Foi um bom ano. O Botafogo caiu, mas o Internacional chegou em terceiro no
Campeonato Nacional, vai disputar a Libertadores de 2015
Nós não estávamos no avião da Malaysian Airlines que desapareceu, não
estávamos no gol do Brasil no jogo dos 7 a 1 com a Alemanha, não tivemos nada a
ver com o escândalo da Petrobras, não votamos no Aécio ou votamos, mas não
achamos que ele perdeu, não fomos aprisionados e decapitados pelo Estado
Islâmico nem andamos perto de qualquer lugar bombardeado por drones, não
estávamos em Israel sob ameaça de foguetes palestinos nem em Gaza quando Israel
revidou, não fomos levados por nenhuma enxurrada ou soterrados por nenhum
deslize de terra nem morremos afogados tentando chegar à Itália num barco de
refugiados africanos, nem fomos pegos na fronteira do México tentando entrar
clandestinamente nos Estados Unidos, não morremos de overdose ou por qualquer
outra razão, doença ou desatenção, e o ebola chegou perto de nós apenas no
noticiário. Quer dizer, de um ponto de vista puramente subjetivo, foi um bom
ano.
Do jantar de Natal aqui em casa sobraram boas lembranças — e peru, claro. A
trilha sonora deste ano foi o último disco da Maria Rita, de quem me declaro um
devoto. Pelo que sei da sua vida, a Maria Rita nasceu e se criou nos Estados
Unidos, o que torna sua opção preferencial pelo samba ainda mais admirável.
Uma das faixas do seu novo CD é um sambão de Arlindo Cruz, Rogé e Arlindo
Neto intitulado “É corpo, é alma, é religião”, que começa assim: “Eu não nasci
no samba, mas o samba nasceu em mim.” Intencional ou não, a frase serve como uma
autobiografia da cantora, que nasceu longe do samba, mas tinha o samba na alma,
ou nos genes.
Hoje, pode-se dizer, sem exagero ou idolatria, que ela faz parte de um
triunvirato das nossas maiores sambistas, com a Alcione e a Beth Carvalho. E,
além de tudo, é uma bela mulher. O nome do disco é “Coração a batucar”.
Compre.
Nossas trilhas sonoras familiares são ecléticas, Charles Aznavour e Michel
Légrand fazem coro com Aldir Blanc e Moacyr Luz, Mônica Salmaso faz dueto com
Patricia Barber e quando menos se espera ouve-se o Miles fazendo fundo pro
Chico. E preciso revelar um segredo que, espero, fique só entre os 17 leitores
desta coluna.
Chega um ponto em que nada mais serve a não ser o Luis Miguel cantando “Che
sei tu”. Preciso dançar um bolero do Luis Miguel com as minhas filhas. É um
momento que exige uma certa solenidade. Mas as minhas filhas, não sei por quê,
sempre fogem na hora do Luis Miguel. Algo sobre não pagar mico. Vá entender.
Foi um bom ano. O Botafogo caiu, mas o Internacional chegou em terceiro no
Campeonato Nacional, vai disputar a Libertadores de 2015 e no fim do ano poderá
muito bem ser de novo campeão do mundo, se ainda houver mundo.
Luis Fernando Veríssimo
Do blog do Noblat
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