Muitos escritores insistem na tese
(antiga) de que a ficção e a poesia não guardam relação alguma com a verdade.
Vinga, assim, a ideia de que a invenção é um mundo autônomo, descolado do real,
e que nele não produz nenhum tipo de interferência, ou choque. Essa hipótese
protege seus adeptos (será?) dos atritos inevitáveis da existência. Um aforismo
do francês Joseph Joubert (1754-1824), porém, me ajuda na construção de uma
resistência firme a essa ideia. Escreve Joubert: "Os poetas têm cem vezes
mais sentido comum que os filósofos, e buscando a beleza encontram mais
verdades do que os filósofos buscando a verdade".
A verdade não é sólida, e una, mas maleável e multifacetada. É o resultado do confronto entre uma série variada de perspectivas que se atraem, se repelem, se englobam, se anulam, se chocam. É uma espécie de jogo _ jogo sem fim e sem vencedores, que nos propõe exclusivamente soluções parciais. Isso _ o parcial, o refratário, o insubmisso _ os poetas conhecem muito bem. A começar, porque sua matéria de trabalho, a imaginação, não provém dos planejamentos estatísticos e das planilhas industriais, mas dos impulsos interiores e dos afetos. Diz Joubert um pouco mais à frente: "O medo nutre a imaginação".
Todos devem recordar de seu contato pessoal com as primeiras histórias infantis. No meu caso, com os contos de fadas. Eu as ouvia à noite, à meia-luz, encoberto por sombras, e tudo isso as potencializava e engrandecia. O medo (Joubert) era um elemento crucial nessas leituras. Às vezes, sozinho, eu as lia em minha cama, enrolado em um lençol, usando apenas a luz de uma lanterna. O medo, ali também, se desdobrava. Nessas situações tensas, e obscuras, tive meus primeiros contatos com a verdade. Nada mais verdadeiro do que um conto de fadas, que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e mais indomáveis. Acessa e agita nossas fundações.
Prossigo na leitura de Joseph Joubert: "A sabedoria é constante, mas móvel". Logo depois, esbarro em outro pensamento que completa o anterior: "Fumaça. Tudo o que está vivo a tem". Suas ideias me levam a pensar em meu mestre de sempre, Juan José Saer, para quem a ficção não anula a verdade, ao contrário, ela a expande. Por isso entristece tanto acompanhar o domínio de uma literatura de pragmatismo e de repetição, uma "literatura de resultados", que não se arrisca e tampouco conduz seus leitores a zonas de risco que o obriguem a alargar seu pensamento. A literatura é um instrumento de dilatação do real. Ela promove a propagação de novas perspectivas, novos olhares e novos sentimentos. Em vez de anular os que já conhecemos, ela os expande. Em vez de apagar o real, ela o torna mais vivo e mais nítido.
A verdade não é sólida, e una, mas maleável e multifacetada. É o resultado do confronto entre uma série variada de perspectivas que se atraem, se repelem, se englobam, se anulam, se chocam. É uma espécie de jogo _ jogo sem fim e sem vencedores, que nos propõe exclusivamente soluções parciais. Isso _ o parcial, o refratário, o insubmisso _ os poetas conhecem muito bem. A começar, porque sua matéria de trabalho, a imaginação, não provém dos planejamentos estatísticos e das planilhas industriais, mas dos impulsos interiores e dos afetos. Diz Joubert um pouco mais à frente: "O medo nutre a imaginação".
Todos devem recordar de seu contato pessoal com as primeiras histórias infantis. No meu caso, com os contos de fadas. Eu as ouvia à noite, à meia-luz, encoberto por sombras, e tudo isso as potencializava e engrandecia. O medo (Joubert) era um elemento crucial nessas leituras. Às vezes, sozinho, eu as lia em minha cama, enrolado em um lençol, usando apenas a luz de uma lanterna. O medo, ali também, se desdobrava. Nessas situações tensas, e obscuras, tive meus primeiros contatos com a verdade. Nada mais verdadeiro do que um conto de fadas, que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e mais indomáveis. Acessa e agita nossas fundações.
Prossigo na leitura de Joseph Joubert: "A sabedoria é constante, mas móvel". Logo depois, esbarro em outro pensamento que completa o anterior: "Fumaça. Tudo o que está vivo a tem". Suas ideias me levam a pensar em meu mestre de sempre, Juan José Saer, para quem a ficção não anula a verdade, ao contrário, ela a expande. Por isso entristece tanto acompanhar o domínio de uma literatura de pragmatismo e de repetição, uma "literatura de resultados", que não se arrisca e tampouco conduz seus leitores a zonas de risco que o obriguem a alargar seu pensamento. A literatura é um instrumento de dilatação do real. Ela promove a propagação de novas perspectivas, novos olhares e novos sentimentos. Em vez de anular os que já conhecemos, ela os expande. Em vez de apagar o real, ela o torna mais vivo e mais nítido.
Também a passagem do tempo não
enfraquece, ao contrário, fortalece a grande
ficção _ e incluo aqui a poesia nos limites inacessíveis da ficção. Busco meu
mestre Saer que, em seus "Trabalhos", e falando do
"Quixote", lembra que, desde sua publicação a influência do romance
de Miguel de Cervantes só fez se alargar e ele se tornou, a cada século, um
livro ainda maior. "Os maiores nomes da criação literária posteriores a Cervantes
se declaram devedores desse texto inesgotável". Para Saer, o escritor
espanhol afirma, com seu grande livro, o valor do fracasso _ o que derruba e
relativiza toda a tradição da epopeia. Só o fracasso nos abre novas
possibilidades de vencer _ ainda que fragilmente, ainda que parcialmente.
A verdade que a poesia e a ficção promovem é, assim, uma verdade comprometida e sustentada pela própria ideia do fracasso. Uma verdade que não se fecha _ como uma ferida aberta _ e que está sempre a se buscar. Uma verdade insuficiente, e só por isso continuamos a ler e a ler, indefinidamente. Tudo isso afeta positivamente nossas vidas. Tornamo-nos menos rígidos. Aprendemos a conviver com as incertezas e com nossa própria ignorância. Tornamo-nos mais humanos.
A verdade que a poesia e a ficção promovem é, assim, uma verdade comprometida e sustentada pela própria ideia do fracasso. Uma verdade que não se fecha _ como uma ferida aberta _ e que está sempre a se buscar. Uma verdade insuficiente, e só por isso continuamos a ler e a ler, indefinidamente. Tudo isso afeta positivamente nossas vidas. Tornamo-nos menos rígidos. Aprendemos a conviver com as incertezas e com nossa própria ignorância. Tornamo-nos mais humanos.
JOSÉ
CASTELLO
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