(Stendhal)
André Gide,
em seus diários, conta que aos 20 anos ficava enraivecido quando
caminhava pelas ruas de Paris e as pessoas não percebiam, pelo seu
olhar, as obras-primas que ele viria a criar um dia.
A consciência precoce da própria genialidade poderia ser um dos atributos típicos da genialidade, caso não existisse um fenômeno quase indistinguível dela: a ilusão precoce de que se é um gênio, sem ser.
As mesmas ruas de Paris por onde caminhava André Gide estão sendo percorridas hoje (e o foram há dez anos, e há vinte, e há trinta) por outros jovens de olhar igualmente intenso e chamejante, conscientes das obras-primas que trarão ao mundo – mas que acabam não trazendo nada além de muita conversa em mesa de bar, algumas dúzias de artigos acadêmicos e muita fumaça de cigarro sem filtro.
Sem contar que muitos gênios em potencial não comungam dessas certezas. Criam, mas não crêem; criam massacrados pela descrença em si próprios. Kafka, nos seus Aforismos, diz:
“Antes eu não entendia por que não recebia nenhuma resposta à minha pergunta, hoje não entendo como podia acreditar que era capaz de perguntar. Mas realmente não acreditava, só perguntava”.
Hoje em dia, numa época de Egos bombados a poder de esteróides, duvidamos que alguém possa criar uma obra de peso baseada na dúvida e na insegurança, mas não há dúvida de que muitos criaram assim, criaram quase a despeito de si próprios.
No contexto em que vi a citação, não fica claro se Gide escreveu em seu diário quando tinha 20 anos e era anônimo (o que daria mais credibilidade ao seu sentimento) ou se o fez depois de consagrado. Se foi este o caso, sua frase pode ser uma espécie de desabafo “a posteriori”, depois de conquistado o objetivo. Como aqueles torcedores que nos minutos finais da vitória do seu time erguem para as câmaras de TV uma cartolina com a frase “Eu já sabia”.
Em todo caso, é o mesmo fenômeno que, ao que parece, se dava com Stendhal. Num ensaio que li há anos e cujo autor não lembro agora, vi um comentário a respeito do autor de O Vermelho e o Negro dizendo que ele só veio a publicar sua obra-prima na idade madura (aos 47 anos, mais ou menos), mas que durante a vida inteira se comportara como se já fosse o seu autor.
Se for verdade, pode ser um desses casos de um indivíduo naturalmente seguro de si e até meio arrogante, que, quando produz uma obra de peso, de certa forma justifica seu modo de ser.
Mas pode ser também um desses sujeitos que têm certeza de que algo importante lhes está reservado no futuro. Alguns (como Stendhal ou Gide) encontram-se um dia com esse destino.
Outros não. São como o protagonista de A Fera na Selva de Henry James, que pressente algo de grandioso em sua existência futura mas, a certa altura da vida, percebe que o momento passou... e nada aconteceu. Infelizmente, esse “nada acontecer” acontece com mais frequência do que O Vermelho e o Negro ou Os Subterrâneos do Vaticano.
A consciência precoce da própria genialidade poderia ser um dos atributos típicos da genialidade, caso não existisse um fenômeno quase indistinguível dela: a ilusão precoce de que se é um gênio, sem ser.
As mesmas ruas de Paris por onde caminhava André Gide estão sendo percorridas hoje (e o foram há dez anos, e há vinte, e há trinta) por outros jovens de olhar igualmente intenso e chamejante, conscientes das obras-primas que trarão ao mundo – mas que acabam não trazendo nada além de muita conversa em mesa de bar, algumas dúzias de artigos acadêmicos e muita fumaça de cigarro sem filtro.
Sem contar que muitos gênios em potencial não comungam dessas certezas. Criam, mas não crêem; criam massacrados pela descrença em si próprios. Kafka, nos seus Aforismos, diz:
“Antes eu não entendia por que não recebia nenhuma resposta à minha pergunta, hoje não entendo como podia acreditar que era capaz de perguntar. Mas realmente não acreditava, só perguntava”.
Hoje em dia, numa época de Egos bombados a poder de esteróides, duvidamos que alguém possa criar uma obra de peso baseada na dúvida e na insegurança, mas não há dúvida de que muitos criaram assim, criaram quase a despeito de si próprios.
No contexto em que vi a citação, não fica claro se Gide escreveu em seu diário quando tinha 20 anos e era anônimo (o que daria mais credibilidade ao seu sentimento) ou se o fez depois de consagrado. Se foi este o caso, sua frase pode ser uma espécie de desabafo “a posteriori”, depois de conquistado o objetivo. Como aqueles torcedores que nos minutos finais da vitória do seu time erguem para as câmaras de TV uma cartolina com a frase “Eu já sabia”.
Em todo caso, é o mesmo fenômeno que, ao que parece, se dava com Stendhal. Num ensaio que li há anos e cujo autor não lembro agora, vi um comentário a respeito do autor de O Vermelho e o Negro dizendo que ele só veio a publicar sua obra-prima na idade madura (aos 47 anos, mais ou menos), mas que durante a vida inteira se comportara como se já fosse o seu autor.
Se for verdade, pode ser um desses casos de um indivíduo naturalmente seguro de si e até meio arrogante, que, quando produz uma obra de peso, de certa forma justifica seu modo de ser.
Mas pode ser também um desses sujeitos que têm certeza de que algo importante lhes está reservado no futuro. Alguns (como Stendhal ou Gide) encontram-se um dia com esse destino.
Outros não. São como o protagonista de A Fera na Selva de Henry James, que pressente algo de grandioso em sua existência futura mas, a certa altura da vida, percebe que o momento passou... e nada aconteceu. Infelizmente, esse “nada acontecer” acontece com mais frequência do que O Vermelho e o Negro ou Os Subterrâneos do Vaticano.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
Nenhum comentário:
Postar um comentário