Tema que é intensamente debatido no âmbito de supostas interações
entre o Direito de Família e a Responsabilidade Civil diz respeito à responsabilidade pré-negocial no casamento,
ou seja, à quebra de promessa de casamento como fato gerador do dever
de indenizar, inclusive por danos imateriais. A quebra dessa promessa
ocorre, muitas vezes, quando se estabelece um compromisso de noivado, de
modo a fazer surgir o dever de indenizar nos esponsais, matéria, aliás, tratada pelo Código Civil Alemão, nos seus §§ 1.297 a 1.302 (Verlöbnis).
A possibilidade de reparação nesses casos vem sendo abordada há
tempos pela doutrina e pela jurisprudência, havendo posicionamentos em
ambos os sentidos. De todo modo, cabe esclarecer que não se trata de
indenização pretendida em decorrência de vínculo familiar, pois, no caso
de noivado, esse ainda não existe. Essa é uma questão metodológica
importante, eis que muitas vezes o instituto é relacionado ao cerne do
Direito de Família, o que não é o caso.
Entre os que são favoráveis à indenização nessas situações, cite-se
Inácio de Carvalho Neto, que lembra o fato de que o nosso “Código, ao
contrário dos Códigos alemão, italiano, espanhol, peruano e canônico,
não regula sequer os efeitos do descumprimento da promessa”. Porém, para
o mesmo autor, “isto não impede que se possa falar em obrigação de
indenizar nestes casos, com base na regra geral da responsabilidade
civil. Como afirma Yussef Cahali, optou-se por deixar a responsabilidade
civil pelo rompimento da promessa sujeita à regra geral do ato ilícito”
(Responsabilidade civil no direito de família. 2. ed.
Curitiba: Juruá, 2004. p. 401). Na esteira das lições transcritas,
entendo ser plenamente possível a indenização de danos morais em
decorrência da quebra da promessa de casamento futuro por um dos noivos.
Em sentido contrário, Maria Berenice Dias leciona que, em casos tais,
são indenizáveis somente os danos emergentes ou danos positivos, os
prejuízos diretamente causados pela quebra do compromisso, caso das
despesas relativas à celebração do casamento. Para a doutrinadora, não
há que se falar em danos morais ou mesmo em lucros cessantes ou danos
negativos. São suas palavras: “falando em dano moral e ressarcimento
pela dor do fim do sonho acabado, o término de um namoro também poderia
originar responsabilidade por dano moral. Porém, nem a ruptura do
noivado, em si, é fonte de responsabilidade. O noivado recebia o nome de
esponsais e era tratado como uma promessa de contratar, ou seja, a
promessa do casamento, que poderia ensejar indenização. Quando se
dissolve o noivado, com alguma frequência é buscada a indenização não só
referente aos gastos feitos com os preparativos do casamento, que se
frustrou, mas também aos danos morais. Compete à parte demonstrar as
circunstâncias prejudiciais em face das providências porventura tomadas
em vista da expectativa do casamento. Não se indenizam lucros cessantes,
mas tão somente os prejuízos diretamente causados pela quebra do
compromisso, a outro título que não o de considerar o casamento como um
negócio, uma forma de obter o lucro ou vantagem. Esta é a postura que
norteia a jurisprudência” (Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 118).
O que se percebe é que há forte corrente doutrinária que entende não
ser possível a responsabilidade civil por danos morais pela quebra de
promessa de casamento. De fato, não se pode afirmar que o casamento é
fonte de lucro e, sendo assim, não há como ressarcir lucros cessantes.
Porém, reafirmamos ser viável a reparação dos danos imateriais em
situações especiais, sendo certo que a complexidade das relações
pessoais recomenda a análise caso a caso.
Nesse contexto, é forçoso concluir que, no Código Civil de 2002, o
dever de indenizar surge não com base no art. 186, que trata do ato ilícito puro
e indenizante, mas com fundamento no art. 187, que disciplina o abuso
de direito, como ilícito equiparado. Esse é o ponto de divergência entre
o posicionamento deste autor e o de parte da doutrina civilista, entre
aqueles que reconhecem o dever de indenizar nessas hipóteses em
decorrência do ato ilícito extracontratual propriamente dito.
