terça-feira, 27 de maio de 2014

A lei da palmada

Sou pai de primeira viagem. Tenho um filho de oito anos, de modo que ainda estou, de certa forma, debutando no exercício de ser pai. De outro norte, se me falta experiência como pai, sobra-me o histórico de ser filho.
 
A prima facie, compreendo que educar não é tarefa das mais fáceis e envolve uma série de fatores convergentes, alguns de cunho subjetivo, emocional e até histórico. Não me filio a corrente de que a educação ou os métodos educacionais se enquadram em receitas prontas, em forma geométrica pré-definida ou em tipificações legais impostas pelo Estado, cujo resultado me sugere duvidoso.
 
Embora me sinta tentado, reservo-me aqui em não adentrar propriamente nas nuances técnicas da “Lei da Palmada”, atualmente também batizada de “Lei menino Bernardo”, e seus aspectos jurídicos mais profundos para ater-me a questões que a circundam. Por exemplo, o projeto de lei já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, na prática, como se dará a sua efetividade normativa? Será que o preciosismo jurídico não resultará tão somente na elaboração de mais uma lei dentro do universo sobejamente já entulhado e empilhado de normas?
A proposta de lei proíbe pais e responsáveis legais por crianças e adolescentes de baterem nos menores de 18 anos. Aprovada em caráter terminativo, seguirá diretamente para análise pelo Senado, sem necessidade de votação no plenário da Câmara.
 
Em seu texto, foi incluída a vedação a qualquer “ação de natureza disciplinar com uso da força física que resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou adolescente”.
 
Custa-me crer que uma criança saia de sua casa em busca de uma delegacia de polícia para denunciar um puxão de orelha ou um tapa na bunda que sofreu de seus próprios pais por ter se recusado a tomar banho ou fazer a tarefa da escola. E mesmo que isso aconteça, vai lá a autoridade policial autuar em flagrante os pais ? O Poder Judiciário vai condená-los e tirar-lhe o poder familiar  para colocar o filho “agredido” numa casa de apoio ? O Estado encaminhará os pais para um curso de orientação ou atendimento psicológico e psiquiátrico? Sinceramente, creio que não.
A lei a ser aprovada prevê o “direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel e degradante.” Ora, tratamento cruel e degradante já é crime considerado e punido por legislação pretérita.  Até aqui estamos chovendo no molhado.  Resta-nos então os “castigos”.
Mas afinal, de que “castigos” estamos falando? historicamente, e fruto de um condicionante educacional, se sabe que os corretivos (palmadas, beliscões...) vêm, ao longo dos anos, diminuindo de geração para geração seja na família e até mesmo na escola, com a aposentadoria da palmatória. E nesse particular, eu mesmo posso dizer que fui muito mais corrigido do que corrigi, sem, no entanto, trazer ou transmitir qualquer trauma do velho cipó de fedegoso de D. Mariinha que me mostrou, com maestria, o caminho do bem.
Contudo, há de se dizer que se os “corretivos” de pai para filho vêm diminuindo, o mesmo não vem acontecendo com a escalada de violência incrustada na nossa sociedade em todas as classes sociais. Diariamente assistimos uma geração de “sem limites” transgredir em casa, no trânsito, na família, na escola, na rua.
Obviamente, que fique claro que não defendo a prática de desmedida violência contra crianças, e, repita-se, isso já é crime punível pelo Código Penal brasileiro. Entretanto, considero extravagante e desproporcional uma lei que tenha por escopo subtrair da família o direito subjetivo de escolher como melhor educar seus filhos.
O que se vê é que na sociedade moderna já há uma clara indefinição dos pais quanto a estabelecer diretrizes, deveres, obrigações e limites aos filhos num mundo cada vez mais midiático e sem freios que entra em nossos lares sem pedir licença pela TV e Internet, dentre outros tantos meios de comunicação. Essa falta de referência familiar vem se refletindo em violência na rua e na escola, no desrespeito aos professores, vitimas imediatas desse aparente descontrole.
Por outro lado, falta ao Estado o aparato necessário para dar suporte às ações pretendidas pela nova lei. Se, até hoje, não tem o Poder Público condições estruturais de promover às medidas necessárias a recuperação e ressocialização de agentes delituosos mais graves, obviamente que, igualmente, não cumprirá efetivamente com a observância das medidas mais simples, sejam educativas, corretivas ou ideológicas abraçadas pela “Lei da Palmada”.   
Educar os filhos é algo que passa pela subjetividade dos pais no estabelecimento do respeito e dos limites e até da cultura das famílias. São aspectos que variam muito, de região para região, de uma família para outra e não há um catálogo ou um ranking a ser seguido ou perseguido pelos pais ou responsáveis.
Cabe à família sopesar de forma respeitosa e proporcional suas ações enquanto célula formadora da sociedade, e não me parece apropriado que o legislador insira a possibilidade de basilamento e de incriminação dos pais, punindo-os com o rigor da lei, em suas tentativas de melhor “aprumar” seus filhos.
A propósito, outro dia, lendo um livro de um renomado pediatra paulista, já falecido, e que infelizmente agora não me surge o nome, chamou-me a atenção a frase por ele utilizada para defender a subjetividade da família em encontrar seus caminhos e sua forma de educar os filhos, dizia ele em tom quase profético – “não é a toa que a mão e côncava e o bumbum é convexo”.
De tudo, o que dessume-se, é que o projeto é fruto da cabeça pensante de nossos representantes legislativos. Deputados e Senadores “traquinos”, que ao meu sentir, a despeito de suas ações com a coisa pública, em sua maioria, não foram muito bem educados quando criança.
A “Lei menino Bernardo”, a meu juízo, é mais uma norma  que nasce morta. Merecedora de urgentes corretivos, nem que seja alguns puxões de orelha.
Teófilo Júnior


Nenhum comentário: