domingo, 20 de janeiro de 2013

Quando o horóscopo diz `Amor em alta´

Estimada astróloga, saudações, como tens passado? Espero que mui bem, o que não é o meu caso, por supuesto, ao contrário do que imaginas e tens previsto.
 
Nada bem, aliás, nadíssima. Não gastaria minha saliva para grudar os patrióticos selos desta missiva, estimada astróloga, caso não fosse grave, gravíssimo.
 
Não me acharia o último dos librianos da face da terra caso tu não tivesses me viciado, nas últimas duas décadas e meia, com a granola matinal da imperdível coluna do horóscopo.
 
Como assim AMOR EM ALTA, se acabam de sujar o meu traseiro com um bom, lindo e delicado pezinho número 36?!
 
Cá ainda vê-se a mancha de tal miserável despedida nitidamente impressa na calça jeans. Não mandei à lavanderia para guardar como prova material do crime –é uma mania, digamos assim excêntrica, de construir um particularíssimo museu dos pés-na-bunda.
 
Amor subindo ao telhado, isso sim, minha respeitável senhora. Amor na cumeeira, amor no penhasco, amor no cânion de todas as desgraças, amor pulando de um edifício em chamas.
 
O motivo desta carta, estimada astróloga, é tão-somente para prestar minhas mais veementes queixas em relação às suas previsões para os últimos dias. Danem-se os astros vagabundos que me humilham por terra, fogo e ar.
 
Até parece que a nobilíssima senhora, que tenho em altíssima conta, esqueceste dos dons artísticos, dos dons estéticos e, pasmem, dos delicadíssimos dons dos corações que ao mundo vieram entre 23 de setembro e 22 de outubro.
 
Agora não adianta bajular-me com o anúncio de Vênus em Aquário e a promessa de amor e encanto. “Clima mágico” a partir desta data? Não, não ficarei atento, como indicas. Não me venhas com esperanças depois que pisaste distraída nas cascas de bananas deixadas pelos cosmonautas.
 
Se você já tem um amor, sugerias tu, uma boa época para viajar com ele começa na semana que sucede a Lua cheiaem Gêmeos. Busque novos ares, um ambiente leve e divertido, em que possa espairecer.
 
Se tem um amor uma ova, tinha, e o perdi justamente no dia em que relaxei e abri um sorriso indecoroso com aquele teu AMOR EM ALTA.
 
Reparo ainda aqui nas tuas previsões, amiga, que o libriano conhecerá alguém, ou, se tem uma relação estável, passará ótimos momentos a dois.
 
Como assim, conhecer alguém para depois me deparar outra vez, justo no bem-bom da história, com um assassino AMOR EM ALTA?!
 
Prefiro não conhecê-la nem bordada a ouro, nem vestida de bonequinha de luxo, nem com o bocão de Brigitte Bardot no auge, nem mesmo.
 
E não me venhas com outras adulações a respeito das finanças. Desde já, aviso, querida madame dos signos: não tentarei incorporar as oscilações do mercado e o lado inesperado da vida adaptando planos à realidade.
 
Tampouco vou me lixar para Marte e Plutão que alcançam Capricórnio, inaugurando uma fase importante para pensar investimentos familiares e gerenciamento de bens de raiz.
 
Danem-se os negócios imobiliários, a casa caiu, estimada senhora!
 
Que me importa a sorte no dinheiro se os cupins do amor festejam a minha ruína?!
 
Sem mais para o momento, carecia de tal desabafo sincero, me despeço carinhosamente, com um beijo de um admirador, ainda que desiludido.
 
P.S. A desalmada criatura que me levou ao pântano amoroso é de Áries, seja lá que diabos isso represente na minha peleja contra as atuais leis do cosmo.
 
 
Xico Sá
Folha de S. Paulo

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