O Papa Francisco precisa de uma ajuda. Leiam seu livro “Sobre el cielo y la
tierra". (O e-book está à venda na Amazon americana por US$ 6,99, mas, por arte
de Asmodeu, está fora da loja eletrônica brasileira). Tem 215 páginas e saiu no
início do ano passado.
Trata-se de um longo diálogo com o rabino Abraham Skorka. Coisa
inteligentíssima. É impossível lê-lo e sair por aí repetindo rótulos tais como
“conservador”, ou “homem simples” porque anda de ônibus. A simplicidade do
cardeal Bergoglio vai muito além. Ele vê o catolicismo como algo despojado:
“Bispos e padres têm que sujar os pés de barro.” Uma das suas mais duras
críticas (depois das lambadas nos ladrões-milionários) vai para os meios de
comunicação que simplificam as agendas, tornando-as irrelevantes ou insolúveis:
“Desinformam.”
Até a noite de quarta feira o signatário não sabia quem era ele. No dia
seguinte, não encontrou um só bergogliólogo que mostrasse ter lido o livro de
Francisco. Ele é tudo, menos um clérigo conservador. (Segundo o fidedigno
jornalista Horácio Verbitsky, há 30 anos ele deu uma mãozinha à ditadura, numa
época em que a hierarquia católica estava casada com os generais. Bergoglio
admitiu que foram cometidos erros genéricos, mas não assumiu responsabilidade
pessoal.)
Pode ser conservador um cardeal que quer abrir os arquivos do Vaticano para
que se estude o Holocausto? Ele é contra o casamento de homossexuais e o aborto,
mas isso não é conservadorismo, é a doutrina da Igreja. Pílula? Astuciosamente
calado.
Em diversas ocasiões, critica a conduta da Igreja, seu regalismo e a
promiscuidade com afortunados que fingem fazer caridade. Propõe tolerância zero
para os pedófilos e chama o velho truque de transferi-los para outras paróquias
de “estupidez”.
O Papa Francisco é um jesuíta severo. Diz que senhoras emperiquitadas,
“vestidas ou desvestidas” em casamentos não vão às igrejas para um ato
religioso, mas para exibirem-se. Tabela de preços para cerimônias? “Isso é fazer
comércio com o culto.” Ao mesmo tempo, reconhece que casais morando juntos antes
do matrimônio são um “fato antropológico”.
Francisco tem um “alertômetro”. Evita dar a comunhão a notórios vigaristas e
jamais se deixa fotografar com eles.
O livro é muito melhor que este breve resumo. Quem lê-lo viverá umas boas
duas horas. Não pode ser conservadora (seja lá o que isso significa) uma pessoa
que diz o seguinte:
“O religioso às vezes chama atenção sobre certos pontos da vida privada ou
pública porque é o condutor da paróquia. Ele não tem direito de se meter na vida
privada dos outros. Se Deus, na Criação, correu o risco de nos tornar livres,
quem sou eu para me meter?”
Elio Gaspari é jornalista
O Globo
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