Olho para minha biblioteca como para um animal selvagem, jibóia preguiçosa que se extendesse do escritório à sala, deixando sinais úmidos de passagem pelo quarto. Quando o animal invadir a cozinha talvez seja hora de devolvê-lo à selva, ou de sair de casa entregando o espaço à sua própria natureza. Medida que não me ocupa no momento em que ainda estabeleço convivência pacífica com estes excessos sinuosos antes que me devorem. Na verdade, não tenho tantos livros, apenas o suficiente, e suficientemente organizados/desorganizados, para achar e/ou perdê-los todos os dias. Pelo menos um.
Assim como perco um livro por dia, penso que posso aproveitar para falar de um deles de vez em quando. Não apenas dos que perco, mas também dos que encontro. Dia desses no twitter a Ana Lúcia me deu esta idéia de falar de um livro- um dia – como acontece em alguma TV francesa. Não farei isso neste espaço do blog porque não há este tempo disponível para atualizá-lo. Mas penso que de vez em quando é possível escrever sobre. (E fico pensando como o blog que parecia tão rápido tornou-se lento perto do microblog Twitter que uso tanto…)
Como muitos dos meus leitores sabem, eu defendo a idéia de uma leitura afetiva contra a impotência da análise crítica (que, ainda que possa ser muito boa, não serve necessariamente para estimular a leitura, que é, atualmente o que eu mais espero). Por isso, o livro que eu escolhi hoje foi um que eu achei ao acaso, que me apareceu quando eu procurava por outro – que permanece perdido. Trata-se de CADA HOMEM É UMA RAÇA do escritor moçambicano Mia Couto (RJ: Nova Fronteira, 1998). Lembro que o li há uns 10 anos e que o que mais me agradou foi a experiência com a forma da língua portuguesa tal como a pode usar um escritor moçambicano. Fico sempre curiosa com os usos da nossa língua comum por parte dos escritores de países diferentes. Os angolanos, os portugueses, os brasileiros, os habitantes do Cabo-Verde ou de Guiné-Bissau – além de outros países – fazem um uso diferente da língua e os escritores ainda mais. Escrever é encontrar uma voz própria, uma palavra pessoal, dentro da língua comum.
Mia Couto é um grande escritor da nossa língua e neste livro de “estórias” como nos afirma o subtítulo sinalizando o gênero do que iremos ler, é um livro dos melhores que já li. Do primeiro conto A Rosa Caramela ao último Os Mastros do Paralém, o que lemos nos põe em lugares de viagem, passagem, paragem:
“VIVEMOS longe de nós, em distante fingimento. Desaparecemo-nos. Porque nos preferimos nessa escuridão interior? Talvez porque o escuro junta as coisas, costura os fios no disperso. No aconchego da noite, o impossível ganha a suposição do visível. Nessa ilusão descansam os nossos fantasmas.” (O Pescador Cego)
Ou ainda:
“NAQUELA noite, as horas me percorriam, insones ponteiros. Eu queria só me esquecer-me. Assim deitado, não sofria outra carência que não fosse, talvez, a morte. Não aquela, arrebatada e definitiva. A outra: a morte-estação, inverno subvertido por guerrilhaeiras florações”. (Mulher de Mim).
Ler é bom porque nos faz voltar pra gente mesmo indo mais longe sem sair do ligar. Como diz um provérbio macúa citado por Mia Couto, ” O barco de cada um está em seu próprio peito”.
Marcia Tiburi
Assim como perco um livro por dia, penso que posso aproveitar para falar de um deles de vez em quando. Não apenas dos que perco, mas também dos que encontro. Dia desses no twitter a Ana Lúcia me deu esta idéia de falar de um livro- um dia – como acontece em alguma TV francesa. Não farei isso neste espaço do blog porque não há este tempo disponível para atualizá-lo. Mas penso que de vez em quando é possível escrever sobre. (E fico pensando como o blog que parecia tão rápido tornou-se lento perto do microblog Twitter que uso tanto…)
Como muitos dos meus leitores sabem, eu defendo a idéia de uma leitura afetiva contra a impotência da análise crítica (que, ainda que possa ser muito boa, não serve necessariamente para estimular a leitura, que é, atualmente o que eu mais espero). Por isso, o livro que eu escolhi hoje foi um que eu achei ao acaso, que me apareceu quando eu procurava por outro – que permanece perdido. Trata-se de CADA HOMEM É UMA RAÇA do escritor moçambicano Mia Couto (RJ: Nova Fronteira, 1998). Lembro que o li há uns 10 anos e que o que mais me agradou foi a experiência com a forma da língua portuguesa tal como a pode usar um escritor moçambicano. Fico sempre curiosa com os usos da nossa língua comum por parte dos escritores de países diferentes. Os angolanos, os portugueses, os brasileiros, os habitantes do Cabo-Verde ou de Guiné-Bissau – além de outros países – fazem um uso diferente da língua e os escritores ainda mais. Escrever é encontrar uma voz própria, uma palavra pessoal, dentro da língua comum.
Mia Couto é um grande escritor da nossa língua e neste livro de “estórias” como nos afirma o subtítulo sinalizando o gênero do que iremos ler, é um livro dos melhores que já li. Do primeiro conto A Rosa Caramela ao último Os Mastros do Paralém, o que lemos nos põe em lugares de viagem, passagem, paragem:
“VIVEMOS longe de nós, em distante fingimento. Desaparecemo-nos. Porque nos preferimos nessa escuridão interior? Talvez porque o escuro junta as coisas, costura os fios no disperso. No aconchego da noite, o impossível ganha a suposição do visível. Nessa ilusão descansam os nossos fantasmas.” (O Pescador Cego)
Ou ainda:
“NAQUELA noite, as horas me percorriam, insones ponteiros. Eu queria só me esquecer-me. Assim deitado, não sofria outra carência que não fosse, talvez, a morte. Não aquela, arrebatada e definitiva. A outra: a morte-estação, inverno subvertido por guerrilhaeiras florações”. (Mulher de Mim).
Ler é bom porque nos faz voltar pra gente mesmo indo mais longe sem sair do ligar. Como diz um provérbio macúa citado por Mia Couto, ” O barco de cada um está em seu próprio peito”.
Marcia Tiburi
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