O Twitter é mais do que a marca de uma ferramenta atualíssima da era digital,
é mais do que o microblog em que milhões de pessoas se divertem, é mais do que
uma rede social em que informações são partilhadas. Ele é também a expressão
estrangeira que migra da vida digital para a vida não digital (como deletar,
start e e-mail) e que, como palavra-brinquedo, é usado para enfeitar ou
facilitar a fala quando se trata de não despender muito esforço de expressão.
Palavrinhas substitutivas, tão bem-vindas como estrangeirismos, sejam eles
turistas ou exilados em nossa pátria, obrigam a pensar uma economia política da
língua, ou seja, a questão da produção da linguagem, do valor que damos ao que
dizemos, e do poder objetivo do discurso no tempo da expressão colonizada.
Proponho, nesta linha, traduzir o texto do Twitter, feito linguístico de 140
caracteres, pela palavra “piada”. Se é correto traduzir Twitter por “piador”, e
se é possível dizer que, cada vez que um pássaro pia, temos dele uma “piada”,
eis que se mostra o conceito-imagem claro do Twitter: ele é o espaço ideal do
dito engraçado ou espirituoso. É esse dito que vale como graça, como palavra
final, ou como grande iluminação que faz sucesso entre os usuários da
plataforma. Piada é também o chiste. Chiste, por sua vez, é palavra que, assim
como Twitter, tem origem onomatopeica. Piada, no entanto, também pode ser o
estertor sem sentido, o chiado no corpo dos animais que anuncia doença ou morte.
Mas até aí nada demais, pois uma piada, para sê-lo, não precisa necessariamente
ter graça. A questão, no entanto, ainda é outra.
O Twitter radicaliza a natureza babélica da língua, o que nela é balbuciante
e inarticulado. O uso de onomatopeias e abreviações nos textos de seus usuários
é prova da experiência pré-articulada com a linguagem. Se a fala articulada é o
cerne de toda relação e o que lhe dá base política, não fica difícil imaginar
que o Twitter privilegia algo como uma antipolítica. Responder hoje à pergunta
“o que está acontecendo?” não diz respeito ao que penso, nem ao modo como
interpreto o mundo, mas deve reduzir-se ao que eu mesmo experimento no aqui e
agora dos fatos. A ação é reduzida à narrativa protocolada em 140 caracteres. É,
portanto, transformada em slogan.
No entanto, posso dizer que um slogan é política? Apenas naquele sentido
afirmado por Antonin Artaud de que a propaganda é a prostituição da ação.
Política vendida, ou prostituída seja a que preço for, eis o que temos ali como
potência protocolada. O Twitter mostra assim sua alma publicitária diante da
qual o diálogo como forma básica da relação verdadeiramente política é
impossível.
Um cofrinho na economia política da fala
A tecnologia tem como efeito existencial a amputação do tempo de nossa
experiência. Em nossa cultura digital, a velocidade é proporcional ao
encurtamento do tempo que era experimentado antes nas trocas orais. A humana
necessidade de conversação não é nada diante da administração discursiva da qual
fazemos parte. O tempo da oralidade é justamente o que, podendo ser cortado sob
a alegação de improdutividade, não fará falta na economia política da fala. Ao
reduzir a potência da narrativa a 140 toques (considerando espaços entre
palavras), o que o Twitter providencia é a imersão em um suposto tempo
presente.
A restritividade da linguagem devém da experiência com o tempo, esse deus
morto a pauladas em nossos dias. No Twitter a restrição é protocolarmente
administrada por sua própria reprodutividade em um toque final que, ao mesmo
tempo que mudo, é também o mais falante: “send”. Esse toque de número 141 não é
computado pelo sistema, ele representa seu lucro, a prova de que é o sistema
quem ri por último. Ponto final na piada pronta a que é reduzida a liberdade de
expressão, ao mesmo tempo incompreensível para usuários ingênuos.
Nesse contexto, podemos falar do caráter de avareza do Twitter. Ele é
contenção da expressão e da comunicação, cujo efeito é a histeria ansiosa que
surge como escape pela expectativa dos sujeitos do Twitter, os twitteiros, pelo
número de followers, retwitters, lists. Na lógica do lucro reduzido à linguagem,
tudo é contado como num cofrinho em que cada letra-moedinha é guardada como um
ponto no desejo de reconhecimento que sustenta as comunidades da internet.
