— Este Natal anda muito perigoso — concluiu João Brandão, ao ver dois PM
travarem pelos braços o robusto Papai Noel, que tentava fugir, e o conduzirem a trancos e
barrancos para o Distrito. Se até Papai Noel é considerado fora-da-lei, que não
acontecerá com a gente?
Logo lhe explicaram que
aquele era um falso velhinho, conspurcador das vestes amáveis. Em vez de dar presentes,
tomavaos das lojas onde a multidão se comprime, e os vendedores, afobados com a
clientela, não podem prestar atenção a tais manobras. Fora apanhado em flagrante, ao
furtar um rádio transistor, e teria de despir a fantasia.
— De qualquer
maneira, este Natal é fogo — voltou a ponderar Brandão, pois se os ladrões se
disfarçam em Papai Noel, que garantia tem a gente diante de um bispo, de um almirante, de
um astronauta? Pode ser de verdade, pode ser de mentira; acabou-se a confiança no
próximo.
De resto, é isso mesmo
que o jornal recomenda: "Nesta época do Natal, o melhor é desconfiar
sempre”.Talvez do próprio Menino Jesus, que, na sua inocência cerâmica, se for de
tamanho natural, poderá esconder não sei que mecanismo pérfido, pronto a subtrair tua
carteira ou teu anel, na hora em que te curvares sobre o presépio para beijar o divino
infante.
O gerente de uma loja de
brinquedos queixou-se a João que o movimento está fraco, menos por falta de dinheiro que
por medo de punguistas e vigaristas. Alertados pela imprensa, os cautelosos preferem não
se arriscar a duas eventualidades: serem furtados ou serem suspeitados como afanadores,
pois o vendedor precisa desconfiar do comprador: se ele, por exemplo, já traz um
pacote, toda cautela é pouca. Vai ver, o pacote tem fundo falso, e destina-se a recolher
objetos ao alcance da mão rápida.
O punguista é a
delicadeza em pessoa, adverte-nos a polícia. Assim, temos de desconfiar de todo
desconhecido que se mostre cortês; se ele levar a requintes sua gentileza, o melhor é
chamar o Cosme e depois verificar, na delegacia, se se trata de embaixador aposentado, da
era de Ataulfo de Paiva e D. Laurinda Santos Lobo, ou de reles lalau.
Triste é desconfiar da
saborosa moça que deseja experimentar um vestido, experimenta, e sai com ele sem pagar,
deixando o antigo, ou nem esse. Acontece — informa um detetive, que nos inocula a
suspeita prévia em desfavor de todas as moças agradáveis do Rio de Janeiro. O Natal de
pé atrás, que nos ensina o desamor.
E mais. Não aceite o
oferecimento do sujeito sentado no ônibus, que pretende guardar sobre os joelhos o seu
embrulho.
Quem use botas, seja ou não Papai Noel, olho nele: é esconderijo
de objetos surrupiados. Sua carteira, meu caro senhor, deve ser presa a um alfinete de
fralda, no bolso mais íntimo do paletó; e se, ainda assim, sentir-se ameaçado pelo
vizinho de olhar suspeito, cerre o bolso com fita durex e passe uma tela de arame fino e
eletrificado em redor do peito. Enterrar o dinheiro no fundo do quintal não adianta,
primeiro porque não há quintal, e, se houvesse, dos terraços dos edifícios em redor,
munidos de binóculos, ladrões implacáveis sorririam da pobre astúcia.
Eis os conselhos que nos
dão pelo Natal, para que o atravessemos a salvo. Francamente, o melhor seria suprimir o
Natal e, com ele, os especialistas em furto natalino. Ou — ideia de João Brandão,
o sempre inventivo — comemorá-lo em épocas incertas, sem aviso prévio, no maior
silêncio, em grupos pequenos de parentes, amigos e amores, unidos na paz e na confiança
de Deus.
Carlos Drummond de Andrade
Texto extraído do livro "Caminhos de João Brandão", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1970, pág. 84.
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