Não creio na boa-fé da maioria que se diz
indignada com frases infelizes que soam racistas ou atitudes suspeitas de
assédio sexual.
O que move a maioria esmagadora dos
"indignados" nas redes sociais e fora delas é o gosto de sangue. Não
há nenhum senso de justiça ultrajado aqui, mas, sim, o mero gosto da humilhação
das vítimas "culpadas". O simples gosto pelo linchamento. Se os
"movimentos progressistas" não tivessem eles mesmos virado um
"mercado de impacto", gerando milhões de dólares, (quase) ninguém
estaria nem aí pra vítimas de racismo ou sexismo. A própria luta da Inglaterra
contra a escravidão foi um business em si.
Essa constatação em nada retira do combate às
misérias humanas o seu justo valor, mas nos ajuda a entender, de uma forma mais
"sociobiológica", o gosto pelo linchamento de pessoas de grande
sucesso e competência como William Waack e Kevin Spacey. O sucesso envenena a
alma do rebanho. A inveja move a turba "indignada". O ressentimento é
seu café da manhã cotidiano. O ódio, seu afeto primário. A irrelevância, seu
estado natural. Sua ética é fake. "Fake ethics".
Não acho que a histeria ao redor desses dois
casos (e outros) seja fruto de avanço moral e político da humanidade. Linchar
pessoas, que não podem se defender, exerce sobre nós a mesma força de atração
que a luz exerce sobre mariposas ou insetos em geral. As redes sociais são apenas
o caldo de cultura de bactérias em que a fúria animal humana por sangue se
manifesta.
Olhemos de mais perto esse enxame. Mas, antes,
um reparo. Se você considera um desses dois casos "culpado" e, por
isso mesmo, "merecedor da punição coletiva", cuidado! Nunca deixe se
levar por esse gosto de sangue travestido de "justiça".
Principalmente se você for uma pessoa de sucesso e pública, um dia você poderá
ser a próxima vítima de linchamento.
Não existe relativização de valor de
linchamentos. Ou são condenados a priori ou são justificáveis de acordo com a
vontade do freguês. E você poderá ser a próxima vítima do freguês.
Você se lembra que, anos atrás, quando ladrões
foram linchados nas ruas do Brasil, muitos criticaram (com razão) esses
linchadores de rua, e uma jornalista, que aparentemente defendeu os
linchadores, foi ela mesma linchada nas redes sociais?
Pois bem. É interessante perceber que há uma
semelhança ideológica entre o grupo que defendia (com razão) os ladrões vítimas
de linchamento e o grupo que agora adere (sem razão) ao linchamento de Waack.
Por que ladrões não devem ser (e não devem ser
mesmo) linchados na rua, mas um jornalista essencial para o Brasil deve ser
linchado nas redes sociais (e quem sabe nas ruas)? Por que é injusto linchar
ladrões, mas é "progressista" linchar alguém como Waack? Simples:
porque todo linchador é um canalha. Não há regra, só o gosto do sangue que ele
quer beber.
A tese segundo a qual jornalistas devem ser
"santos" se alimenta de hipocrisia tanto quanto a tese segundo a qual
santos devem ser santinhos.
O politicamente correto destruiu qualquer
possibilidade de reflexão minimamente honesta sobre virtudes na vida pública
contemporânea. Essa discussão está morta. O politicamente correto criou o
"fake ethics". A presunção de "retidão política" implica a
prática da mentira pública. A democracia é, essencialmente, idiota em sua
pretensão de ser politicamente correta.
A reação imediata da Globo é paradigmática:
todos temem a turba. Pior: ela, a Globo mesma, é um celeiro de inteligentinhos
que adoram linchamentos. Linchamentos, hoje, são parte da economia de mercado.
Uma sub-área do marketing digital.
No caso de Kevin Spacey, vemos a já identificada
tendência contemporânea em "gozar" mais com a histeria relacionada ao
tema do assédio sexual do que gozar, de fato, com a penetração sexual física. À
medida que os jovens deixam de fazer sexo, mais obcecados ficam com o tema do
assédio sexual. Por trás do linchamento público de Kevin Spacey esconde-se o
crescente ódio ao sexo real.
A proibição de manifestar desejo sexual real
será logo cláusula pétrea da Constituição e da ONU.
LUIZ FELIPE PONDÉ (FOLHA ONLINE)
(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2017/11/1936629-linchamentos-atuais-sao-parte-de-uma-economia-de-mercado-e-marketing-digital.shtml.
Acesso em: 21 de novembro de 2017.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário