sábado, 19 de agosto de 2017

A nobreza obriga

(Rudyard Kipling)

Um poema de Bertolt Brecht (“A Lenda da Origem do Livro do Tao-Te-King, de Lao-Tsé”) conta como surgiu o Tao Te King, ou Livro do Caminho Perfeito, o mais enigmático e mais interessante livro da filosofia oriental.

Brecht relata que aos 70 anos Lao-Tsé pretendia se aposentar, aí empacotou suas coisas, montou num boi (costume chinês) guiado por um rapazinho, e partiu. Ao chegar na fronteira um guarda da alfândega perguntou quem era ele, para onde ia. O rapaz explicou. O guarda bateu um papo com o filósofo, achou interessantes as coisas que ele disse, aí propôs: “Eu deixo o senhor passar, se o senhor escrever essas coisas. Vai que depois o senhor morre, ou não volta mais...”

Durante sete dias Lao-Tsé ficou hospedado na cabana do guarda, escrevendo. Ao partir (para sempre), deixou para trás um manuscrito: o “Tao Te King”.

Num poema de Rudyard Kipling (“A Ponte de Akbar”) o Rei da Índia (ou coisa equivalente), Muhammed Akbar, encarrega seu Vice-Rei de construir a mais bela mesquita do mundo, e vai para a cidade de Jaunpore para supervisionar a construção.

Uma noite, ele vai passear disfarçado na beira do rio (como faziam os califas das Mil e Uma Noites, para saber o que o povo dizia de seu governo), quando vê uma mulher junto a um barco, praguejando contra o barqueiro ausente. É a Viúva do Poteiro, uma figura folclórica local. O Rei se oferece para levá-la ao outro lado do rio, remando.

O Rei começa a remar, e a mulher esculhamba com ele o tempo todo: “Já não basta meu atraso e o barqueiro não aparecer, quem aparece é um jumento como esse, que nem remar sabe!” O Rei na dele, calado.


 O Rei a deixa sã e salva do outro lado, e ao tentar abraçá-la em despedida leva uma sapatada na cara, pelo desaforo. Volta ao Palácio, chama o Vice-Rei e diz: “Suspende a mesquita, e constrói uma ponte, pra ver se aquela bruxa sossega.” A Ponte está lá, até hoje.


O guarda-da-fronteira e a viúva são parceiros no livro e na ponte. Um sujeito sábio não tem medo de escutar os outros, e um sujeito poderoso não tem medo de admitir que cometeu um erro. Um filósofo não é apenas um cara que tem boas idéias, ele sabe reconhecer uma boa idéia alheia.

“Noblesse oblige”. A nobreza obriga a tratar nobremente os que não são nobres, por compreender que nem todos o são. Ouvir com atenção os conselhos dos iletrados, e tratar os mal-educados com cortesia. Nobre é um sujeito, rico ou pobre, que impõe a si mesmo um padrão elevado, e procura puxar para esse nível de comportamento ele mesmo e todas as outras pessoas com quem se relaciona.

Ser nobre não é ser superior, é reconhecer que existe um modo superior de ser, e que todos, sem exceção, devem se esforçar para ser assim. 

Bráulio Tavares

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