Partindo para a prática, na jurisprudência podem ser encontrados
julgados que apontam para a reparabilidade dos danos morais em casos
tais. Do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, como primeiro exemplo,
merece destaque: “a ruptura do noivado, embora cause sofrimento e
angústia ao nubente, por si só, não gera o dever de indenizar, pois, não
havendo mais o vínculo afetivo, não faz sentido que o casal dê
prosseguimento ao relacionamento. Todavia, se o rompimento do noivado
ocorreu de forma extraordinária, em virtude de enganação, por meio de
promessas falsas e mentiras desprezíveis, causando dor e humilhação na
noiva abandonada, configuram-se os danos morais” (TJMG, Apelação Cível
n. 1.0701.12.031001-9/001, Rel. Des. Rogério Medeiros, julgado em
16/06/2016, DJEMG 24/06/2016). Ou, do Tribunal de Justiça do
Paraná, entre acórdãos mais antigos: “noivado não tem sentido de
obrigatoriedade. Pode ser rompido de modo unilateral até momento da
celebração do casamento, mas a ruptura imotivada gera responsabilidade
civil, inclusive por dano moral, cujo valor tem efeito compensatório e
repressivo, por isto deve ser em quantia capaz de representar justa
indenização pelo dano sofrido” (TJPR, Acórdão n. 4651, Apelação Cível,
comarca Londrina, 3ª Vara Cível, Órgão Julgador 5ª Câmara Cível, Rel.
Des. Antonio Gomes da Silva, publicação 13/03/2000).
Também foram encontradas decisões que afastam totalmente a
possibilidade de reparação dos danos morais por quebra de noivado. Do
mesmo Tribunal de Minas Gerais: “Ausentes os requisitos do art. 186 do
Código Civil, não é o caso de incidência de danos morais e materiais,
ainda mais quando a parte autora não se incumbiu de provar os fatos
alegados. Meros dissabores e frustrações advindas do rompimento do
noivado, não ensejam a condenação em indenização” (TJMG, Apelação Cível
n. 1.0024.10.124748-4/001, Rel. Des. Pedro Aleixo, julgado em
16/02/2017, DJEMG 06/03/2017). Ainda na mesma esteira, do
Tribunal paulista: “a promessa de casamento, baseada no compromisso
amoroso entre o homem e a mulher, é eivada de subjetivismo e riscos,
sendo que a sua ruptura não pode acarretar dano moral indenizável”
(TJSP, Apelação n. 386.368.4/0, Acórdão n. 3596890, São Paulo, 9ª Câmara
de Direito Privado, Rel. Des. José Luiz Gavião de Almeida, j.
14/.04/2009, DJESP 09/06/2009).
Em continuidade, alguns arestos reconhecem apenas os danos materiais
decorrentes da não realização do casamento, como as despesas com a
realização da festa que acabou não ocorrendo. Nesse sentido, por todos:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. Indenização por
danos materiais e morais. Rompimento do noivado pelo réu 10 dias antes
da celebração do casamento. Danos materiais. Ressarcimento.
Admissibilidade. Exclusão dos supostos gastos realizados pelo varão com o
cartão de crédito da autora, não demonstrados e divisão igualitária das
despesas efetivamente já adiantadas. Danos morais. Afastamento. Direito
do noivo de repensar sua vida antes de contrair matrimônio. Pequeno
período de duração do namoro. Ausência de situação vexatória, ou
humilhante. Apelo parcialmente provido” (TJSP, Apelação n.
0005378-26.2011.8.26.0462, Acórdão n. 8107600, Poá, 9ª Câmara de Direito
Privado, Rel. Des. Galdino Toledo Junior, julgado em 16/12/2014, DJESP 20/01/2015).
