Ora, um boato é uma espécie de
enjeitadinho que aparece à soleira duma porta, num canto de muro ou
mesmo no meio duma rua ou duma calçada, ali abandonado não se sabe por
quem; em suma, um recém-nascido de genitores ignorados. Um popular
acha-o engraçadinho ou monstruoso, toma-o nos braços, nina-o, passa-o
depois ao primeiro conhecido que encontra, o qual por sua vez entrega o
inocente ao cuidado de outro ou de outros, e assim o bastardinho vai
sendo amamentado de seio em seio ou, melhor, de imaginação em
imaginação, e em poucos minutos cresce, fica adulto - tão substancial e
dramático é o leite da fantasia popular - começa a caminhar pelas
próprias pernas, a falar com a própria voz e, perdida a inocência, a
pensar com a própria cabeça desvairada, e há um momento em que se
transforma num gigante, maior que os mais altos edifícios da cidade,
causando temores e às vezes até pânico entre a população, apavorando até
mesmo aquele que inadvertidamente o gerou.
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