Foto Flickr/Alessandra
O psicanalista Mario Corso fala sobre sua experiência e o motivo de tantos jovens terem ideação suicida
Em 2006, a morte do adolescente Vinícius
Gageiro Marques virou notícia no Brasil inteiro. O garoto fez uma
espécie de minuto a minuto do seu suicídio na internet. Ele foi
encorajado e mesmo instruído por anônimos, que fizeram uma série de
recomendações sobre o processo. Na época, Vinícius estava em internação
domiciliar por sugestão de seu psicanalista, Mario Corso. “A internet
foi absolutamente decisiva. Enquanto eu fazia um trabalho para puxá-lo
de volta à vida, não sabia que tinha gente fazendo o contrário na
internet”, diz.
Mais de dez anos depois, Corso ainda recebe
e-mails de jovens suicidas que o encontraram graças à cobertura do caso
de Vinícius. Confira nossa conversa com o psicanalista:
Em geral, pode-se dizer que a adolescência é o período mais vulnerável da vida?
Em geral, pode-se dizer que a adolescência é o período mais vulnerável da vida?
Sim, é quando mais ocorrem surtos psicóticos e inícios de depressão. Uma metáfora muito bonita sobre essa fase foi feita pela psicanalista Françoise Dolto, que comparou a adolescência a uma espécie de “complexo de lagosta”. É que a lagosta, de tempos em tempos, precisa fazer um novo exoesqueleto, e tem um momento em que ela fica sem a carapaça, que é a sua proteção natural. Para os seres humanos, a adolescência é justamente esse momento: os adolescentes são todos lagostas sem carapaça. Nós não percebemos o quanto algumas coisas podem ser sofridas na adolescência, quando ainda não estamos protegidos pela carapaça do mundo adulto e sofremos direto na pele.
É possível apontar características partilhadas por adolescentes com ideação suicida?
Fazer essa generalização é impossível, são tantas causas particulares da fragilidade de cada um... O grande desafio da adolescência é ter pares, ter amigos, pessoas que ajudem nesse momento de travessia. Fazer isso sozinho, sem amigos, é um inferno. Às vezes esses adolescentes até têm turma, mas essa turma não os conhece, não os ajuda. Nessa fase, tudo que os ajudava na infância, estarem cercados de uma família que os ama, não funciona mais. O desafio é outro, é sair para o mundo. Então, se você não tem essa conquista dos laços laterais, entre os seus pares você é considerado um fracasso, porque o processo de aprendizagem de ser adulto é validado pelos amigos. Em geral, a dificuldade de inserção social é a razão que mais faz com que eles desistam da vida.
Você disse na época que a internet foi decisiva para que Vinícius se matasse. como você vê o “jogo” Baleia Azul, em que adolescentes recebem uma série de tarefas pelas redes sociais sendo que a última é tirar a própria vida?
Quem aceita um jogo desses tem, no mínimo, uma personalidade quase psicótica — e, durante a adolescência, não é que necessariamente essas pessoas sejam psicóticas, elas ficam psicóticas. Como a nossa sociedade não tem rituais que digam o que você deve fazer para ser considerado adulto, os participantes desse jogo me parecem estar desesperados para que alguém conte a eles como entrar na vida adulta. É importante dizer que a adolescência é uma invenção recente. No século 19, com 17 anos você estava casado e começando a trabalhar. Esse período de suspensão, de estudos, é uma novidade. Não existia essa dilatação de tempo antes da entrada no mundo adulto. Indo ainda mais longe, em sociedades arcaicas a passagem para a vida adulta de fato era marcada por rituais que envolviam, por exemplo, cortes na pele. Existia uma marca exterior que dizia a sua idade e como você deveria se comportar. Hoje, isso é uma construção subjetiva.
Mas, no caso do Baleia Azul, esse ritual culminaria na morte, e não na chegada à vida adulta.
Mas aí você mata a criança que você não quer mais ser. Morre uma condição infantil sua.
Depois da morte de Vinícius, você continuou investigando a influência da internet em outros casos de tentativa de suicídio?
Eu continuei envolvido com esse assunto sem querer, digamos assim. Desde aquela época, recebo pelo menos uma vez por mês e-mails de jovens que dizem que não têm mais razões para viver e que sabem que eu já havia falado sobre isso. Aí eu sugiro que procurem tratamento, e quase sempre consigo encaminhar para colegas. Mas, no ano passado, foi muito difícil contornar um caso. O menino, que era de Belém [Corso mora em Porto Alegre], tinha uma ideação suicida muito forte. Aí fui à polícia e, no fim, conseguimos encaminhá-lo para um tratamento.
Nesse caso, então, em vez de procurarem um incentivo ao suicídio, esses adolescentes buscaram o contrário: alguém que os convencesse de que esse não era o melhor caminho. É possível dizer que a internet fez bem a eles?
Sim. A internet continua um faroeste, um lugar para o qual ainda não encontramos uma etiqueta. Mas, por outro lado, muitos adolescentes que são tímidos encontram nela um ótimo lugar para estabelecer laços. Quem tem uma fobia social consegue circular um pouco pelo mundo, fazer amigos virtuais, e isso pode ser de uma ajuda extraordinária. Eu não acho que a internet seja um problema, o problema somos nós. É como o papel: você pode imprimir qualquer coisa nele.
Qual deve ser o comportamento dos pais em relação às angústias dos filhos adolescentes?
O mais importante é ficar muito atento ao que eles estão dizendo e nunca vir com essa palhaçada de pensamento positivo, de “vamos superar”. O mais perigoso é o discurso do pensamento positivo, porque não permite que o jovem expresse a sua tristeza. E, se ele não puder falar sobre a sua dor, se não conseguir se expressar verbalmente, ele vai fazer isso por meio de atos. É preciso ajudá-los a fazer a narrativa da sua angústia, isso ajuda muito. É por isso que a Hannah [protagonista de 13 Reasons Why] não parece uma personagem verossímil, porque ela tem uma narrativa muito clara da sua dor. Pessoas assim não se matam. Mas, claro, ela é uma personagem de ficção, não precisa mesmo ser verossímil.
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