segunda-feira, 7 de novembro de 2011

João Guimarães Rosa gabava-se de escrever de pé, em seu apartamento na rua Francisco Otaviano. Gostava muito de lápis, de cuja ponta cuidava com esmero. (...) Até que o "santo" baixava e se punha a escrever febrilmente.

Sua concepção de literatura era meio mediúnica. Tudo já foi escrito, dizia. O escritor era assim apenas um intermediário, escolhido para recolher o texto, quase psicografá-lo(...) Citava como exemplo "A terceira margem do rio", um conto que considerava de muita sorte. A própria inspiração veio-lhe de graça, Ele estava no Itamaraty, diretor do Serviço de Demarcação de Fronteiras, quando sentiu aproximar-se a aura. Ao ter certeza de que a história vinha com força, saiu, pegou o bonde na rua Larga e foi para a casa, no Posto Seis, em Copacabana.

Durante a viagem, o conto delineou-se e surgiu inteiro, irretocável. Rosa o conduzia com o maior cuidado, para que não fugisse, nem se evaporasse. Levava-o - a imagem é dele - com a cautela de uma criança que leva um balão colorido que pode arrebentar. Desceu e foi direto para à mesa de trabalho. "A terceira margem do rio" saiu num jato, praticamente sem precisar de revisão.


(Otto Lara Resende, janeiro de 1981)

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