Amor, o interminável aprendizado
Criança,
ele pensava: amor, coisa que os adultos sabem.
Via-os
aos pares namorando nos portões enluarados se entrebuscando numa aflição feliz
de mãos na folhagem das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da sala
ante a família, ante as mobílias; via-os casados, um ancorado no corpo do outro,
e pensava: amor, coisa-para-depois, um
depois-adulto-aprendizado.
Se
enganava porque o aprendizado do amor não tem começo nem é privilégio aos
adultos reservado. Sim, o amor é um interminável
aprendizado.
Por
isto se enganava enquanto olhava com os colegas, de dentro dos arbustos do
jardim, os casais que nos portões se amavam. Sim, se pesquisavam numa prospecção
de veios e grutas, num desdobramento de noturnos mapas seguindo o astrolábio dos
luares, mas nem por isto se encontravam. E quando algum amante desaparecia ou se
afastava, não era porque estava saciado. Isto aprenderia depois. É que fora
buscar outro amor, a busca recomeçara, pois a fome de amor não sacia nunca, como
ali já não se saciara.
De
fato, reparando nos vizinhos, podia observar. Mesmo os casados, atrás da
aparente tranquilidade, continuavam inquietos. Alguns eram mais indiscretos. A
vizinha casada deu para namorar. Aquele que era um crente fiel, sempre na
igreja, um dia jogou tudo para cima e amigou-se com uma jovem. E a mulher que
morava em frente da farmácia, tão doméstica e feliz, de repente fugiu com um
boêmio, largando marido e filhos.
Então,
constatou, de novo se enganara. Os adultos, mesmo os casados, embora pareçam um
porto onde as naus já atracaram, os adultos, mesmo os casados, que parecem
arbustos cujas raízes já se entrançaram, eles também não sabem, estão no meio da
viagem, e só eles sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes
naufragaram.
Depois
de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos tentando o amor verbalizar,
entrou numa biblioteca. Ali estavam as grandes paixões. Os poetas e novelistas
deveriam saber das coisas. Julietas se debruçavam apunhaladas sobre o corpo
morto dos Romeus. Tristãos e Isoldas tomavam o filtro do amor e ficavam
condenados à traição daqueles que mais amavam e sem poderem realizar o
amor.
O
amor se procurava. E se encontrando, desesperava, se afastava,
desencontrava.
Então,
pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.
O
desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que,
de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a
perna de uma maneira irresistivelmente feminina.
Já
a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval.
Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos,
fatal.
O
amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte
final.
Mas
reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes
não.
Amor
às vezes coincide com o desejo, às vezes não.
Amor
às vezes coincide com o casamento, às vezes não.
E
mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes
não.
Absurdo.
Como
pode o amor não coincidir consigo mesmo?
Adolescente
amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice,
como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinquenta e outro dos
oitenta? Coisa de demente.
Não
era só a estória e as estórias do seu amor. Na história universal do amor,
amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de
antigamente.
Estava
sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo
ensimesmado.
Não
havia jeito. O amor era o mesmo e sempre
diferenciado.
O
amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o
aprendizado.
Optou
por aceitar a sua ignorância.
Em
matéria de amor, escolar, era um repetente
conformado.
E
na escola do amor declarou-se eternamente
matriculado.
(Affonso Romano de Sant´Anna, in “Porta de colégio e
outras crônicas")
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