Por fim, há ementas que afastam o dever de indenizar em casos
determinados, em que os danos não estão evidenciados, mas reconhecem a
reparabilidade dos danos morais por quebra de promessa de noivado,
especialmente se os fatos forem de especial gravidade, causando
humilhação à outra parte:
“APELAÇÃO CÍVEL. ROMPIMENTO DE NOIVADO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE
DANO MORAL. FALTA DE PROVA DE DANO MATERIAL. A simples ruptura de um
noivado não pode ser causa capaz de configurar dano moral indenizável,
salvo em hipóteses excepcionais, em que o rompimento ocorra de forma
anormal e que ocasione, realmente, à outra pessoa uma situação
vexatória, humilhante e desabonadora de sua honra, o que, no caso dos
autos, como visto, não ocorreu. Não se há de falar em indenização por
dano material, no caso de rompimento de noivado, se não há prova nos
autos de culpa de quem quer que seja pelo rompimento havido e sequer das
despesas realmente feitas com a preparação da cerimônia” (TJMG,
Apelação Cível n. 1.0480.12.016815-2/001, Rel. Des. Evandro Lopes da
Costa Teixeira, julgado em 03/12/2015, DJEMG 15/12/2015).
“Noivado. Rompimento. Dano moral e
material. Descaracterização. Somente se caracteriza a ocorrência do dano
moral indenizável em decorrência de rompimento de noivado, quando este
se verifica às vésperas da data do casamento. Não se configura a
ocorrência de danos materiais decorrentes de despesas contraídas em
virtude da declaração da data do casamento, quando, após o rompimento,
os bens adquiridos permaneceram de posse da parte autora. Recurso não
provido” (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Acórdão n. 0382351-0,
Apelação Cível, 2002, Comarca Belo Horizonte/Siscon, Órgão Julgador 2ª
Câmara Cível, Rel. Juiz Alberto Aluizio Pacheco de Andrade, j.
20/05/2003, dados de publicação: não publicada, decisão unânime).
Conforme pesquisa recentemente realizada, o que se tem percebido na
prática jurisprudencial é a prevalência de ementas que afastam a
reparação dos danos morais nos casos de quebra de promessa de casamento.
Na verdade, diante da casuística, é preciso conciliar todos esses
entendimentos para se chegar a uma conclusão plausível dentro das
circunstâncias fáticas a serem analisadas. Em suma, a questão não pode
ser passível de generalização, como ocorre muitas vezes na prática,
infelizmente.
Repise-se que, para a primeira corrente transcrita, é possível a
reparação de danos morais se a não celebração do casamento prometido
causar lesão psicológica ao noivo ou ao namorado, notadamente se a
ruptura ocorrer às vésperas da cerimônia. A propósito, quando de sua
exposição no V Congresso Brasileiro de Direito de Família, no
dia 27 de outubro de 2005, Jones Figueirêdo Alves, ao discorrer sobre o
abuso de direito aplicado ao âmbito do Direito de Família, utilizou uma
expressão que, aqui, serve como uma luva e que tenho utilizado em aulas e
exposições sobre o tema: estelionato do afeto.
Concorda-se com a afirmação segundo a qual a mera quebra da promessa
não gera, por si só, o dano moral. Ademais, não há de se confundir o
dano moral com os meros dissabores do cotidiano, se realmente os fatos
tiveram essa qualificação. Porém, em alguns casos, os danos morais podem
estar configurados, principalmente naqueles em que a pessoa é
substancialmente enganada pela outra parte envolvida, a qual desrespeita
toda a confiança depositada sobre si.
Cite-se, a par dessas afirmações, outro rumoroso caso analisado pelo
Tribunal de Minas Gerais, a seguir colacionado: “a vida em comum impõe
aos companheiros restrições que devem ser seguidas para o bom andamento
da vida do casal e do relacionamento, sendo inconteste o dever de
fidelidade mútua. O término de relacionamento amoroso, embora seja fato
natural da vida, gerará dever de indenizar por danos materiais e morais,
conforme as circunstâncias que ensejaram o rompimento. São indenizáveis
danos morais e materiais causados pelo noivo flagrado pela noiva
mantendo relações sexuais com outra mulher, na casa em que moravam, o
que resultou no cancelamento do casamento marcado para dias depois e dos
serviços contratados para a cerimônia” (TJMG, Apelação Cível n.
