quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O nome


Cidadezinha do interior é danado para ainda ter comerciante que se aventura no prático e providencial “pendura para o fim do mês”, e lá vai ele tomar nota, ou melhor, esperar a nota na velha e surrada cadernetinha de balcão. Geralmente consome-se a mercadoria primeiro para só depois arrematar: “depois a gente acerta” ou “no fim do mês a gente vê isso aí”. O ruim é quando chega o final do mês e o bodegueiro continua no “vamos ver”. Mas, no geral, excetuando-se aqueles devedores natos, digo, aqueles “esquecidos contumazes", a grande maioria da freguesia salda a dívida sim, seja no recebimento do “aposento” ou quando da venda de uma galinha gorda no sábado, na feira.

Vi isso acontecer a vida inteira e estive dos dois lados. Meu pai foi comerciante, ouvi muito “pendura aí” seu Teófilo! Mas isso já é outra história e vai ficar, quem sabe, para uma outra vez. O certo é que dívida contraída e com uns trocados no bolso, corri os olhos no catatau de vales e logo me acorreu o do Sr. Aluísio, dono de uma antiga bodega onde se vende de quase tudo, inclusive fiado.

- Seu Aluísio, meu vale?!
-Pois não, somo já já.
-Pronto! Concluiu ele: dois cocorotes e uma broa preta, dá um real e cinquenta centavos.

E de imediato entregou-me o vale escrito em papel de embrulho surrado onde se lia: “Teodilo Junho”, e mais a frente os valores numéricos da mercadoria vendida: R$ 1,50.

Ao pé da letra, percebi de pronto naquela vale: o meu nome! Não só pelo erro ortográfico como se postava naquele papelzinho de embrulho, mas na própria essência do nome, na sua formação etimológica em si. Ora, primeiro, porque nascido no sertão da Paraíba tinha tudo para me chamar Chico, Geraldo ou Zé, mas me resolveram Teófilo. Na verdade Teófilo Júnior com Félix de França pelo meio.

Teófilo é palavra originária do latim (junção de teo = Deus e filos = amigo). Em suma, meu nome é a junção de dois significados que se unem para dizer que sou “amigo de Deus”. É muita definição e arrumação para aquela época, sobretudo porque meus avós não conheciam o vernáculo latino e eram analfabetos. O que me restou saber é de onde desenterraram esse nome? Do calendário! Meu pai nasceu no dia de São Teófilo e como tal foi batizado por ideia de algum pároco daquela época usuário do calendário de folhinha.

Bom, o certo é que o imbróglio acabou sobrando para mim. Filho primogênito, meu pai cismou de homenagear-se batizando-me com o seu nome, acrescentando como diferencial o “Júnior”.

Desde então descobri que não é fácil ter o nome do pai e ser o filho. A princípio você será sempre uma justa homenagem, ao seu pai, claro! Depois tem aqueles inconvenientes de alguém ligar para sua casa procurando por Teófilo e lá vem os dois socorrerem o telefone, dentre outras confusões domésticas mais.

O certo é que desde cedo procurei me firmar como Júnior: “aquele que é mais jovem”, “iniciante” “o mais jovem de dois parentes homônimos”. Mas não é fácil. Todos me querem Teófilo e isso vem me desassossegando o juízo. Já pensou se me convencem e eu invento de chamar o meu filho de Teófilo III ? Seria demais.

Mas não me rendi e continuei na luta de firmar-me como Júnior. Pelo menos até esta semana. É que visitando a velha banca de revistas da praça do centenário descobri muito recentemente entre os livros e jornais o mais novo lançamento editorial do momento: uma nova revista gay chamada "Júnior". Ah, como assim? Júnior? É isso mesmo! Trata-se de uma espécie de Capricho para adolescentes gays do sexo masculino. Arrematou o livreiro.

- É Teófilo, já não se fazem nomes próprios nem batizam revistas como antigamente.


Teófilo Júnior

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