Engajamento versus funcionalismo - Adriana de Oliveira
Título: História e poesia - Texto e contexto em A rosa do povo (1943-1945), de Carlos Drummond de Andrade
Autor: Fernando Braga Franco Talarico
Orientador: Marcos Silva
Instituição: Universidade de São Paulo (USP)
Chefe de gabinete do ministro da Educação e Cultura Gustavo Capanema desde 1934, Carlos Drummond de Andrade manteve o cargo durante o golpe de Estado de 1937, permanecendo numa posição ambígua como funcionário do poder imposto e escritor engajado, cuja simpatia ao comunismo, um dos fenômenos que "justificaram" o golpe, era sabida de todos.
Porém, como assinalou Antonio Candido, diante da necessidade de manter seu poder a salvo e recrutar quadros burocráticos capazes, os governos também são elásticos quanto à liberdade de pensamento de seus funcionários. O crítico lembra que foi nessa época que Portinari cobriu as paredes do mesmo ministério com afrescos revolucionários, autorizado pelo Estado Novo, que contava com os serviços do poeta.
O fato é que, por meio de seus poemas, Drummond negou a ordem social dominante e neles imprimiu sua adesão ao socialismo e seu repúdio ao capitalismo, à guerra e ao fascismo.
Contudo, interpretar sua obra como puro engajamento ou espelhamento do contexto histórico seria perder de vista sua densidade poética, assim como, no pólo oposto, destituir-lhe o cenário histórico e político para explicá-la apenas a partir do lirismo poético debilitaria sua análise semântica.
Dessa forma, em sua dissertação de mestrado, recentemente defendida no departamento de História da Universidade de São Paulo, o pesquisador Fernando Braga Franco Talarico optou por analisar as mediações entre texto e contexto, forma e sentido, arte e história. O autor analisou os poemas de A rosa do povo, escritos entre 1943 e 1945, durante o Estado Novo, Segunda Guerra Mundial e fascismo. Neles, o poeta toma o partido da resistência por meio da ótica do indivíduo lírico.
Seus poemas não puderam ser publicados oficialmente no contexto de sua escritura, porém difundiram-se por meio de cópias remetidas aos amigos, que as multiplicavam, datilografadas e mimeografadas, fazendo-as correr país afora em plena censura total. "Procura da poesia", "Carta a Stalingrado", "Telegrama de Moscou", "Com o russo em Berlim", "Mas viveremos", "Visão 1944", "Nosso tempo" estão entre alguns dos 55 poemas que mais tarde seriam reunidos na análise do historiador.
Talarico inicia a pesquisa confrontando dois pontos corolários do prejuízo em optar pelo texto ou pelo contexto para interpretar Drummond, mas que apresentam perspectivas diferentes.
O primeiro é a análise de Maria Iumma Simon, que, segundo o autor, justificaria a importância do estudo da informação estética e a informação semântica por ela se configurar como um movimento contraditório inerente à obra de Drummond. Se, por um lado, ao poeta restava a comunicação pela arte, por outro, iria se impor a poética da negação do assunto político. Assim, a poesia drummondiana pressuporia negação e criação - negação que impulsiona a criação e, por sua vez, criação que é a consciência de sua própria negação. Essa antinomia entre "poesia para" e "poesia pura" seria então a chave para a compreensão da obra de Drummond, que, em seu ponto de vista, oscila entre abordar o ser ou tratar do mundo, e cuja escrita constituiu um processo de destruição ritual de ambos para refazê-los num plano estético.
A segunda perspectiva, e com a qual Talarico identifica-se, foi proposta por Antonio Candido. Para esse crítico, o movimento incessante entre o ser e o mundo na poesia de Drummond seria antes integrativo do que contraditório, pois expressaria o desejo de transformar o mundo, o que seria, ao mesmo tempo, a esperança de modificar o próprio ser. A fim de sustentar esse ponto de vista, Candido cunha o conceito de "inquietudes" para explicar o dinamismo da obra do poeta. Para o crítico, Drummond integraria convicção política e acontecimentos históricos em estruturas lingüísticas admiráveis a partir das inquietudes poéticas que o perturbam. Ao transformar o ato de escrever numa redenção, o poeta enfrenta essas inquietudes, vislumbrando um eu estrangulado como produto histórico, a quem a destruição de um "mundo caduco" por meio da poesia poderia livrar das causas de seu estrangulamento.
Desse modo, é a partir da mediação entre as dimensões textuais e as dimensões contextuais operada por meio das inquietudes do poeta que Talarico explica o fundamento artístico de A rosa do povo: o dinamismo. Ao interpretar o texto como trabalho social que incorpora a conjuntura histórica à dinâmica simbólica do texto, o processo lírico empreendido por Drummond teceria o real objetivo e o real lingüístico numa trama que alcançaria um outro plano de realidade, ainda dentro do real, mas agora percebido e expresso de uma perspectiva polissêmica.
Esse movimento, sustenta Talarico, não seria uma ruptura com o real objetivo. O resultado é uma pluralidade de temas e formas que superam realidades contextualmente separadas - texto e forma, problemas sociais e individuais, história e arte.
