sábado, 10 de abril de 2010

Uma possível resposta à questão do eterno retorno

Penso que Nietzsche formula a questão do eterno retorno com um objetivo retórico que, como foi dito no post anterior, tem a função de lançar o indivíduo em sua própria aventura ética. Como toda escolha, esta questão envolve a angústia da decisão. Duas alternativas muito claras se impõem: dizer não, dizer sim. Dizendo não, manifesto o meu ressentimento com a vida. Para Nietzsche o ressentimento é o pior dos afetos. Dizendo sim, afirmo o amor ao destino.

O próprio Nietzsche, no entanto, disse que havia um único motivo para ele não desejar o terno retorno: sua mãe e sua irmã. Não sabemos muito da mãe, mas a irmã era casada com um nazista e fez coisas muito feias com a obra do irmão.

Mas o eterno retorno, apesar da possibilidade da negação ou da afirmação da vida de um ponto de vista consciente, se dá na caverna escura do inconsciente como retorno do que foi recalcado, como um retorno do próprio sentimento. Eis que o ressentimento é o sentimento revivido, inapagado. O que significa que somos os alegres convivas ou as infelizes vítimas de nós mesmos. O que vivemos, o que damos e o que recebemos, o que plantamos, o que elaboramos e o que não elaboramos, tudo isso é simplesmente, a nossa própria herança, o tributo que rendemos, a dívida que pagamos, a culpa que expiamos, em relação sempre e unicamente a nós mesmos. O segredo da saúde mental seria, neste caso, o esquecimento, muito mais valioso para Nietzsche do que a memória.

Pra poder querer viver tudo de novo, talvez não seja necessário nenhum júbilo com a vida, nem mesmo um gosto masoquista pelo sofrimento, mas, como a mãe que pare o próximo filho porque “esqueceu” a dor do anterior, viver é fazer nascer de novo, com tudo de bom e de ruim que há de existir, porque a vida é dialética e, como tal, tensão. é verdade que há o rio de Heráclito no qual não nos banharemos duas vezes, ele é feito de águas revoltosas, mas mesmo que as águas sejam novas e orio não seja o mesmo, permenecem outros rios e precisaremos nos banhar em algum lugar. O contato com a água não termina tão cedo.

Pois é, mas e aí? Bom, se o demônio me aparecesse, eu provavelmente aceitaria o desafio – a vida novamente, a mesmíssima, milímetro por milímetro – por que o que valeu, valeu muito. Penso isso faz pouco tempo, sobretudo quando olho para minha filha. No fundo o que faz vc querer de novo é o seu potencial de amar alguém. Amar mesmo é que faz vc desejar as mesmíssimas águas mesmo quando o clima não está pra peixe.

(Quando o mar não tá pra peixe, eu aproveito pra desenhar umas borboletinhas.)

E, apesar de tudo, eis que a aventura da vida é a única que há de certa. Assim como a morte, a parte dela a que chamamos fim.

Assim, eu seguiria vivendo tudo de novo e esquecendo tudo de novo.

No entanto, partilho uma ajudinha que eu recebi um dia destes. Um amigo meu muito desconfiado deste “amor fati” (amor ao destino) alertando-me para a sorte do esquecimento me disse: “você deve esquecer tudo, só não deve esquecer o que você aprendeu”.

Acho que assim, quando tem que ser “tudo de novo”, talvez fique um pouco mais fácil se o aprendizado for validado no futuro.


Marcia Tiburi

2 comentários:

Jairo Alves disse...

Belíssimo texto!
É uma série de verdades que mantém a nossa força, a nossa carapuça infantil, muito além de um louvor mudo, como é a cópia da memória...
Como foi tão doce ser criança!
Como é saudável relebrármos inocentes,
e como sempre será mais do que isso, pelo resto da vida!...

Ser criança é ter por toda a vida, um amor puro, uma paz divina e uma felicidade sem tamnho e sem medo de ser feliz!...

Unknown disse...

As borboletas são umas das mais belas expressões de beleza e doçura da natureza! Um presente de Deus!