PAVÃO MYSTERIOZO
“Outra música emblemática daquele ano de
1974 foi ‘Pavão Mysteriozo’, gravada por um cearense de 29 anos chamado
Ednardo. A canção foi carro-chefe do disco O
romance do Pavão Mysteriozo, cujos
temas centrais eram a diáspora nordestina para o Sudeste e o isolamento social
dos migrantes. Em ‘Água grande’, ele cantava: ‘A primeira vez que eu vi São
Paulo/fiquei um tempão parado/esperando que o povo parasse’. Já em ‘Pavão
Mysteriozo’, canção enigmática, inspirada em um famoso folheto de cordel
nordestino da década de 1920, Ednardo trocou o realismo pela fantasia. O
compositor usava a figura do pavão —
um animal associado à transmutação e à beleza — para criar uma parábola sobre os anos de chumbo no Brasil: ‘Pavão
misterioso/nessa cauda aberta em leque/me guarda moleque/de eterno brincar/me
poupa do vexame/de morrer tão moço/muita coisa ainda quero olhar’. A letra é
embalada por uma melodia dolente, por violas que lembram os cantadores
nordestinos e uma percussão minimalista, que remonta às procissões religiosas.
‘Pavão Mysteriozo’ tem um forte clima litúrgico, mas sem perder a pegada pop
que fez da música um enorme sucesso de vendas. Ednardo encerra a canção com os
versos: ‘Não temas minha donzela/nossa sorte nessa guerra/eles são muitos/mas
não podem voar’. Os censores não perceberam a mensagem política nas
entrelinhas, e a canção não foi proibida. Dois anos depois, virou tema de uma
novela da Globo, Saramandaia. O tom
sonhador e delirante da música de Ednardo se encaixou perfeitamente com o
estilo da novela de Dias Gomes, inspirada no realismo mágico de autores
latino-americanos, como Gabriel García Márquez.”
(BARCINSKI, André. 1974: Entre os sacis e as fadas — A música
enlouquece. In: ____. Pavões misteriosos: 1974-1983: a explosão da
música pop no Brasil. São Paulo: Três Estrelas, 2014, pp. 29-30.)
POP MUSIC
“O termo pop music surgiu em meados da década de 1950 na imprensa musical
inglesa para definir o rock’n’roll e os estilos musicais que ele influenciou.
Tudo era pop: o rock explosivo de Elvis Presley, Little Richard, Chuck Berry e
Jerry Lee Lewis, sua versão ‘água com açúcar’ feita por cantores
bem-comportados, como Pat Boone e Bobby Darin, e até grupos vocais como The
Platters e The Coasters, que vinham do estilo doo wop — música romântica e dançante surgida em comunidades negras
nos Estados Unidos nos anos 1940 e marcada por harmonias vocais.
“Pop era música para consumo maciço, na
forma de canção, de duração curta (dois a quatro minutos, em média), escrita em
formato simples de ‘estrofe-refrão-estrofe’ e com repetição de partes, visando
a rápida assimilação pelo ouvinte. Era, basicamente, uma canção para tocar no
rádio e dirigida ao público jovem.
“A partir de meados dos anos 1960, o
conceito de pop music começou a
mudar. A imprensa passou a utilizar a palavra ‘rock’ para definir um tipo de
música mais visceral e ‘autêntica’, enquanto o termo ‘pop’ era usado, cada vez
mais frequentemente, como sinônimo de som comercial. Nos anos 1980, já havia
uma distinção clara entre pop e rock.
“Em Pavões
misteriosos, uso a palavra ‘pop’ de forma abrangente, acolhendo desde a
mistura de choro e guitarras dos Novos Baianos até a discoteca de Gretchen,
passando pelo samba com piano de Benito Di Paula (quer coisa mais pop que uma
música dedicada a Charlie Brown?) e pelas experimentações vanguardistas de
Jards Macalé. Todos eram pop e disputavam, com maior ou menor sucesso, a mesma
parada.”
(BARCINSKI, André. Abertura: Pop é coisa nossa. In: ____. Pavões
misteriosos: 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil. São
Paulo: Três Estrelas, 2014, pp. 10-11.)
* Sugestão de postagem do amigo Adauto Neto
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