O conclave dos cardeais talvez seja o único lugar da Terra onde se guarda
segredo. Parece milagre conseguir evitar vazamentos de um evento que junta 115
pessoas, é assediado pela imprensa do mundo todo e não deixa escapar, antes da
hora, o que foi discutido secretamente.
Graças a isso, desmoralizou-se a capacidade de previsão dos vaticanistas,
jornalistas, analistas e bolsas de apostas, que não desconfiaram que o argentino
pudesse ser um forte candidato a suceder Hatzinger, de quem já fora o principal
opositor em 2005 (a exceção foi o repórter Gerson Camarotti, da Globo News, que
apontou Jorge Mario Bergoglio como papável, quando se apostava no italiano
Ângelo Scola e no brasileiro Odilo Scherer).
Eu não tinha a menor ideia de quem era o cardeal Bergoglio — eu e muita gente
importante. À medida que tomava conhecimento da biografia do novo Papa, ia me
entusiasmando. Como no Vaticano tudo, não apenas a fumaça, é símbolo, fui
aprendendo a interpretar os sinais.
A escolha do nome era uma evidente homenagem ao santo dos desvalidos, de quem
o novo Francisco reproduzia os hábitos simples. Andava de ônibus e metrô, fazia
sua própria comida e se condoía com a pobreza dos outros. A batina branca sem
adereço, aquele curvar-se na sacada pedindo aos fiéis que rezassem por ele, tudo
era signo de humildade.
É bem verdade que aqui e ali ficava-se sabendo de atitudes intolerantes em
relação a temas como aborto e casamento entre gays, mas os elogios ao conjunto
de sua obra social predominavam. Até que o passado bateu à porta e vieram à tona
pesadas acusações contra o arcebispo de Buenos Aires durante a ditadura militar,
quando ele teria colaborado com as arbitrariedades cometidas pelo regime.
Um advogado chegou a propor uma ação contra Bergoglio por omissão no
sequestro de dois padres jesuítas em 1976. Foi lembrado também que o jornalista
Horácio Verbitsky o acusara em livro de ter delatado como subversivos sacerdotes
adeptos da Teologia da Libertação.
O ex-arcebispo sempre negou as acusações, e ontem o porta-voz do Vaticano
alegou que nada ficou provado contra ele na Justiça e que se trata de uma
“campanha difamatória”. Parentes de vítimas, no entanto, ainda insistem nas
denúncias. Um deles disse à correspondente do GLOBO, Janaína Figueiredo, que ele
é “o representante de uma igreja que foi cúmplice da perseguição, sequestro e
assassinato de milhares de argentinos”. Outro chamou-o de “autor intelectual” de
crimes da repressão.
Apesar de tudo, a eleição do novo Papa foi em geral muito bem recebida, e é
provável que o futuro de Francisco seja menos polêmico que o passado de
Bergoglio.
Zuenir Ventura é jornalista
O Globo
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