(Spellbound, de Hitchcock)
Toda leitura exige um esforço de imaginação. O simples fato de você
enxergar estes insetozinhos pretos na página do jornal e imaginar que
estamos dialogando é uma prova do quanto a ficção é necessária para
acessarmos a realidade.
A gente lê na manchete do jornal: “Furacão mata dez mil pessoas em Myanmar”. Que gigantesca ficção mental temos que montar para entender esta frase!
Primeiro, temos que imaginar um furacão, que nunca vimos ao vivo (eu pelo menos não). Nossa referência sobre ele são algumas imagens desfocadas na TV.
Depois temos que imaginar o que são dez mil pessoas, dez mil seres humanos. Eu acho impossível imaginar com um mínimo de nitidez dez mil indivíduos, dez mil rostos, dez mil nomes, dez mil biografias. O que fazemos? Eu, pelo menos, visualizo uma poeira de pontinhos pretos espalhada sobre um mapa.
E finalmente temos que imaginar o que é Myanmar, um país que mudou de nome há algum tempo e que eu conhecia pelo nome anterior. Não faço a mínima idéia de onde fica. Como dizia a tia de Quaderna, “deve ser longe como o diabo, ali por perto da Turquia, já quase na beira do mundo!”
Será, amigos, que a imagem mental que me produz aquela manchete é igual à sua? Duvido que seja, e que duas pessoas imaginem uma mesma coisa do mesmo jeito. Cada um de nós produz ficções mentais sobre tudo que lê e imagina.
E quantas vezes, ao nos depararmos em carne e osso com uma pessoa ou um local de quem ouvíamos falar, verificamos que “não é como imaginávamos”! Quando a imagem do nosso arquivo mental é desmentida pela dura realidade, sentimo-nos quase ofendidos, como se alguém estivesse nos chamando de mentirosos.
Muitas experiências turísticas redundam em desapontamento quanto o turista abrigava em si imagens mentais meio fantasiosas. Para não falar em namoros por correspondência.
Por isso me surpreendo quando alguns amigos me dizem que não conseguem ler ficção científica porque não conseguem visualizar o planeta Trantor de Asimov, ou a cidade futurista de Nessus, de Gene Wolfe. Não obstante, esses meus colegas lêem Homero, lêem Cervantes, lêem Tolstoi. Quantos já terão visto uma trirreme, um moinho de vento, uma estepe nevada?
Imaginar é tudo. Quem rejeita a literatura imaginativa, rejeita o fenômeno literário por inteiro. Quem duvida de Flash Gordon tem que duvidar também de Madame Bovary. Quem recua diante de um futuro “cyberpunk” deveria recuar também diante dos castelos de Proust.
A imaginação criativa não é necessária apenas para ler e escrever os contos de Andersen ou os romances de Kafka: ela é necessária também para ler livros de História do Brasil, relatos jornalísticos sobre a Guerra do Iraque, romances realistas.
Se uma literatura específica exige mais da nossa imaginação, é porque ainda temos o que aprender, ainda temos o que crescer como leitores. A ficção científica está aí para isso mesmo – para que possamos imaginar o mundo real e enxergá-lo melhor.
A gente lê na manchete do jornal: “Furacão mata dez mil pessoas em Myanmar”. Que gigantesca ficção mental temos que montar para entender esta frase!
Primeiro, temos que imaginar um furacão, que nunca vimos ao vivo (eu pelo menos não). Nossa referência sobre ele são algumas imagens desfocadas na TV.
Depois temos que imaginar o que são dez mil pessoas, dez mil seres humanos. Eu acho impossível imaginar com um mínimo de nitidez dez mil indivíduos, dez mil rostos, dez mil nomes, dez mil biografias. O que fazemos? Eu, pelo menos, visualizo uma poeira de pontinhos pretos espalhada sobre um mapa.
E finalmente temos que imaginar o que é Myanmar, um país que mudou de nome há algum tempo e que eu conhecia pelo nome anterior. Não faço a mínima idéia de onde fica. Como dizia a tia de Quaderna, “deve ser longe como o diabo, ali por perto da Turquia, já quase na beira do mundo!”
Será, amigos, que a imagem mental que me produz aquela manchete é igual à sua? Duvido que seja, e que duas pessoas imaginem uma mesma coisa do mesmo jeito. Cada um de nós produz ficções mentais sobre tudo que lê e imagina.
E quantas vezes, ao nos depararmos em carne e osso com uma pessoa ou um local de quem ouvíamos falar, verificamos que “não é como imaginávamos”! Quando a imagem do nosso arquivo mental é desmentida pela dura realidade, sentimo-nos quase ofendidos, como se alguém estivesse nos chamando de mentirosos.
Muitas experiências turísticas redundam em desapontamento quanto o turista abrigava em si imagens mentais meio fantasiosas. Para não falar em namoros por correspondência.
Por isso me surpreendo quando alguns amigos me dizem que não conseguem ler ficção científica porque não conseguem visualizar o planeta Trantor de Asimov, ou a cidade futurista de Nessus, de Gene Wolfe. Não obstante, esses meus colegas lêem Homero, lêem Cervantes, lêem Tolstoi. Quantos já terão visto uma trirreme, um moinho de vento, uma estepe nevada?
Imaginar é tudo. Quem rejeita a literatura imaginativa, rejeita o fenômeno literário por inteiro. Quem duvida de Flash Gordon tem que duvidar também de Madame Bovary. Quem recua diante de um futuro “cyberpunk” deveria recuar também diante dos castelos de Proust.
A imaginação criativa não é necessária apenas para ler e escrever os contos de Andersen ou os romances de Kafka: ela é necessária também para ler livros de História do Brasil, relatos jornalísticos sobre a Guerra do Iraque, romances realistas.
Se uma literatura específica exige mais da nossa imaginação, é porque ainda temos o que aprender, ainda temos o que crescer como leitores. A ficção científica está aí para isso mesmo – para que possamos imaginar o mundo real e enxergá-lo melhor.
Bráulio Tavares
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