quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

De morte e vida

Embora o tema apareça cada vez mais na mídia e esteja sempre presente na literatura — no Dicionário Universal de Citações, de Paulo Rónai, há 148 frases de escritores importantes falando de “morrer” e de “morte” — ele é meio tabu na nossa vida privada, mesmo sendo o mais previsível e inevitável de todos, porque é a única certeza que carregamos conosco.
 
Manuel Bandeira não quis lhe pronunciar o nome, chamando-a eufemisticamente em um poema de “a indesejada das gentes”.
 
Já o escritor russo Nicolai Gogol disse que “a vida perderia toda beleza se não houvesse a morte”. Será?
 
Não sei se é um dado da cultura nacional ou só familiar, mas desde pequeno aprendi que este é um assunto que não se deve comentar. É como se falar dela fosse uma forma de atraí-la.
 
“Não pensa bobagem, menino”, ouvi, quando pela primeira vez vi um caixão aberto com um corpo dentro e quis saber se aquilo poderia acontecer comigo um dia.
 
Até hoje a “indesejada” me assusta quando passa ameaçando um amigo ou quando atinge outro diretamente. Ou quando deixa claro todo o seu absurdo, como o que vivenciei dolorosamente esta semana, com uma irmã na UTI durante 65 dias lutando desesperada e inutilmente para sobreviver.
 
Enquanto isso, Walmor Chagas escolhia como opção a morte voluntária, desejada. De um lado, morrer sem querer, relutando; de outro, morrer por vontade própria, se matando. É esse o sentido transcendental da vida?
 
A fé religiosa nos ensina que o desfecho aqui na Terra não é o fim, mas o começo de uma nova etapa que vai se desenrolar no além.
 
Mas e quando ela, a fé, falha e em seu lugar surge a razão, como explicar todo esse mistério? A exemplo de Drummond, “do lado esquerdo carrego meus mortos./Por isso caminho um pouco de banda”.
 
Para os que ficam resta pouco: a catarse, a resignação, o consolo de que o sofrimento é pior do que a morte.
 
Assim pensava Rubem Braga, que preparou meticulosamente sua saída de cena; assim pensa muita gente, inclusive eu.
 
Tanto que tenho um pacto com um amigo (por motivos óbvios, parente não faz esse tipo de acerto), segundo o qual, o último a sair apaga a luz, ou seja, desliga os tubos do outro, se for preciso.
 
Para não dizer que estou muito mórbido, aí vai um belo sinal de vida. Recebi esta semana a mais bonitinha declaração de amor de Alice por telefone, com sua maneira original de dizer as coisas: “Vovô Zu, tô com falta de você.”
 
Aproveitando o tema: num país que já abateu a tiros quatro presidentes, louve-se a coragem de Barack Obama de enfrentar a turma barra pesada do bang-bang, isto é, a poderosa indústria da morte.

 
Zuenir Ventura

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