Vivemos num ambiente em que a privacidade
morreu. Qualquer um pode te filmar, gravar, fotografar em qualquer situação
privada sem que você saiba.
Sendo você uma pessoa pública, o risco é
evidentemente maior, mas, mesmo sendo você alguém absolutamente anônimo, o
risco permanece. Uma pessoa pública hoje deverá evoluir para uma atitude
monástica em relação à sua vida privada, às suas opiniões em âmbito privado e
às mídias sociais. Ou ela praticará "fake ethics" como forma de
segurança.
Para entender como entramos na era do "fake
ethics" você deve ter sempre esse fato diante dos seus olhos e do seu
coração. O linchamento hoje é uma garantia de que a mentira moral atingiu
níveis nunca "dantes" vistos no mundo.
Mentira moral é algo conhecido por qualquer
pessoa que tenha se dedicado ao estudo da moral. Nelson Rodrigues costumava
dizer "mintam, mintam por misericórdia". Isso quer dizer: a vida em
sociedade sem uma certa dose de mentira é insuportável. Somos muito frágeis
para viver à base da verdade 100% do tempo. Uma vida "transparente"
seria irrespirável.
A morte da privacidade via mídias sociais é essa
transparência. E, quando a vida se torna transparente, o nível de mentira tende
a crescer, do contrário todo mundo será linchado por algum grupo o tempo todo.
O nível "saudável" de mentira sempre
foi guardado para pequenas opiniões em jantares de Natal ou reuniões da
"firma". Agora, com o politicamente correto e a transparência das
mídias sociais, a mentira se tornará marketing ético.
Quem estiver discutindo qualquer assunto mais complexo
ou delicado mentirá para passar a ideia de que tem a opinião correta. E terá
medo.
A mentira com a intenção de passar a imagem de
que você só tem opiniões corretas é "fake ethics". Você ficará preso
nessa ética falsa, do contrário você estará perdido publicamente. A inquisição
se tornou moto contínuo no mundo das mídias sociais.
A substância da moral pública sempre foi, em
alto grau, a hipocrisia. Negar isso é politicamente correto. E hoje, se você
não for politicamente correto, você é linchado, perde amigos, empregos,
contatos, sofre processos.
Quer ver como sempre existiu um nível razoável
de mentira na sociedade? Se sua cunhada fez um regime e ainda assim engordou,
você só dirá que ela engordou se for um escroto. Se um amigo seu pintou um
quadro e você achou horrível, você só dirá que acha horrível se for um escroto.
Esses exemplos nada têm a ver com a "fake ethics". Esses são exemplos
de mentira misericordiosa.
"Fake ethics" é a prática profissional
e pública da opinião politicamente correta a fim de conseguir trabalho, amigos,
seguidores, patrocínio, contratos, contatos, sexo, enfim, um
"futuro".
Qualquer coisa que dependa da sua imagem pública
exigirá de você uma postura "fake". Se praticar "fake news"
é ruim para o receptor de qualquer mensagem –pecado capital no jornalismo–,
praticar "fake ethics" barateia o debate, atrofia a reflexão, nega a
ambivalência da realidade, as sombras que nos cercam, a violência do
"bons", as taras silenciosas, enfim, a "cola" da própria
vida, que são os pecados, as inseguranças, os fracassos, os impasses que toda
experiência humana, histórica e civilizada implica.
Exemplos: tudo será racismo, tudo será assédio
sexual, tudo será homofobia, LGBTQfobia, tudo será feminicídio, tudo será
machismo, tudo será desigualdade social, tudo será contra os direitos dos
trabalhadores, tudo será contra a causa indígena, tudo será contra as vítimas
sociais ou contra a democracia.
A culpa toda será da Igreja. Logo, você, com
medo, praticará "fake ethics". E, com o passar do tempo, sem mesmo se
dar conta, perderá a capacidade de reflexão pública em nome do sucesso e da
segurança. Essa é a morte do debate público.
LUIZ FELIPE PONDÉ (FOLHA
ONLINE)
(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2017/12/1940286-mentir-para-passar-a-ideia-de-que-voce-so-tem-opinioes-corretas-e-fake-ethics.shtml.
Acesso em: 05 de dezembro de 2017.)
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