O abandono da educação brasileira é uma das questões sociais mais graves que
experimentamos hoje em dia. Pouco podemos fazer enquanto governos projetam seu
ódio contra o povo também por meio da educação: contra os jovens, as crianças e
o futuro. Os resultados históricos são previsíveis num país que já vive em seu
tempo presente os efeitos do desprezo pela educação que nasceu no passado
ditatorial brasileiro. Que a ditadura tenha sido introjetada por tanta gente e
seja hoje uma constante cultural exige nossa atenção mais delicada.
No meio desse quadro triste, em que a profissão de ensinar, em que a
experiência da aprendizagem e da formação são mortas diariamente às pauladas,
surgem no entanto, luminosidades que nos alegram. A alegria é um ápice de
esperança, aquela que a gente sente quando alguma coisa faz sentido e melhora o
mundo onde vivemos.
Uma dessas alegrias é o livro “A Caixa de Perguntas, desafio vivo em
sala de aula” (Ed. Libretos, 2013, 148 p.) de Elenilton Neukamp,
professor da rede pública de ensino de Porto Alegre, mestre em educação pela
UFRGS e autor de outros dois livros. A única coisa de que me orgulho na vida é
dos meus alunos e fico muito feliz em dizer que Elenilton passou pela minha sala
de aula sempre trazendo lindas questões, lindos textos. Dessas pessoas
inesquecíveis que a gente agradece a sorte de ter encontrado.
O livro é um relato de experiência pedagógica com filosofia. Como a
disciplina de filosofia é ainda muito recente no ensino fundamental e médio
dificuldades fazem parte da coisa mesma: Como ensinar filosofia? O quê ensinar?
Como chamar a atenção dos alunos para a experiência do pensamento? Como ajudar
os garotos a se interessarem pelos conteúdos do conhecimento, de ética, de
estética? Não há professor de filosofia que não se coloque estas questões quando
tem diante de si crianças e jovens num contexto de crise geral – política e
cultural – da educação. O professor de filosofia sabe que sua aula precisa da
alegria do pensamento, a força revolucionária que faz pensar, logo, a aula tem
que ser uma “boa” aula. A aula de filosofia é sempre um momento muito especial
porque é sempre uma aula sobre o cerne da experiência da vida que mora nos atos
de pensar, sentir, discernir e compreender. Toda aula de filosofia transita
nesse quadrado mágico feito da básica matéria do ato esclarecido a que damos o
nome de filosofia.
Elenilton inventou um método para trabalhar com esse universo. Só que ele
pretendia uma aula muito democrática na qual todos tivessem, de algum modo, voz.
Uma aula em que o comprometimento e o engajamento eram a aposta a pagar. Assim,
ele inventou a caixa para que todos pudessem perguntar o que quisessem, do modo
como quisessem. A caixinha, em princípio usada em uma turma, ficou famosa na
escola e Elenilton foi convocado a usá-la até com as turmas de adultos nas quais
também leciona.
Sem identificação, sem nomes de pessoas e sem ofensas pessoais, as perguntas
criaram vida própria: a vida das ideias das quais vive uma aula de
filosofia.
A partir daí o livro “A caixa de perguntas” conta sua própria história. Um
capítulo impressionante traz uma lista das próprias perguntas que vão desde
questões sobre sexualidade até perguntas sobre Deus. O modo como os estudantes
as redigem, são um caso a parte que, sinceramente, só lendo pra ver. Mas dou
aqui 3 exemplos da diversidade que pode surgir no uso de um método como
este:
- Por que Deus quis “inventar”o mundo?
- Por que a maioria dos profes são chatos?
- Ter os dentes tortos influencia na hora do beijo?
Recomendo o livro a todos os professores de filosofia de todas as etapas
escolares. Mas também sugiro a leitura às pessoas em geral, independentemente de
suas idades e profissões. A carência de pensamento entre nós está fundada em um
vasto complexo social e cultural, mas tem ligação direta com o medo de pensar,
devido à sua proibição (muitas vezes surgida nas próprias faculdades de
filosofia em que professores são controladores do que se pode ou não dizer). É
este medo/proibição que produz a vergonha de pensar e de falar. Esta vergonha
que a aula de filosofia pode ajudar a mudar, porque a aula de filosofia é o
lugar onde se aprende a falar e, sobretudo, a ouvir.
A Caixa de Perguntas é um presente nesta época em que a sala de aula é um
verdadeiro tédio para a maioria dos alunos. Mas também para muitos professores
que se sentem perdidos diante do que fazer com crianças e jovens que trazem da
cultura e da família aquele desprezo pela educação que, infelizmente, em nosso
precário cenário, ainda precisamos como professores e cidadãos combater todos os
dias.
No quadro da miséria material e espiritual oferecida pelos governos e pelo
capitalismo que transformam a educação em problema bancário, a “Caixa de
Perguntas” é a generosidade que combate a avareza, a alegria de pensar que
combate a ignorância.
Só posso desejar boa leitura.
Só posso desejar boa leitura.
Marcia Tiburi
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