Embora o tema apareça cada vez mais na mídia e esteja sempre presente na
literatura — no Dicionário Universal de Citações, de Paulo Rónai, há 148 frases
de escritores importantes falando de “morrer” e de “morte” — ele é meio tabu na
nossa vida privada, mesmo sendo o mais previsível e inevitável de todos, porque
é a única certeza que carregamos conosco.
Manuel Bandeira não quis lhe pronunciar o nome, chamando-a eufemisticamente
em um poema de “a indesejada das gentes”.
Já o escritor russo Nicolai Gogol disse que “a vida perderia toda beleza se
não houvesse a morte”. Será?
Não sei se é um dado da cultura nacional ou só familiar, mas desde pequeno
aprendi que este é um assunto que não se deve comentar. É como se falar dela
fosse uma forma de atraí-la.
“Não pensa bobagem, menino”, ouvi, quando pela primeira vez vi um caixão
aberto com um corpo dentro e quis saber se aquilo poderia acontecer comigo um
dia.
Até hoje a “indesejada” me assusta quando passa ameaçando um amigo ou quando
atinge outro diretamente. Ou quando deixa claro todo o seu absurdo, como o que
vivenciei dolorosamente esta semana, com uma irmã na UTI durante 65 dias lutando
desesperada e inutilmente para sobreviver.
Enquanto isso, Walmor Chagas escolhia como opção a morte voluntária,
desejada. De um lado, morrer sem querer, relutando; de outro, morrer por vontade
própria, se matando. É esse o sentido transcendental da vida?
A fé religiosa nos ensina que o desfecho aqui na Terra não é o fim, mas o
começo de uma nova etapa que vai se desenrolar no além.
Mas e quando ela, a fé, falha e em seu lugar surge a razão, como explicar
todo esse mistério? A exemplo de Drummond, “do lado esquerdo carrego meus
mortos./Por isso caminho um pouco de banda”.
Para os que ficam resta pouco: a catarse, a resignação, o consolo de que o
sofrimento é pior do que a morte.
Assim pensava Rubem Braga, que preparou meticulosamente sua saída de cena;
assim pensa muita gente, inclusive eu.
Tanto que tenho um pacto com um amigo (por motivos óbvios, parente não faz
esse tipo de acerto), segundo o qual, o último a sair apaga a luz, ou seja,
desliga os tubos do outro, se for preciso.
Para não dizer que estou muito mórbido, aí vai um belo sinal de vida. Recebi
esta semana a mais bonitinha declaração de amor de Alice por telefone, com sua
maneira original de dizer as coisas: “Vovô Zu, tô com falta de você.”
Aproveitando o tema: num país que já abateu a tiros quatro presidentes,
louve-se a coragem de Barack Obama de enfrentar a turma barra pesada do
bang-bang, isto é, a poderosa indústria da morte.
Zuenir Ventura
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