Cada vez que uma célula se divide, os telômeros
ficam mais curtos - a proposta do novo exame é analisar o encurtamento dessas
estruturas e apontar o nível de envelhecimento do paciente
Está disponível no Brasil um teste genético que
promete indicar se a pessoa está envelhecendo mais rápido do que o esperado para
a sua idade e, como consequência, pode estar mais vulnerável a doenças como
diabetes e câncer. Feito a partir de uma coleta simples de sangue, o teste
avalia o encurtamento dos telômeros, sequências repetitivas de DNA que existem
nas extremidades de todos os cromossomos humanos. Sempre que uma célula se
divide, eles ficam menores.
O estudo dos telômeros é uma área promissora para
a medicina. O tema rendeu até o Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2009 aos
biólogos norte-americanos Carol Greider, Elizabeth Blackburn e Jack Szostak.
Blackburn, que é professora da Universidade da Califórnia, acredita que a
medição dessas estruturas ajuda a intervir precocemente em doenças e até
cofundou uma empresa que oferece esse tipo de exame. Mas especialistas são
céticos sobre qual a validade, na prática, desse tipo de diagnóstico hoje em
dia.
"Até o momento, o exame é usado basicamente para
apontar o nível de envelhecimento e casos de doenças cardíacas, diabetes e
alguns tipos de câncer. Porém, está em estudo sua eficiência para outros males
como depressão e estresse pós-traumático", diz a hematologista Regina Biasoli
Kiyota, coordenadora de Análises Clínicas do Alta Excelência Diagnóstica, que
trouxe o teste para o Brasil.
Com a função de proteger e separar os
cromossomos, os telômeros são semelhantes à capa plástica na ponta dos cadarços
de sapato, que impedem que ele desfie, estrague e perca sua função. Em cada
célula humana existem 23 pares de cromossomos e, portanto, 92 telômeros (um em
cada extremidade de 46 cromossomos).
O fato de os telômeros ficarem mais
curtos a cada divisão celular faz parte do ciclo natural da vida, mas também
está relacionado aos hábitos adotados durante os anos. Sabendo que essas
estruturas estão menores do que é considerado normal para sua idade, uma pessoa
pode adotar mudanças no estilo de vida, como fazer mais exercícios e evitar a
obesidade, e evitar doenças associadas ao envelhecimento.
Como é feito
O teste para medição dos telômeros só é feito com
pedido médico. Ele pode ser requisitado por especialistas das áreas de
geriatria, nutrologia, endocrinologia e dermatologia, entre outras. Kyiota
explica que, a partir do sangue, é extraída a célula, um glóbulo branco, para
estudo do cromossomo e, então, é possível analisar a extensão dos telômeros por
uma metodologia de alta sensibilidade.
Com o exame, o paciente recebe uma pontuação,
representada no laudo de forma gráfica. De acordo com a hematologista, o índice
de telômeros de um paciente é comparado ao índice médio de uma população da
mesma faixa etária. Se a medição estiver abaixo da média, o profissional pode
pedir exames complementares ou sugerir algumas mudanças no estilo de vida da
pessoa.
"Se o resultado de uma pessoa considerada jovem
der por volta de 30% a 40%, trata-se de um sinal de que algo não vai bem. O
médico interpretará o teste e, a partir do resultado, virão os outros exames
para encontrar qual o problema desse paciente. Para isso, é necessário ter todo
o histórico dessa pessoa", explica.
Segundo a especialista, com o
resultado, além das características genéticas, é possível descobrir se o
paciente está fazendo as escolhas corretas. "Não há reversão no quadro, ou seja,
os telômeros que estavam encurtados, não vão voltar ao tamanho anterior. O teste
serve como um freio de mão. Uma pessoa fumante que não consegue abandonar o
vício, ao comprovar que o fumo está realmente influenciando seu envelhecimento e
saúde, terá um motivo a mais para parar", exemplifica.
Kiyota também entende que, em alguns casos, será
interessante que o paciente comece a tomar vitaminas, mas sempre com
acompanhamento médico. "É algo muito delicado, pois suplementos em excesso podem
causar câncer", alerta.
Para quem é indicado
Kiyota conta que o exame é voltado ao público
adulto, pois a idade celular só é vista num organismo maduro. "Infelizmente,
nenhum convênio cobre o exame genético que, aliás, não é barato", diz ela. O
valor gira em torno dos R$ 2.100.
