Tenho observado que, na imprensa, nos livros, ou em simples conversações,
cada vez mais preferimos usar a palavra planeta para falar de onde nos
encontramos. Arrisco dizer que esse é um progresso objetivo na História da
Humanidade.
Universo é uma designação metafísica, envolve o que não sabemos. Mundo é
abstrato demais, pode representar tanto um vasto território, quanto o pequeno
espaço de nossa vida e de nossa imaginação. Planeta, não. Com planeta, não há
equívoco possível, é nessa palavra concreta que vivemos, agoniados com o que
acontece à nossa volta, sensíveis às suas circunstâncias, dentro dos limites
dela.
Como é mesmo difícil viver, em qualquer época que seja, temos sempre a
impressão de que estamos vivendo o pior momento da História da Humanidade no
planeta. É isso que gera a principal narrativa de conservadores e
progressistas.
Segundo Lévi- Strauss, para os conservadores a idade de ouro está num passado
cujo desaparecimento lamentamos melancolicamente. Para os progressistas, a idade
de ouro está no futuro, em nome do qual devemos fazer sacrifícios no presente.
Nenhum dos dois partidos se dá conta de que a idade de ouro é hoje, o tempo que
nos foi dado viver no planeta.
Shakespeare, que, ao lado de Dostoievski, Proust e Machado, escreveu quase
tudo que se precisa saber sobre a Humanidade, deve ter percebido esse equívoco.
Desconfio disso pela referência a “tempos difíceis” em várias peças passadas em
tão diferentes épocas e lugares — Falstaff reclama do tempo em que vive (“Que
tempos são esses?”), o Príncipe de Verona acusa o tempo presente pela tragédia
de Romeu e Julieta, Hamlet se atormenta com o “nosso tempo fora do eixo”.
Desprezo esse tipo de acusação contra o pobre do tempo indefeso. Mas existem
situações excepcionais em que ela se torna compreensível. Uma guerra, um
desastre natural, uma peste, um regime de opressão. Esse último nos justifica
dizer que, pelo menos para minha geração, os anos entre 1969 e 1974 foram os
piores da ditadura e portanto os piores de nossas vidas. Um tempo que eu
gostaria de não ter vivido.
Para vivermos um tempo como aquele, devemos estar preparados para enfrentar
ou conviver com o fato de que tudo em nossa vida estará impregnado pelo desastre
e pela tragédia que ele pode provocar.
Leia mais clicando aqui
Cacá Diegues é cineasta
Nenhum comentário:
Postar um comentário