Em seu livro Lição de Coisas (1962) Carlos Drummond de
Andrade incluiu um poema curto cujo título me atraiu desde o primeiro olhar:
“Science Fiction”. Assim mesmo, em
inglês, sintoma de uma época em que a assimilação de certas palavras ainda
estava incompleta, e ainda se dizia “goal-keeper”, “whisky”, etc. O texto do poema diz:
“O marciano encontrou-me na rua / e teve medo de minha
impossibilidade humana. / Como pode existir, pensou consigo, um ser / que no
existir põe tamanha anulação de existência? // Afastou-se o marciano, e
persegui-o. / Precisava dele como de um testemunho. / Mas, recusando o
colóquio, desintegrou-se / no ar constelado de problemas. // E fiquei só em
mim, de mim ausente.”
O poema surgiu num momento em que a FC estava presente na
imprensa e na cultura brasileira em geral, através das edições de Gumercindo R.
Dórea (Editora GRD), que vinha publicando obras de FC de Dinah Silveira de
Queiroz, Fausto Cunha, Rubens Teixeira Scavone e outros, além da primeira Antologia Brasileira de Ficção Científica (1961).
O texto de Drummond, no entanto, sempre me lembrou outro
conto: “Encontro Noturno” de Ray Bradbury, incluído na antologia Maravilhas da
Ficção Científica, da Editora Cultrix (1958), organizada por Fernando Correia
da Silva, com seleção de Wilma Pupo Nogueira Brito e introdução de Mário da
Silva Brito.
No conto de Bradbury (na verdade, uma das suas “Crônicas
Marcianas” de 1950) um terrestre e um marciano se encontram por acaso no alto
de uma colina de Marte, começam a conversar, e descobrem que estão num ponto de
cruzamento entre momentos diferentes no tempo. O marciano vê no vale lá embaixo
sua civilização viva e florescente; o terrestre vê ruínas desertas. Depois de
um diálogo cheio de contradições, os dois se separam, perplexos, e cada um vai
cuidar de sua vida.
O poema de Drummond sismografa a presença da FC na
nossa literatura da época. O poeta refletia sobre a civilização tecnológica que
começava a envolvê-lo: é desse livro seu famoso poema sobre a bomba atômica, “A
bomba” (“A bomba / é uma flor de pânico apavorando os floricultores / A bomba /
é o produto quintessente de um laboratório falido”). O marciano (que não deixa
de lembrar o marciano visitante de Fausto Cunha em “Visita Sentimental de um
Jovem Marciano ao Planeta Terra”) torna-se nessa fase um símbolo preferencial
do Outro, do Estranho, do que nos descobre e olha para nós com assombro e
incredulidade. É o próprio Drummond que se auto-descobre no poema ao lado, “O
Retrato Malsim”, constatando o “morrer em pensamento quando a vida queria
viver”. Era um símbolo interplanetário para a angústia existencial.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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