A médica admite que o teste não é para todo
mundo: "Se fosse algo aberto à população teria de ter muito critério. Será que
todas as pessoas estão preparadas para receber a notícia de que poderão ter uma
doença? Mesmo que seja uma estatística, não é algo determinista. Quando se pega
o resultado, dependendo dele, o médico, ou até mesmo um psicólogo, tem de
orientar o paciente".
Para ela, o exame seria mais indicado para
pessoas com alto risco de desenvolver doenças como diabetes, por ter casos na
família. Ou para pessoas com parentes que morreram de infarto ou insuficiência
cardíaca. E, acima de tudo, para indivíduos que estejam preparados para lidar
com a informação.
"Você pode, sim, estimar riscos, mas é preciso
maturidade do paciente para receber o diagnóstico e responsabilidade do médico
de interpretar o resultado para o paciente. É uma arma mais eficaz para que
aqueles que tenham histórico familiar não passem a vida com um fantasma. A
pessoa, então, pode se preparar. Porém, mesmo sem exame, ela não se exime de ter
cuidados como manter uma dieta saudável, por exemplo".
"A medicina está se transformando e com ela vem
junto uma era nova na genética. Muitos estudos com telômeros podem antecipar o
conhecimento de algumas doenças e seus riscos. Sua importância é abrir os
horizontes da medicina preventiva, o que será uma grande esperança", afirma.
Valor científico
Alguns especialistas procurados pelo UOL têm
dúvidas sobre a utilidade do teste. "Acredito que esse exame tenha mais valor
científico que comercial. Serão raridades os profissionais que conseguirão
interpretá-lo corretamente", afirma o geneticista Ciro Martinhago, diretor da
Chromosome Medicina Genômica e membro da equipe de genética do hospital Albert
Einstein.
Questionado, então, sobre qual o sentido em
fazê-lo, Martinhago responde: "Eu, como geneticista, não vejo motivo. Eu não
faria". Ele compara os telômeros a pneus de carro: você dirige muito, eles
gastam. Você pode ir uma vez por semana à borracharia. Já sua amiga vai apenas
uma vez ao mês.
"De uma forma geral, quanto mais se usa um pneu,
mais rápido ele vai envelhecer, mas não podemos esquecer a individualidade.
Pessoas são diferentes. Além disso, se você for ao médico ele vai sempre te
falar para diminuir o estresse, trabalhar menos, parar de fumar, enfim, esses
conselhos que serão os mesmos se o exame apontar que seus telômeros
encurtaram".
Ele diz, ainda, que mais importante que os
telômeros é a atividade da telomerase, que é a enzima responsável por preservar
os telômeros. "Só o tamanho do telômero não é importante. Esse tipo de teste
vale para apenas 1% da população quando falamos de envelhecimento e doenças,
isso porque ele não é um exame único. Existem muitos outros fatores que
trabalham associados aos telômeros".
Só doenças raras
O geneticista Caio Robledo Quaio, do Laboratório
Mendelics, em São Paulo, acrescenta que a telomerase pode ser um freio das
células. Se por um lado está relacionada ao envelhecimento celular, ela também é
importante arma contra processos que levam a uma proliferação celular
desordenada, como ocorre no câncer.
"Ao se dividirem, cada uma das nossas células
precisa realizar uma cópia completa do nosso genoma, que está compartimentado
nos cromossomos. As células que expressam a telomerase, como as células-tronco,
conseguem manter a integridade e o tamanho dos telômeros. Outras, que não a
expressam, como as da pele, perdem as pontas teloméricas progressivamente à
medida que se proliferam e entram num processo de envelhecimento e,
eventualmente, morte", afirma.
Para ele, o exame só se justifica no caso de
doenças raras decorrentes de falhas do mecanismo de reparo do DNA, como Síndrome
de Bloom, ou mesmo naquelas decorrentes de atividade reduzida da telomerase,
como na disqueratose congênita.
"Como exemplo, os telômeros dos homens são
geralmente maiores que os das mulheres, mas isto não resulta em maior
expectativa de vida para eles. Eu só indicaria o exame em casos específicos de
algumas doenças genéticas raras. Quando usado indiscriminadamente, pode ser mal
interpretado e causar mais malefício que benefício", opina.
Quaio comenta que, além disso, não há evidências
consistentes de que o tamanho dos telômeros tenha ligação com cognição,
expectativa de vida ou doenças comuns da população. "Estudos recentes derrubaram
esta teoria", diz.
Fonte: UOL
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