Mais de 45% das 2.060 pessoas que sobreviveram a uma parada cardíaca tiveram visões ou memórias enquanto estavam desacordadas.
O cérebro normalmente se desliga entre 20 e 30 segundos depois que o coração para de funcionar, afirmam os especialistas. Mas os resultados de um estudo de quatro anos, envolvendo 2.060 casos de parada cardíaca ocorridos em 15 hospitais no Reino Unido, nos Estados Unidos e na Áustria, mostrou algo diferente. A equipe da Universidade de Southampton (Inglaterra) que liderou a pesquisa, a maior do gênero já realizada, descobriu que quase 40% dos sobreviventes desses casos descreveram algum tipo de “consciência” em momentos em que, de acordo com a teoria, estavam clinicamente mortos.
Para os cientistas responsáveis pelo estudo denominado Aware (sigla em inglês para Awareness During Resuscitation – “Consciência Durante a Ressuscitação”), divulgado em outubro na revista Resuscitation, da fundação Conselho de Ressuscitação Europeu, o material coletado contém evidências de que uma parte significativa dos pacientes vivenciou eventos reais por até três minutos além do suposto instante da morte cerebral, e alguns daqueles reanimados conseguiram descrevê-los com riqueza de detalhes.
“Contrariamente à percepção, a morte não é um momento específico, mas um processo potencialmente reversível que ocorre depois que qualquer doença ou acidente grave leva o coração, os pulmões e o cérebro a parar de funcionar”, observa o médico inglês Sam Parnia, professor assistente de medicina e diretor do centro de ressuscitação da Universidade Estadual de Nova York, e que atuava como pesquisador honorário na Universidade de Southampton quando liderou o estudo.
“Se são feitas tentativas para reverter esse processo, ele pode ser referido como “ataque cardíaco”; entretanto, se essas tentativas não conseguem sucesso, ele é chamado de “morte”, diz Parnia. “Nesse estudo, queríamos ir além do conceito de experiência de quase morte, emocionalmente carregado, mas pobremente definido, para explorar objetivamente o que acontece quando morremos.”
Dos pacientes que sobreviveram ao ataque cardíaco e puderam ser submetidos ao primeiro estágio de entrevistas, 39% descreveram uma percepção de consciência, mas, curiosamente, não tinham nenhuma lembrança nítida de eventos. O máximo que 20% dessas pessoas conseguiam recordar era uma incomum sensação de tranquilidade. Cerca de 33% delas declararam ter sentido o tempo desacelerar ou
ficar mais rápido. Alguns pacientes relataram uma luz brilhante, um clarão dourado ou um Sol resplandecendo. “Isso sugere que mais pessoas podem ter inicialmente atividade mental (nesses momentos), mas perdem suas memórias depois de recuperar- se, por causa dos efeitos de lesão cerebral ou de sedativos nos circuitos da memória”, avalia Parnia.
Descrições detalhadas
Dos 101 pacientes que passaram por dois estágios diferentes de entrevistas, 45,5% afi rmaram não ter tido quaisquer recordações, memórias ou consciência dos momentos em que não manifestavam vida. Mas 45,5% descreveram um leque de recordações não compatíveis com experiências de quase morte, entre elas relatos de experiências aterrorizantes e de perseguição. Já 7% tiveram experiências compatíveis com defi nições tradicionais da experiência de quase morte e 2% superaram esse nível, demonstrando plena consciência daqueles momentos e fazendo referências explícitas sobre o que “viram” e “ouviram”, características típicas dos casos defi nidos como “experiências fora do corpo”.
Os fenômenos chamados popularmente de experiências de quase morte ou experiências fora do corpo são comumente atribuídos a alucinações ou ilusões, ocorrendo tanto antes de o coração parar quanto após ele ser ressuscitado. Mas um caso “muito verossímil”, conforme Parnia descreveu ao jornal inglês Th e Telegraph, aponta claramente para outra direção. Um assistente social de 57 anos, de Southampton, permaneceu consciente após o suposto desligamento do cérebro e fez observações preciosas para o estudo. Ele se lembra de ter deixado seu corpo e acompanhado as tentativas de ressuscitá-lo no canto do quarto. Relatou ainda os procedimentos da equipe médica que o socorreu. “O homem descreveu tudo que havia acontecido no quarto, mas o que mais se destaca é que ele ouviu dois ‘bips’ de uma máquina que emite um ruído a intervalos de três minutos”, diz Parnia. “Assim, pudemos calcular quanto tempo durou a experiência. Ele parecia muito confi ável e tudo o que disse que havia acontecido de fato aconteceu.”
Parnia e seus colegas sublinham que, embora apenas 2% dos entrevistados tenham exibido uma ampla consciência dos fatos posteriores à sua “morte”, os resultados obtidos recomendam novas e mais aprofundadas pesquisas nessa área. Outros estudos também são indicados para explorar se a consciência (implícita ou explícita) pode conduzir os pacientes a resultados psicológicos adversos no longo prazo, como o transtorno do estresse pós-traumático. “De maneira clara, a experiência lembrada que cerca a morte merece agora uma investigação genuína mais aprofundada e sem preconceito”, escrevem os cientistas.
Jerry Nolan, editor-chefe da Resuscitation, acrescentou: “O dr. Parnia e seus colegas devem ser parabenizados pela conclusão de um estudo fascinante que abrirá a porta para pesquisas mais abrangentes sobre o que acontece quando morremos”.
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