5298117-04.2007.8.13.0024, Belo Horizonte, 10ª Câmara Cível, Rel. Des.
Mota e Silva, j. 31.08.2010, DJEMG 21.09.2010).
Cabe mencionar, ainda, a hipótese em que a noiva – ou o noivo – é
deixada esperando no altar, na presença dos convidados do casal, o que,
sem dúvidas, acarreta consequências no âmbito da responsabilidade civil.
Tal situação, sem dúvidas, gera repercussões negativas sobre a honra da
pessoa, de modo a caracterizar o dano imaterial. E o que dizer de um
caso em que o noivo transmite à noiva uma doença sexualmente
transmissível, ou vice-versa, sendo esse o motivo da ruptura? Sem
dúvidas, estará presente o seu dever de reparar os prejuízos sofridos
pela outra parte.
Além desses exemplos, muitos outros poderiam surgir. Por isso é que
se recomenda a análise específica dos fatos. De qualquer forma, merece
destaque a ressalva anterior sobre o fundamento jurídico da reparação
civil em casos tais. Com todo o respeito, reitere-se, não se segue o
entendimento pelo qual a reparação está motivada no art. 186 do atual
Código Civil, dispositivo que conceitua o ato ilícito indenizante como a
soma da violação de um direito – correspondente ao desrespeito de um
dever jurídico –, com um dano causado.
Isso porque não há de se falar em lesão ou violação de direitos
quando alguém não celebra o casamento prometido, pois a promessa de
casamento não vincula a sua ocorrência futura. Desse modo, não há ato
ilícito propriamente dito. O dever de indenizar, em situações tais,
decorre do abuso de direito, pelo desrespeito à boa-fé objetiva, diante
da norma geral contida no art. 187 da codificação material, in verbis:
“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Desse modo, o dever de
indenizar, nos moldes do art. 927, caput, do Código Civil, tem por fundamento o segundo conceito de ilicitude indenizante.
Assim, a conduta de abuso gera uma responsabilidade pré-negocial casamentária
em decorrência do desrespeito aos deveres anexos na fase anterior ao
casamento. Trata-se de clara aplicação do princípio da boa-fé objetiva
aos institutos familiares, notadamente pela incidência dos deveres
anexos de lealdade, de transparência e de confiança.
Aliás, se fôssemos adeptos da corrente que aponta ser o casamento um
contrato, falaríamos que a quebra da promessa de noivado gera uma
espécie de responsabilidade pré-contratual, conforme entendem
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, chegando à mesma
conclusão pela reparação civil em casos tais (Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2011. v. VI. Direito de Família, p. 137). A propósito, é forçoso lembrar que o abuso de direito é lícito pelo conteúdo e ilícito pelas consequências,
conforme conceituava Rubens Limongi França. No caso em questão,
percebe-se que a promessa de um casamento futuro é perfeitamente lícita.
Mas, se a parte promitente abusar desse direito, ao desrespeitar os
citados deveres anexos que decorrem da boa-fé, presente estará o seu
dever de indenizar.
Anote-se, em complemento, que a regra a respeito do dever de
indenizar o ato ilícito continua sendo a responsabilização mediante
culpa em sentido amplo, que engloba o dolo e a culpa estrita. Mas, como
se sabe, em caso de abuso de direito, a responsabilidade não depende de
culpa, pelo que consta do sempre citado Enunciado n. 37 do Conselho da
Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil. É justamente isso que pode ocorrer na quebra da promessa de noivado ou de casamento futuro em algumas situações.
Concluindo, vislumbra-se que a boa-fé objetiva dá um novo tratamento à
matéria, pois a quebra de promessa de casamento futuro deve ser
encarada como uma quebra dos deveres de lealdade, de transparência e de
confiança, ínsitos a qualquer relação jurídica.
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