"As constelações servem para esclarecer a noite". Bela
frase, não? A mim, soa como Guimarães Rosa, o uso ambíguo do verbo esclarecer
sugerindo algo de arcaico e místico. Um astrólogo certamente enxergaria nela
vestígios simbólicos, as constelações servindo para aclarar a obscuridade de
nossos destinos. Um marinheiro, por outro lado, veria na frase a expressão de
uma verdade empírica: à noite, navegamos orientados pelas estrelas —
conhecimento indispensável quando nos faltam instrumentos. Eu fico com a
ressonância lírica — me basta.
Juro: se pudesse, roubava a frase para dizê-la como um
comentário displicente depois de observar longamente o céu salpicado de
estrelas numa noite de lua nova, lá no alto da serra. Sim, depois de um longo
silêncio eu sussurraria ao teu ouvido num tom grave e sorrateiro: "As
constelações servem para esclarecer a noite", e certamente mais duas
estrelas se acenderiam no teu rosto, cheias de admiração pela sabedoria que eu
teria se a frase fosse minha...
E nem seria difícil me apropriar da frase, visto que ela talvez
hoje envergonhe seu autor anônimo, depois de ter sido enjeitada pelos bedéis do
senso comum que julgaram as redações da galera que prestou vestibular para UFRJ
este ano. Eles não só não gostaram da frase como a incluíram em uma mensagem
eletrônica que fizeram circular pela Internet (eu só recebi agora) reunindo o
que consideraram ironicamente como "pérolas": frases que continham
erros mais ou menos crassos — fosse de informação, sintaxe ou grafia.
Há outras frases igualmente geniais. Por exemplo: "O Brasil
é um país abastardo com um futuro promissório". Engraçadíssima síntese
histórica, sociológica e econômica! E se há erro no uso do
"abastardo", salva-se o "promissório" — que, basta consultar
o Aurélio, serve de sinônimo de "promissor", sim — além de criar uma
ambigüidade semântica digna dos melhores humoristas.
Outra na mesma linha: "É preciso melhorar as indiferenças
sociais e promover o saneamento de muitas pessoas". Esta é irretocável!
Nossa indiferença social é mais do que visível, é chocante, e certamente o
saneamento de algumas pessoas poderia ser a solução — isto é, se crermos que
certas pessoas são mesmo saneáveis... Um jovem sustentar essa esperança me
enche de genuína alegria.
Outras duas me surpreenderam positivamente por seu evidente
surrealismo: "A Geografia Humana estuda o homem em que vivemos". Ora,
não sei se existe mesmo uma geografia humana, mas certamente não faltariam
acadêmicos que defenderiam a idéia de que o homem é um produto da cultura e
que, portanto, o homem antecede o homem — isto é, vivemos "em" um
homem que nos é dado ou imposto sob a forma de uma língua, costumes,
preconceitos e gostos que seria mesmo importante estudar, até para podermos saneá-lo.
A segunda diz assim: "A História se divide em 4: Antiga,
Média, Moderna e Momentânea (esta, a dos nossos dias)". O.K., era pra se
dizer "contemporânea", mas na velocidade em que anda a história o
rapaz ou a moça foi talvez premonitório — ou deveria eu dizer promontório?
Finalmente, três frases que foram rejeitadas certamente apenas
por seu tom coloquial, pois a verdade delas é tão cristalina que dispensa
qualquer defesa: "Com a morte de Jesus Cristo os apóstolos continuaram a
sua carreira." (E com enorme sucesso, ressalte-se). "Os pagãos não
gostavam quando Deus pregava sua doutrina e tinham a ideia de eliminá-lo."
(Está certo, faltou o u de doutrina, mas a ênclise chiquérrima compensa-a com
sobras). "Entre os povos orientais os casamentos eram feitos "no
escuro" e os noivos só se conheciam na hora h."
Pois é, eis aí exposta a diferença entre a ignorância e a
burrice. Ignorância é falta de conhecimento. Burrice é preconceito travestido
de conhecimento. O ignorante pode ou não ter consciência do que não sabe. O burro
tem certeza de que sabe o que, na verdade, não sabe. O burro, enfim, privilegia
o mediano, o medíocre, o conhecido e reiterado. Está condenado a repetir, cego
para a "milionária contribuição de todos os erros" de que falava
Mário de Andrade — ou seria Oswald?
Bom, ficam desde já convidados os autores das frases citadas a
comparecer a este jornal para receber a Comenda Mário de Andrade (ou será
Oswald?) em reconhecimento a sua modesta, mas decisiva, contribuição ao nosso
milionário acervo de erros. Pois, vítimas de um ensino dominado pelos burros,
conseguiram dar um brilho de genialidade à própria ignorância. Parabéns e
obrigado — minhas melhores esperanças repousam sobre vós.
Antônio H. Caetano
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