras funções, é responsável pela liberação de hormônios sexuais.

A idade do início desse período já foi os 14 anos e hoje é de 10, provando que a questão biológica também mudou com o passar do tempo. Os cientistas também defendem que, atualmente, esse desenvolvimento do organismo também aumentou, chegando aos 24 anos.

Fonte: BBC Brasil

Frase

Saudade mata, é verdade, mas dessa morte eu me esquivo, como morrer de saudade se é de saudade que eu vivo?

Poeta Repentista Antônio Pereira
(Paraibano de Livramento)

domingo, 28 de janeiro de 2018

Jardim interior

Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente. 


Mário Quintana
Em momentos de voyeurismo a La Big Brother (intimidade exposta) vale pensar que a intimidade é uma conquista não uma imposição, e como tal requer investimento (tempo e afeto) e permissão diária.

Márcia Almeida 

Frase

"Aprenda com os erros dos outros. Você não consegue viver tempo suficiente para cometer todos por si mesmo". 

Eleanor Roosevelt
O Facebook é um filme de Jean-Luc Godard. Não há história, não há ação, não há causa e efeito. Apenas uma câmara parada e rostos de pessoas que desfilam, citando autores, cantando músicas, mostrando cenas de filmes, lendo notícias de jornal, fazendo cumprimentos perfunctórios, murmurando fragmentos sem sentido. O nome do filme é "No que você está pensando agora?". Godard é foda.

Bráulio Tavares
 

Humor

O médico perguntou:
- Por que você tomou a medicação às seis da manhã se eu disse pra você tomar às nove?
Eu respondi:
- Doutor, era pra ver se eu conseguia pegar as bactérias de surpresa!


Lamparinas


São os sentimentos que conduzem as sociedades, não as ideias

As sociedades são conduzidas por agitadores de sentimentos, não por agitadores de ideias. Nenhum filósofo fez caminho senão porque serviu, em todo ou em parte, uma religião, uma política ou outro qualquer modo social do sentimento. 

Se a obra de investigação, em matéria social, é portanto socialmente inútil, salvo como arte e no que contiver de arte, mais vale empregar o que em nós haja de esforço em fazer arte, do que em fazer meia arte.

Fernando Pessoa, in 'Notas Autobiográficas e de Autognose'

sábado, 27 de janeiro de 2018


Charge


A verdade está à frente do nosso nariz

Nós já esquecemos completamente o axioma de que que a verdade é a coisa mais poética no mundo, especialmente no seu estado puro. Mais do que isso: é ainda mais fantástica que aquilo que a mente humana é capaz de fabricar ou conceber... de facto, os homens conseguiram finalmente ser bem sucedidos em converter tudo o que a mente humana é capaz de mentir e acreditar em algo mais compreensível que a verdade, e é isso que prevalece por todo o mundo. Durante séculos a verdade irá continuar à frente do nariz das pessoas mas estas não a tomarão: irão persegui-la através da fabricação, precisamente porque procuram algo fantástico e utópico.
Fiodor Dostoievski, in 'Diário de um Escritor'

Que humanidade é esta?

Se o homem não for capaz de organizar a economia mundial de forma a satisfazer as necessidades de uma humanidade que está a morrer de fome e de tudo, que humanidade é esta? Nós, que enchemos a boca com a palavra humanidade, acho que ainda não chegámos a isso, não somos seres humanos. Talvez cheguemos um dia a sê-lo, mas não somos, falta-nos mesmo muito. Temos aí o espetáculo do mundo e é uma coisa arrepiante. Vivemos ao lado de tudo o que é negativo como se não tivesse qualquer importância, a banalização do horror, a banalização da violência, da morte, sobretudo se for a morte dos outros, claro. Tanto nos faz que esteja a morrer gente em Sarajevo, e também não devemos falar desta cidade, porque o mundo é um imenso Sarajevo. E enquanto a consciência das pessoas não despertar isto continuará igual. Porque muito do que se faz, faz-se para nos manter a todos na abulia, na carência de vontade, para diminuir a nossa capacidade de intervenção cívica.
José Saramago, in 'Canarias7 (1994)'

Nada nos satisfaz

Se ocasionalmente nos ocupássemos em nos exa­minar, e o tempo que gastamos para controlar os outros e para saber das coisas que estão fora de nós o empregás­semos em nos sondar a nós mesmos, facilmente sentiríamos o quanto todo esse nosso composto é feito de peças frágeis e falhas. Acaso não é uma prova singular de imperfeição não conseguirmos assentar o nosso contentamento em coi­sa alguma, e que, mesmo por desejo e imaginação, esteja fora do nosso poder escolher o que nos é necessário? Dis­so dá bom testemunho a grande discussão que sempre houve entre os filósofos para descobrir qual é o soberano bem do homem, a qual ainda perdura e perdurará eterna­mente, sem solução e sem acordo: Enquanto nos escapa, o objeto do nosso desejo sempre nos parece preferível a qualquer outra coisa; vindo a desfrutá-lo, um outro desejo nasce em nós, e a nossa sede é sempre a mesma. (Lucrécio). 

Não importa o que venhamos a conhecer e des­frutar, sentimos que não nos satisfaz, e perseguimos cobi­çosos as coisas por vir e desconhecidas, pois as presentes não nos saciam; em minha opinião, não que elas não te­nham o bastante com que nos saciar, mas é que nos apo­deramos delas com mão doentia e desregrada: Pois ele viu que os mortais têm à sua disposição praticamente tudo o que é necessário para a vida; viu homens cumulados de riqueza, honra e glória, orgulhosos da boa reputação de seus ftlhos; e entretanto não havia um único que, em seu foro íntimo, não se remoesse de angústia e cujo cora­ção não se oprimisse com queixas dolorosas; compreendeu então que o defeito estava no próprio recipiente, e que esse defeito corrompia tudo de bom que fosse colocado de fora em seu interior (Lucrécio). 

O nosso apetite é indeciso e incerto: não sabe con­servar coisa alguma, nem desfrutar nada da maneira certa. O homem, julgando que isso seja um defeito dessas coi­sas, acumula e alimenta-se de outras coisas que ele não sabe e não conhece, em que aplica os seus desejos e espe­ranças, honrando-as e reverenciando-as; como diz César: Por um vício comum da natureza, acontece termos mais con­fiança e também mais temor em relação às coisas que não vimos e que es­tão ocultas e desconhecidas.

Michel de Montaigne, in 'Ensaios'

O Que Mais Contribui para a Felicidade

Já reconhecemos em geral que aquilo que somos contribui muito mais para a felicidade do que aquilo que temos ou representamos. Importa saber o que alguém é e, por conseguinte, o que tem em si mesmo, pois a sua individualidade acompanha-o sempre e por toda a parte, e tinge cada uma das suas vivências. Em todas as coisas e ocasiões, o indivíduo frui, em primeiro lugar, apenas a si mesmo. Isso já vale para os deleites físicos e muito mais para os intelectuais. Por isso, a expressão inglesa to enjoy one's self é bastante acertada; com ela, dizemos, por exemplo, he enjoys himself at Paris, portanto, não «ele frui Paris», mas «ele frui a si em Paris». Entretanto, se a individualidade é de má qualidade, então todos os deleites são como vinhos deliciosos numa boca impregnada de fel. 

Assim, tanto no bem quanto no mal, tirante os casos graves de infelicidade, importa menos saber o que ocorre e sucede a alguém na vida, do que a maneira como ele o sente, portanto, o tipo e o grau da sua susceptibilidade sob todos os aspectos. O que alguém é e tem em si mesmo, ou seja, a personalidade e o seu valor, é o único contributo imediato para a sua felicidade e para o seu bem-estar. Tudo o resto é mediato. 

Por conseguinte, o seu efeito pode ser dirimido, mas o da personalidade, nunca. Por isso, a inveja mais irreconciliável, e que, ao mesmo tempo, é dissimulada do modo mais cuidadoso possível, é aquela dirigida contra os méritos pessoais. Ademais, só a qualidade da consciência é permanente e constante, e a individualidade faz efeito de forma contínua e duradoura, mais ou menos a cada instante. Tudo o resto, pelo contrário, faz efeito apenas de modo temporário, ocasional e passageiro, além de ser submetido a mudanças e variações. Por isso, Aristóteles diz: A natureza é perene, não o dinheiro. Nisso se baseia o facto de suportarmos com mais resignação uma infelicidade que nos chega inteiramente do exterior do que uma cuja culpa caiba a nós mesmos. Pois a sorte pode mudar, mas a própria índole, nunca. Portanto, os bens subjetivos, tais como um caráter nobre, uma mente capaz, um temperamento feliz, um ânimo jovial e um corpo bem constituído e completamente saudável - logo, de modo geral, a mente sadia em corpo sadio (Juvenal) - são o que há de primário e mais importante para a nossa felicidade; por isso, deveríamos estar muito mais aplicados na sua promoção e conservação do que na posse de bens e honra exteriores.

Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'

Versículos do dia

Onde, pois, estão os teus deuses, que fizeste para ti? Que se levantem, se te podem livrar no tempo da tua angústia; porque os teus deuses, ó Judá, são tão numerosos como as tuas cidades. Jeremias 2:28

E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para que conheçamos ao Verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna. 1 João 5:20
A verdade é aquilo que todo o homem precisa para viver e que ele não pode obter nem adquirir de ninguém. Todo o homem deve extraí-la sempre nova do seu próprio íntimo, caso contrário ele arruina-se. Viver sem verdade é impossível. A verdade é talvez a própria vida.

Franz Kafka, in 'Conversas com Kafka'

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018


Quem sabe um dia

Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!

Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!

Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!

Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!


 Mário Quintana
Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento. Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos.


"Aprenda com os erros dos outros. Você não consegue viver tempo suficiente para cometer todos por si mesmo". 

Eleanor Roosevelt

"Pracas"





quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O bom ladrão

A cultura de se tentar levar vantagem pessoal em tudo precisa acabar nesse país e isso vale para TODOS! 

Não importa que avanços ou vantagens ele tenha patrocinado para o povo. Fazer pela comunidade é imperativo inarredável de todo governante democraticamente eleito.

Entrementes, aproveitar-se de um cargo público para fazer pessoalmente por si mesmo é desvio de conduta, é crime, é imoral, é indecente, é situação punível e isso vale para todos os brasileiros.

O último bom ladrão que se tem notícia foi crucificado ao lado de Cristo. Desde então, surgiram outros, não tão arrependidos assim.

Teófilo Júnior

Poema

O grilo procura
no escuro
o mais puro diamante perdido.

O grilo
com as suas frágeis britadeiras de vidro
perfura

as implacáveis solidões noturnas.

E se o que tanto busca só existe
em tua limpida loucura

-que importa?-

isso
exatamente isso
é o teu diamante mais puro! 


Mário Quintana

De amor antigo



Disseram-me que os jovens decretaram um novo costume às rotinas da arte de namorar. Aliás, para dizer a verdade, percebe-se que o namoro na sua versão clássica do escurinho do cinema, dos beijos serenados no portão, esse está irremediavelmente perdido, revogado pela nova ordem constitucional dos desejos.

E, agora, o que fazem esses rapazes e essas moças, quando se conhecem nos degraus da Faculdade, ganhando os primeiros lances da vida?

Ao cinema, por certo, já não querem ir, por não terem mais o que fazer. Ninguém namora mais diante dos pais, imagine na frente de Humphrey Bogart e de Ingrid Bergman.

Chego a pensar que essa moçada já começa pelo fim. Juntam-se, pensando que amor se faz assim. Depois, separam-se pensando que a vida se desfaz assim...

Deve ser por isso que ninguém se lembra mais de namorar.

Os tempos modernos ensinaram aos moços que a arte de amar começa pelos finalmente.

Findam desconhecendo o amor, já que só têm tempo de provar o gosto final das coisas que jamais souberam começar.

Talvez seja este um defeito dos que, como eu, conheceram esses ofícios pela artesania das mãos, pela lavra dos olhares, pelo talhe doce dos corpos pressentidos e nunca revelados...

O que fazer, então, se assim nos disseram que assim devia ser?

Concederam-me a gradação dos sentidos e me disseram para esperar pelos avisos da alma, senhora das revelações. A grande viagem de um namoro começava nas mãos da estrela amada e podia chegar às galáxias mais encantadas – só dependia do argonauta apaixonado.

Se você ainda pensa conforme esse modelo, meu caro leitor, o defeito é seu. Assim como também é meu. Estamos irremediavelmente perdidos e revogados tal como o Amor Antigo.

Hoje, todos os namoros são executivos (ou serão executórios?). Antes, havia só o sentimento a penhorar. Mas era tudo. Porque se namorava singelamente por conta de um simples depósito de amor, que valia por todos os tesouros deste mundo.

Agora, até mesmo os poetas calaram-se de repente, não mais que de repente...

Nem eles falam mais das artes da paixão. Quando muito, um cronista eternamente apaixonado ainda se atreve a tanto ousar e no amor deixa-se estar.

Coisas de cronista, nada mais.


Luiz Augusto Crispim