Conheço pessoas que, por motivação política, estão entre os 46% contrários à Copa, segundo uma pesquisa (49% a favor). Elas acreditam que assim vão ajudar a derrotar Dilma e o PT nas próximas eleições, mas isso talvez seja um equívoco.
Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, mostrou aqui neste espaço há tempos que a relação entre futebol e governo obedece a uma lógica mais complexa. Em 1998, o Brasil perdeu, e FH se reelegeu no primeiro turno. Em 2002, a seleção ganhou e o mesmo presidente não fez o sucessor. Em 2006, foi a vez da Itália, e Lula se reelegeu.
Em 2010, perdemos para a Espanha e isso não impediu que Lula elegesse Dilma. Com a Copa aqui, pode ser que seja diferente. Mas é possível também que esses eleitores, alguns à direita, estejam cometendo o mesmo engano que parte da esquerda cometeu em 1970, quando recomendava torcer contra a nossa seleção.
Eram os tempos de Médici, de censura e tortura, quando a oposição era submetida a rigoroso controle, e qualquer crítica significava um ato impatriótico: “Ame-o ou deixe-o.”
O uso do futebol como propaganda da ditadura chegou ao ponto de levar o general-presidente a interferir na escolha dos craques, exigindo a escalação de Dadá Maravilha e provocando a demissão do técnico João Saldanha ou “João sem medo”, que teria reagido assim: “Eu não escalo o seu Ministério, e o senhor não vai escalar meu time.”
Portanto, havia razões de sobra para a má vontade e até hostilidade. Mesmo assim, não era tarefa fácil. Um preso político contava que ele e seus companheiros de cela torciam contra até começar o jogo. “Aí ninguém mais resistia. A cada lance que o radinho de pilha narrava, todos passavam a gritar Brasil!”
A desorganização de agora é um prato para os protestos, mas tem gente usando a Copa como pretexto para fazer política. Ronaldo Fenômeno é um deles, ao engrossar o coro dos contestadores. Membro do Comitê Organizador Local, ele acaba de se dizer “envergonhado” pelos atrasos nos trabalhos, cuja execução, porém, é também da responsabilidade de seu comitê.
Na verdade, ele está tirando o corpo fora e trocando de camisa porque vai apoiar a candidatura do amigo Aécio Neves à Presidência, “uma ótima opção para mudar o país”, como declarou.
É evidente que o governo de Dilma, pra variar, fez trapalhada, e os gastos foram excessivos num país em que a saúde e a educação estão em situação precária. Mas, depois de feitos, não é cancelando o evento que a conta deixaria de ser paga.
Como disse cinicamente Joana Havelange, também do Comitê Organizador, “o que tinha que ser roubado já foi”. Ficar contra é assim um gesto inútil, até porque vão ocorrer manifestações e falhas na segurança, como no teste de anteontem, mas quando a bola rolar é muito provável que todo mundo vá torcer a favor, não da Copa, mas da seleção.
Zuenir Ventura é jornalista.
O Globo
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