Lourival
Batista (1915-1992), também chamado “Louro do Pajeú”, passou para a
história da Cantoria de Viola como o “rei do trocadilho”.
Era o mais velho da trinca de irmãos repentistas complementada por Dimas e pelo mestre Otacílio, que vive em João Pessoa. [falecido em 5 de agosto de 2003]
Louro era uma surpresa para os que pensam que os cantadores nordestinos são talentos brutos, intocados pela cultura urbana. Os Batista, como muitos grandes violeiros, tiveram variadas leituras e cuidadoso aprendizado. Não perderam as raízes sertanejas, mas fizeram versos em pé de igualdade com os dos poetas das cidades.
Reza a lenda que o poeta Raimundo Asfora propôs a Louro o mote: “Não tive amores, sonhei-os / mas possuí-los não pude.”
A glosa de Lourival (que não sei se foi glosa pensada, ou de improviso) é registrada com pequenas variantes em numerosos livros sobre Cantoria:
Senti das paixões abalos e desesperos medonhos: sonhos, sonhos e mais sonhos sem poder realizá-los. Na fronte senti os halos das auras da juventude mas nunca tive a virtude de dormir entre dois seios. Não tive amores, sonhei-os mas possuí-los não pude.
Quando alguém dá um mote de duas linhas, o poeta compõe duas quadras para completar com ele uma décima (4+4+2).
Cada poeta tem suas técnicas e seus truques, mas às vezes é possível reconstituir o fio criador de seu pensamento.
Os violeiros chamam de “queda do verso” as últimas linhas antes do mote; e geralmente é por ela que começam. Começam pelo fim, como os Parnasianos com a “chave de ouro” dos seus sonetos.
Neste caso, Louro usou uma rima rica, um substantivo (“seios”) para rimar com o verbo+pronome “sonhei-os”. Não duvido que Louro, poeta e trocadilhista, conhecesse o famoso trocadilho do seu colega Emílio de Menezes, a quem uma dama perguntou: “Sr. Emílio, o sr. sabe quais são os encantos da mulher?”, e ele respondeu: “Sei-os”.
A obrigação de rimar com “sonhei-os” inspirou a Louro uma “queda” brilhante: “mas nunca tive a virtude / de dormir entre dois seios”.
Após preparar o desfecho da segunda quadra, ele voltou mais atrás e preparou o da primeira. Note-se que as linhas 3 e 4 (“sonhos, sonhos e mais sonhos / sem poder realizá-los”) são uma transposição fiel do mote (“não tive amores, sonhei-os / mas possuí-los não pude”), o que dá homogeneidade e simetria à estrofe.
As linhas 1 e 2 foram compostas a seguir, com rimas determinadas pelas 3 e 4. Mais uma vez, Louro rimou substantivo (“abalos”, “halos”) com um verbo+pronome (“realizá-los”). Desse modo, ele prepara o ouvido do leitor para aceitar mais facilmente o mesmo recurso quando é repetido nas linhas finais, na queda do verso.
Note-se ainda que o poeta capricha em rimar verbo com substantivos (“pude” com “juventude” e “virtude”), adjetivo com substantivo (“medonhos” com “sonhos”).
Riqueza de rimas, fluência de métrica, beleza de sentido, delicado erotismo da imagem final. Uma beleza de verso. No mundo da Cantoria existem milhões assim.
Era o mais velho da trinca de irmãos repentistas complementada por Dimas e pelo mestre Otacílio, que vive em João Pessoa. [falecido em 5 de agosto de 2003]
Louro era uma surpresa para os que pensam que os cantadores nordestinos são talentos brutos, intocados pela cultura urbana. Os Batista, como muitos grandes violeiros, tiveram variadas leituras e cuidadoso aprendizado. Não perderam as raízes sertanejas, mas fizeram versos em pé de igualdade com os dos poetas das cidades.
Reza a lenda que o poeta Raimundo Asfora propôs a Louro o mote: “Não tive amores, sonhei-os / mas possuí-los não pude.”
A glosa de Lourival (que não sei se foi glosa pensada, ou de improviso) é registrada com pequenas variantes em numerosos livros sobre Cantoria:
Senti das paixões abalos e desesperos medonhos: sonhos, sonhos e mais sonhos sem poder realizá-los. Na fronte senti os halos das auras da juventude mas nunca tive a virtude de dormir entre dois seios. Não tive amores, sonhei-os mas possuí-los não pude.
Quando alguém dá um mote de duas linhas, o poeta compõe duas quadras para completar com ele uma décima (4+4+2).
Cada poeta tem suas técnicas e seus truques, mas às vezes é possível reconstituir o fio criador de seu pensamento.
Os violeiros chamam de “queda do verso” as últimas linhas antes do mote; e geralmente é por ela que começam. Começam pelo fim, como os Parnasianos com a “chave de ouro” dos seus sonetos.
Neste caso, Louro usou uma rima rica, um substantivo (“seios”) para rimar com o verbo+pronome “sonhei-os”. Não duvido que Louro, poeta e trocadilhista, conhecesse o famoso trocadilho do seu colega Emílio de Menezes, a quem uma dama perguntou: “Sr. Emílio, o sr. sabe quais são os encantos da mulher?”, e ele respondeu: “Sei-os”.
A obrigação de rimar com “sonhei-os” inspirou a Louro uma “queda” brilhante: “mas nunca tive a virtude / de dormir entre dois seios”.
Após preparar o desfecho da segunda quadra, ele voltou mais atrás e preparou o da primeira. Note-se que as linhas 3 e 4 (“sonhos, sonhos e mais sonhos / sem poder realizá-los”) são uma transposição fiel do mote (“não tive amores, sonhei-os / mas possuí-los não pude”), o que dá homogeneidade e simetria à estrofe.
As linhas 1 e 2 foram compostas a seguir, com rimas determinadas pelas 3 e 4. Mais uma vez, Louro rimou substantivo (“abalos”, “halos”) com um verbo+pronome (“realizá-los”). Desse modo, ele prepara o ouvido do leitor para aceitar mais facilmente o mesmo recurso quando é repetido nas linhas finais, na queda do verso.
Note-se ainda que o poeta capricha em rimar verbo com substantivos (“pude” com “juventude” e “virtude”), adjetivo com substantivo (“medonhos” com “sonhos”).
Riqueza de rimas, fluência de métrica, beleza de sentido, delicado erotismo da imagem final. Uma beleza de verso. No mundo da Cantoria existem milhões assim.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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