Nunca faltou quem defendesse uma liberdade
relativa, adjetivada, dividida em parcelas ou restrita a setores específicos da
sociedade. Poucos, no entanto, foram os que levaram a liberdade como
princípio, como uma decorrência natural da existência humana. “Em todos os
tempos sempre foram raros os verdadeiros amigos da liberdade.”, Dizia
Lord Acton na Inglaterra do século XIX. Agora, no Brasil de fevereiro de
2014, é assustador como a frase ainda ecoa com tanta força.
No Rio de Janeiro, um garoto de 15 anos foi
amarrado sem roupas a um poste em via pública e torturado por
cerca de 30 homens, tendo a orelha
cortada por seus agressores. Após ter sido levado a um hospital e medicado,
o garoto fugiu. Comentando a notícia, a colunista Rachel
Sheherazade, do SBT, se referiu ao garoto como “marginalzinho”,
dando a entender que a fuga do hospital se deu em função do medo de ser
encontrado pela polícia e preso por conta de sua ficha criminal “mais suja
que pau de galinheiro”.
As primeiras informações ainda não
identificavam a ficha criminal do garoto e é curioso que Sheherazade tenha feito
afirmações tão contundentes sobre isso, num momento em que provavelmente
desconhecia o próprio nome do rapaz. De fato, a imprensa identificou alguns
bandidos, réus confessos e detidos em flagrante: foram justamente os
torturadores cujos atos criminosos Rachel julga “compreensíveis” e
“legítimos”.
As insinuações dela quanto ao motivo da fuga do
garoto também pareceram não resistir a uma mínima apuração jornalística. Segundo
as reportagens, o rapaz fugiu assustado e foi imediatamente ao encontro da
diretora de um abrigo municipal, onde permaneceu teve sua localização
imediatamente revelada à polícia.
Como eu considero que fichas criminais não
justificam sessões de tortura coletiva, concedo a Rachel o gozo livre da fala
estúpida. Sei que o adolescente
tinha passagens pela polícia. Talvez ele até tenha cometido um crime tão
grave quanto aquele do qual foi vítima – ponto sobre o qual não há indícios.
Recuso-me, porém, a classificar como jornalista alguém que justifica e incentiva
a mutilação de um garoto de 15 anos sem sequer se dar ao trabalho de esclarecer
as informações que utiliza como desculpa para a barbárie.
Recuso-me, também, a chamar de
“justiceiros” os torturadores, ou dizer que eles fizeram “justiça com
as próprias mãos”. As duas expressões, usadas por toda a sorte de
palpiteiros sobre o caso, dão à palavra justiça uma definição bastante
controvertida. Afinal, o que há de justo em trinta homens adultos utilizando
facas e armas de fogo para aterrorizar um menino solitário amarrado pelo
pescoço?
Logo após a veiculação das imagens,
Sheherazade foi fortemente criticada pelo PSOL, que promete processá-la por
conta das suas opiniões. Não creio que a estupidez da comentarista possa
ser considerada um ato criminoso. Se for, sugiro que o PSOL também corte na
própria carne.
No mesmo dia em que Rachel apareceu no
jornal, o deputado Jean
Wyllys (PSOL-RJ) revoltou-se com o pedido de asilo político da cubana Ramona
Matos Rodriguez, chamando-a de desertora e ironizando o emprego do termo
“escravo”, comumente utilizado para se referir aos médicos cubanos que
trabalham em solo brasileiro.
Jean, que foi vencedor do reality show Big
Brother Brasil e é homossexual assumido, ganhou projeção nacional como deputado
por questões relacionadas ao público LGBT. Ele acredita que todo ser
humano deve ser livre para amar e se relacionar com quem bem queira – desde que
não seja uma relação de trabalho. Jean acha que Ramona não deve ser
livre para escolher onde trabalhar, nem para fugir de um regime autoritário que
perseguiu e assassinou homossexuais.
O PSOL agrega os termos “socialismo” e
“liberdade”. Mostra agora, mais uma vez, que quando precisa escolher
entre dois valores quase sempre incompatíveis elege como prioridade o seu
projeto político. Se em um momento ou outro o PSOL defende a liberdade, não o
faz porque goste, mas porque precise.
Ao comentar a tortura em via pública de um
garoto de quinze anos, Sheherazade se apegou a detalhes irrelevantes,
como a fuga do hospital, para justificar o autoritarismo. Ao comentar o
pedido de asilo de uma mulher farta de viver sob os desmandos de um genocida,
Jean Wyllys ironizou o acontecimento, apegando-se a detalhes
irrelevantes, como a participação do DEM no caso.
Para justificarem as suas opiniões bizarras,
Jean e Rachel usurpam palavras em um dicionário um tanto particular, torturando
a linguagem para defender absurdos que atentam contra os direitos humanos.
No dicionário de Jean Wyllys, os médicos cubanos não podem ser
chamados de escravos, ainda que escravidão seja a única palavra possível para
classificar um regime de trabalho em que o trabalhador não pode se demitir, é
vigiado por agentes de segurança e recebe um salário arbitrário definido
unilateralmente. No dicionário de Rachel Sheherazade, a barbárie
ganha o curioso nome de “legítima defesa coletiva”e torturadores viram
justiceiros.
Jean Wyllys e Rachel Sheherazade são duas
faces de uma mesma moeda. Em nome de seus preconceitos, projetos políticos e
valores discutíveis, Jean e Rachel redefinem o significado das palavras que lhes
interessam e destilam seu ranço autoritário da forma mais nojenta possível.
Rachel o faz em nome da ordem, Jean em nome da ideologia. A essência, porém, é a
mesma. E a liberdade, aquela liberdade da qual falou Lorde Acton, continua
tendo pouquíssimos amigos sinceros.
Por Pedro Menezes e Mano Ferreira
Fonte: Estudantes pela Liberdade
Nenhum comentário:
Postar um comentário