domingo, 23 de março de 2014

A arte de "dar o perdido" e não ser achado

“Dar um perdido” sem deixar pistas, por causa das mil e uma novidades tecnológicas, é algo cada vez mais raro ou estou enganado? Creio que seja mesmo impossível.
 
Pelo menos ficou bem mais difícil a operação ou a mentira. Recentemente vi muitos “perdidos” desmascarados ao simples descuido de uma foto nas redes sociais etc. Por mais que a criatura se esconda, é de altíssimo risco –era facílimo pré-celular, localizadores e toda essas novas geringonças.
 
Pelo menos agora requer muita cara de pau do rapaz ou da rapariga, além de uma boa habilidade tecnológica para desviar os aparelhos, evitar os radares etc.
 
Trai-se hoje como no tempo de Madame Bovary. A descoberta, porém, beira os 90%, apurou o meu Databoteco.
 
Como “dar o perdido” sem ser descoberto na mentira depois? No “Yahoo! Respostas”, fonte de diversão pura, uma moça chamada Felina, que aparece em biquíni à prova de sumiços, dá a dica a uma jovem colega:
 
“Fala que vai dormir na casa de uma tia, pois ela vai fazer um exame e precisa de companhia para ficar com ela…Ou diz que ficou dopente, que pegou gripe suina rsrs…. E pede para sua mãe ou alguém da sua casa, quando atender o telefone, confirmar a historia…”
 
Há a preocupação em amarrar todos os pontos ou as pontas, como queira. Outras respostas advertem: vale na hora, mas com o tempo as provas do crime aparecem nas redes sociais.
 
Reparo que existe uma diferença entre o truque masculino e o feminino.
 
No caso dos homens, a incapacidade de construir uma narrativa verossímil piora mais ainda a justificativa do “perdido”. Somos fantasiosos demais da conta, um desastre.
 
Na ficção do “perdido” , o macho é do realismo-fantástico, é cada história de fazer corar o Gabriel Garcia Márquez; a fêmea tem uma prosa mais enxuta, certeira e crível, seja ou não verdadeira a história que conta.
 
Mulher está mais, nesse aspecto, e somente nesse aspecto, para o texto seco e mortal do romance policial ou “noir” americano, escola de Dashiell Hammett, Chandler etc.
 
Homem é capaz de dizer que foi abduzido, que esteve na Ilha de Lost, que era um dos passageiros do avião desaparecido da Malásia.
 
É, amigos da Bahia, “dar o zig now” ou simplesmente “o zig”, como se diz em Salvador, não é mais arte para amadores.
 
“Zig now” ou “Zignal”, como já abrasileirado pelo grupo “Harmonia do Samba”, teria origem no termo “sign out”, quando você cai fora de um site, por exemplo. Boto fé.
 
Atitude sorrateira também conhecida como “dar o ninja” , o “perdido” ao qual me refiro não é aquele simples bolo de uma história que ainda não engatou. Ai é coisa de homem frouxo mesmo, meu caro, o homem-de-Ossanha tão marcante no nosso tempo –o homem que diz vou e não vai, como na canção de Vinícius e Baden Powell.
 
Tampouco falo do “perdido” clássico das antigas, aquele de sair para comprar cigarro e voltar dali a dias ou, em alguns casos, nunca mais. Não, não se fuma mais o king size do abandono dessa forma.
 
“Dar um ninja”, escapulida que rendeu o nome deste motel no bairro da Várzea, no Recife (foto) está cada vez mais difícil. Nem pense, amigo, que ela não sacou tudo. Apenas fingiu de lesa. Tua batata está assando a mil graus em um forno profissa.
 
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Agora vamos à oficina literária do “perdido”. Qual foi, amigo(a), a justificativa mais “escrita criativa” ou maluca que você já ouviu?
 

 
Xico Sá

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