Economizar palavras é o jeito de inscrever-se na ordem simbólica desta
comunidade espectral em que dizeres não valem nada no grande varal pan-óptico
das frases feitas. O preço da entrada em espaço tão exíguo é pago com a
expressão extirpada sob a alegação da síntese partilhada. O troco é devolvido em
histeria por mais “seguidores”, discípulos do esvaziamento do vivido diante do
modo de expressá-lo.
O Twitter é a forma ideal do nexo entre capital e discurso e, na banalidade
do cotidiano, moedinha acessível para vastos grupos que já dominam aparelhos
tecnológicos na efetivação de uma era democrática digital. Discurso é, por sua
vez, a forma própria do poder que, desde que temos notícia, define tanto formas
de governo quanto as mais micrológicas relações humanas. A base do poder
discursivo é biopolítica, pois o poder do discurso vem de uma determinada
articulação da voz que, como corpo que é sob a aparência de espírito, penetra
outros corpos indo reverberar neles como verdade espiritual. O que ouço é sempre
incorporado e transformado na alquimia oculta deste espaço existencial chamado
corpo. Corpo, no entanto, é aquilo que se perde ou se joga fora nestes tempos
digitais em que a ponta dos dedos projeta o mundo. Para os mais otimistas,
contudo, a ponta dos dedos pode “cutucar” o sistema com frases
perturbadoras.
Será possível escrever poesia depois do Twitter?
O Twitter representa o uso constrangido da linguagem elevado a regra. É a
lírica da “piada”. Pode soar divertido para quem não se importa com o
parnasianismo do padrão, para quem sente prazer, por outro lado, com o
romantismo dos fragmentos, mas pode parecer, para quem pensa na potência
revolucionária da linguagem, um mero brete. Cheirando a regras de versificação
mesmo que faltem os versos, a estrutura fixa em 140 caracteres sugere um
formalismo de metrificação rigorosa. Passar à percepção do caráter sacro da
forma não é exagero diante da interdição de um “toque a mais” com o qual não é
possível acionar o mágico “send” que permite a visualização das mensagens.
Impede-se, assim, a desmedida, a errância que a poesia sempre potencializou como
terra de palmeiras onde canta o sabiá e que a internet como campo – e como lugar
de exílio em relação à vida – de exercício político veio substituir.
O Twitter parece, como estrutura formal, oferecer o veneno-remédio para o
exercício da expressão: limitando-a, ele acaba por permiti-la, mas permitindo-a
conclui por impedi-la. Enovela, assim, a sua ação num paradoxo. Desse modo, o
Twitter mostra poesia estranha, como uma espécie de lírica do banal, ou a
antilírica totalmente desejada pelos “seguidores”. Os pássaros que gorjeiam no
Twitter não têm a mesma chance em nenhum outro lugar da internet. O Twitter é,
assim, mais que o tempo-espaço da banalidade do poético, a própria poética da
banalidade. Lírica do banal, ele promete a expressão de uma subjetividade
apagada pela forma. Haverá ali a esperança de que um dia, para além do espectro
do grupo, estejamos finalmente juntos? Mas quem pensa que líricos do vazio
querem encontro se engana. A prática que sustenta o Twitter é a garantia da
avareza do dizer como um prazer, característica básica de uma cultura cujo
desejo de voz e, portanto, de poder foi colonizado.
O cinismo é inevitável na noção de política que surge nesta rede de relações:
não partilhamos grandes direitos, mas pelo menos temos alguma coisa em comum:
140 toques. Twitteiros, somos todos Severinos. A poesia como metáfora da
esperança de uma vida boa e justa não cabe no Twitter, “cova medida”, ao mesmo
tempo que é a “parte que querias ver dividida”. Alerta sobre o espaço que cabe a
cada um no infinito latifúndio da internet.
Marcia Tiburi
Publicado orginalmente na Revista Cult
Nenhum comentário:
Postar um comentário