“Chatologia” é a ciência que investiga a condição da chatice e as formas com que se estabelece, na natureza e na cultura, o sujeito portador e defensor de suas características; a saber, o chato. A chatologia estuda a origem, a estrutura, a lógica, a linguagem e os métodos, bem como os documentos, na intenção de estabelecer os parâmetros da importância social da chatice e o sentido de sua erradicação.
A chatologia é dividida em dois ramos, o teórico e o prático. Quanto ao primeiro, tal ciência orienta-se por duas perguntas básicas: (1) “em que consiste a chatice?”; (2) “quem é o chato?”. Quanto ao ramo prático, a ciência se orienta por responder duas outras questões: (1) “há cura para a chatice?”; (2) “como livrar-se do chato?”. No campo prático, o problema da violência relacionada ao chato tem chamado a atenção de estudiosos do mundo todo. A controvérsia acadêmica chega ao senso comum na forma de uma disputa na qual se põe em jogo se a chatice é, em si mesma, uma violência ou se a violência poderia ser usada como arma contra a chatice.
Estudos de antropologia da chatice têm investigado o estabelecimento do Movimento dos Chatos de Plantão. Contra ele, liminares cautelares e outras medidas judiciais têm tentado restabelecer o direito daqueles que o perderam quando da desesperadora vitória dos chatos.
Quanto à história da chatologia, estudos linguísticos em textos canônicos, da Bíblia aos jornais do começo deste século 21, demonstram que os chatos sempre existiram e continuarão existindo, embora a ciência que se tenha ocupado de desvendar seus mistérios tenha surgido apenas na Europa Medieval — como não poderia deixar de ser —, no contexto do cristianismo. Foi entre a Patrística e a Escolástica que o monge Philipus Azedus Scrotus escreveu um revolucionário “Tractatus Chatologicus” que dispôs as bases da chatologia que conhecemos hoje. No entanto, suas intenções metafísicas foram superadas pela chatologia epistemológica no “Elogio à Chatice” elaborado mais tarde por Clemente de Brasilis na direção de uma inovadora chatologia política e crítica. A motivação de Scrotus era atingir teologicamente o Papa Pio Dasquantus, mas alcançou proporções bem mais singelas, relativamente a uma tentativa de caracterizar a condição humana. Da época medieval à moderna, a chatologia não sobrevive sem os chatos e suas perguntas — para eles mesmos sempre essenciais — quanto a raça (“índios e outras etnias terão alma?”), gênero (“as mulheres terão alma?”) e política (“mulheres podem votar?”) e tudo o que concerne ao famoso “sexo dos anjos”. É desta época que o chato clássico que conhecemos hoje estabeleceu seu modus vivendi: ele é o dono da verdade incapaz de se colocar no lugar do outro.
Por fim, foi apenas a chatologia contemporânea que constitui uma evolução da chatologia hermenêutica que supera a chatologia ceticista, que nos permitiu ver o fundo moral e psíquico da chatice. Embora a chatologia moderna seja mais do que uma dogmática, e muito mais que uma retórica, seus defensores consideram que a chatice é simplesmente a verdade: sobre quem seja o chato não pairam dúvidas. A diferença fundamental, contudo, da chatologia contemporânea em relação às chatologias mais primitivas, e inclusive à moderna, é que o conceito de chatice atual constitui mais do que uma forma de paranoia em que o outro é negado. O que as pesquisas mais modernas nos fazem ver é que o chato portador da chatice é vítima de si mesmo.
Um estudo da psiquiatra australiana Milenna Kaphka (1999) mostra que o chato não acredita sequer em si mesmo. Por isso, seu sintoma é experimentado por todos. E ele precisa repetir-se à exaustão, impondo-se pela fala ou pela presença, falando o tempo todo de si, como se não existisse mundo, nem outras visões sobre isso que os outros chamam de mundo. Como se, no ato de dizer-se novamente, ele pudesse perfurar o outro, estrangular sua paciência, pisotear o bom senso e o senso de humor em nome de uma ideia fixa que oculta, no fundo, um ego não apenas frágil, mas em estado de putrefação. Isso explicaria porque as pessoas afastam-se do chato. É que, de certo modo, ele cheira mal. Por fim, a sensação que dá nome à chatice deriva da percepção de que algo que deveria mover-se, estagnou, de que algo que deveria crescer, permaneceu em um único platô. O chato é, por isso, o rei da platitude, como a pequena lagartixa que escorrega sem fixar-se em nada, como a mosca que voa explicando o sentido físico e metafísico da monotonia.
Mas a chatologia contemporânea, em sua intenção crítica, desenvolveu várias vertentes. Uma delas, e a mais comum, é a chatologia classificatória. Ela se ocupa de estabelecer a taxologia da chatice e dos chatos quanto à espessura, ao tamanho e ao alcance. Quanto a estes critérios, há os muito chatos, os simplesmente chatos e os levemente chatos. Autores como José Pequeno Gödel e João Grandão Einstein têm estudado a chatice na mídia, na universidade, na escola, nas comunidades, nas ruas, nos bailes e baladas, nas filas dos restaurantes e aviões, nos engarrafamentos, nas salas de espera, no cinema, nos shows de música e até mesmo no mercado. Laurita Dulce de Leche tem se dedicado ao desenvolvimento de uma “Chatologia comparativa” com base em estudos de Psicanálise e Teoria Queer. O Laboratório de Estudos da Chatice Escolar comandado pela Professora Doutora Tia Amélia da Silva tem publicado estudos importantes no campo da Pedagogia Chatológica com base em Teorias Conservadoras. Tais estudos, no entanto, têm fomentado dúvidas quanto ao sentido da chatologia. Se esta ciência não estaria incentivando o desenvolvimento da chatice em vez de sua eliminação.
Pesquisas recentes mostram que a chatice evolui proporcionalmente à evolução científica, religiosa e econômica da sociedade. Com o passar do tempo, a chatice se torna cada vez mais operante e difícil de definir e, portanto, de controlar. Infelizmente, as agências de fomento à pesquisa, no Brasil e no mundo, não têm dado a devida atenção aos estudos em chatologia e esta ciência não tem avançado como deveria na intenção da erradicação da chatice ou pelo menos de uma urgente Teoria Geral da Chatice. Medo dos consultores de tornarem-se alvo das pesquisas relativas à chatice geral? Ou certeza de que não se pode viver sem ela?
Por fim, esperamos que este verbete para o futuro Dicionário de Chatologia Geral não esteja, ele mesmo, pouco espesso.
Marcia Tiburi
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