A presidente não só saiu do seu retiro silencioso para conversar com os jornalistas, como se esforçou para demonstrar descontração e bom humor
Desta vez não se ouviu a alegação do Planalto e arredores de que as manifestações que reuniram no domingo cerca de dois milhões de pessoas em todo o país foram obra da “elite branca”, da “mídia golpista” ou dos “ricos”, talvez porque se saiba que estes não são tantos assim (a ridícula hipótese da ação da CIA, levantada pelo líder do PT na Câmara, Sibá Machado, não foi levada a sério por ninguém).
Também não se questionou a precisão dos números, se foram exatos um milhão ou 250 mil manifestantes em São Paulo, 50 mil em Brasília ou 25 mil no Rio. Mais importante do que a quantidade, foi o bom comportamento da maioria dos participantes. Em suma, não se tentou tapar o sol com a peneira.
Ao contrário de desqualificar o movimento, como se tentou fazer antes, preventivamente, nas redes sociais, o dia seguinte foi de elogios aos protestos, por parte de ministros e da própria presidente. Tanto que o efeito mais imediato da jornada de 15 de março foi de natureza vocabular: a rápida inclusão do termo “humildade” no discurso oficial, passando a ser usado até por Dilma, com quem combina tanto quanto uma sandália franciscana.
A presidente não só saiu do seu retiro silencioso para conversar com os jornalistas, como se esforçou para demonstrar descontração e bom humor. Só uma vez usou aquele “minha querida”, cujo tom em geral quer dizer o contrário e faz a repórter tremer.
Dilma pós-manifestações parecia em campanha. Prometeu diálogo, admitiu a possibilidade de “algum erro de dosagem” na economia e falou bem de atos que, afinal, foram de repúdio a ela, ao PT, ao escândalo da Petrobras, à crise econômica, ao aumento do custo de vida, às deficiências na saúde e na educação.
Enfim, repúdio a seu governo como um todo. Não era com ela. A questão é que as ruas não querem mais discursos e lero-lero, como ficou demonstrado depois da passeata dos indignados, quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto, tentaram apaziguar a massa com a apresentação de velhas e superadas propostas.
Enquanto falavam, a resposta foi o panelaço em bairros de várias cidades. Quem percebeu o perigo do engodo foi o líder do governo na Câmara dos Deputados, o petista José Guimarães, que, com muita propriedade chamou a atenção de seus companheiros de partido e da Presidência, advertindo: “As ruas mostraram que querem mudança. Ou fazemos ou as ruas nos engolem”.
Ele tem razão. As promessas deram certo para eleger Dilma, mas dificilmente serão suficientes para ela governar. A paciência da plateia está acabando, se é que já não acabou.
Zuenir Ventura
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