ADRIANA DE OLIVEIRA é jornalista
Fonte: História Viva
Título: História e poesia - Texto e contexto em A rosa do povo (1943-1945), de Carlos Drummond de Andrade
Autor: Fernando Braga Franco Talarico
Orientador: Marcos Silva
Instituição: Universidade de São Paulo (USP)
Chefe de gabinete do ministro da Educação e Cultura Gustavo Capanema desde 1934, Carlos Drummond de Andrade manteve o cargo durante o golpe de Estado de 1937, permanecendo numa posição ambígua como funcionário do poder imposto e escritor engajado, cuja simpatia ao comunismo, um dos fenômenos que "justificaram" o golpe, era sabida de todos.
Porém, como assinalou Antonio Candido, diante da necessidade de manter seu poder a salvo e recrutar quadros burocráticos capazes, os governos também são elásticos quanto à liberdade de pensamento de seus funcionários. O crítico lembra que foi nessa época que Portinari cobriu as paredes do mesmo ministério com afrescos revolucionários, autorizado pelo Estado Novo, que contava com os serviços do poeta.
O fato é que, por meio de seus poemas, Drummond negou a ordem social dominante e neles imprimiu sua adesão ao socialismo e seu repúdio ao capitalismo, à guerra e ao fascismo.
Contudo, interpretar sua obra como puro engajamento ou espelhamento do contexto histórico seria perder de vista sua densidade poética, assim como, no pólo oposto, destituir-lhe o cenário histórico e político para explicá-la apenas a partir do lirismo poético debilitaria sua análise semântica.
Dessa forma, em sua dissertação de mestrado, recentemente defendida no departamento de História da Universidade de São Paulo, o pesquisador Fernando Braga Franco Talarico optou por analisar as mediações entre texto e contexto, forma e sentido, arte e história. O autor analisou os poemas de A rosa do povo, escritos entre 1943 e 1945, durante o Estado Novo, Segunda Guerra Mundial e fascismo. Neles, o poeta toma o partido da resistência por meio da ótica do indivíduo lírico.
Seus poemas não puderam ser publicados oficialmente no contexto de sua escritura, porém difundiram-se por meio de cópias remetidas aos amigos, que as multiplicavam, datilografadas e mimeografadas, fazendo-as correr país afora em plena censura total. "Procura da poesia", "Carta a Stalingrado", "Telegrama de Moscou", "Com o russo em Berlim", "Mas viveremos", "Visão 1944", "Nosso tempo" estão entre alguns dos 55 poemas que mais tarde seriam reunidos na análise do historiador.
Talarico inicia a pesquisa confrontando dois pontos corolários do prejuízo em optar pelo texto ou pelo contexto para interpretar Drummond, mas que apresentam perspectivas diferentes.
O primeiro é a análise de Maria Iumma Simon, que, segundo o autor, justificaria a importância do estudo da informação estética e a informação semântica por ela se configurar como um movimento contraditório inerente à obra de Drummond. Se, por um lado, ao poeta restava a comunicação pela arte, por outro, iria se impor a poética da negação do assunto político. Assim, a poesia drummondiana pressuporia negação e criação - negação que impulsiona a criação e, por sua vez, criação que é a consciência de sua própria negação. Essa antinomia entre "poesia para" e "poesia pura" seria então a chave para a compreensão da obra de Drummond, que, em seu ponto de vista, oscila entre abordar o ser ou tratar do mundo, e cuja escrita constituiu um processo de destruição ritual de ambos para refazê-los num plano estético.
A segunda perspectiva, e com a qual Talarico identifica-se, foi proposta por Antonio Candido. Para esse crítico, o movimento incessante entre o ser e o mundo na poesia de Drummond seria antes integrativo do que contraditório, pois expressaria o desejo de transformar o mundo, o que seria, ao mesmo tempo, a esperança de modificar o próprio ser. A fim de sustentar esse ponto de vista, Candido cunha o conceito de "inquietudes" para explicar o dinamismo da obra do poeta. Para o crítico, Drummond integraria convicção política e acontecimentos históricos em estruturas lingüísticas admiráveis a partir das inquietudes poéticas que o perturbam. Ao transformar o ato de escrever numa redenção, o poeta enfrenta essas inquietudes, vislumbrando um eu estrangulado como produto histórico, a quem a destruição de um "mundo caduco" por meio da poesia poderia livrar das causas de seu estrangulamento.
Desse modo, é a partir da mediação entre as dimensões textuais e as dimensões contextuais operada por meio das inquietudes do poeta que Talarico explica o fundamento artístico de A rosa do povo: o dinamismo. Ao interpretar o texto como trabalho social que incorpora a conjuntura histórica à dinâmica simbólica do texto, o processo lírico empreendido por Drummond teceria o real objetivo e o real lingüístico numa trama que alcançaria um outro plano de realidade, ainda dentro do real, mas agora percebido e expresso de uma perspectiva polissêmica.
Esse movimento, sustenta Talarico, não seria uma ruptura com o real objetivo. O resultado é uma pluralidade de temas e formas que superam realidades contextualmente separadas - texto e forma, problemas sociais e individuais, história e arte.
ADRIANA DE OLIVEIRA é jornalista
Fonte: História Viva
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