Tinha 30 anos quando decidiu: a
partir de hoje nunca mais lavarei a cabeça. Passou o pente devagar nos cabelos,
pela última vez molhados. E começou a construir sua maturidade.
Tinha 50, e o marido já não pedia, os
filhos haviam deixado de suplicar. Asseada, limpa, perfumada, só a cabeça
preservada, intacta com seus humores, seus humanos óleos. Nem jamais se deixou
tentar por penteados novos ou anúncios de xampu. Preso na nuca, o cabelo
crescia quase intocado, sem que nada além do volume do coque acusasse o
constante brotar.
Aos 80, a velhice a deixou entregue a
uma enfermeira. A qual, a bem da higiene, levou-a um dia para debaixo do
chuveiro, abrindo o jato sobre a cabeça branca.
E tudo o que ela mais havia temido
aconteceu.
Levadas pela água, escorrendo
liquefeitas ao longo dos fios para perderem-se no ralo sem que nada pudesse
retê-las, lá se foram, uma a uma, as suas lembranças.
Marina Colasanti
(Do livro Contos de Amor Rasgados)
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