sábado, 10 de março de 2012

Escolhas certas

O destino de cada pessoa depende, em grande parte, das escolhas que ela faz ao longo de sua vida; além de fatores sobre os quais não tem controle. No caso das nações, salvo acidentes naturais, o destino depende inteiramente das decisões tomadas de maneira coletiva pela sociedade.

A realidade brasileira é o resultado de nossas decisões no passado. E, pelo que vemos da nossa realidade, muitas escolhas foram erradas.

Erramos quando, em nome do novo Brasil que surgia, Portugal escolheu o caminho do latifúndio, do açúcar e da escravidão, ao invés de uma economia voltada para o mercado interno, produção em pequenas propriedades, como no norte dos Estados Unidos da América.

Fizemos também a escolha errada ao abandonarmos a educação, proibirmos gráficas e jornais, quase que impondo o analfabetismo pleno ou funcional a todo o novo país. Foram escolhas erradas, mesmo que não por culpa do novo país ainda sem vontade própria.

Quando ficamos independentes, fizemos escolhas erradas ao manter a escravidão por longos 70 anos, com a mesma economia agrária exportadora, latifundiária, com o mesmo abandono da educação. Escolhemos erradamente não distribuir terra aos escravos libertos, não garantir-lhes nenhum direito, nem educar os seus filhos.

Modernamente, fizemos a escolha errada ao abandonar os sistemas de transporte ferroviário e fluvial pela opção da indústria automobilística como o motor do progresso. Esta escolha marcou o Brasil, induzindo ao endividamento, a concentração da renda para viabilizar a demanda dos novos bens industriais de alto valor.

Fizemos a escolha errada de basear nossa indústria em tecnologias importadas intensivas, por meio de capital que não tínhamos, e dispensando a mão de obra que tínhamos sobrando.

Erramos na escolha de consumir, ao invés de poupar; de desmatar, ao invés de proteger as florestas; de forçar uma urbanização apressada, ao invés de investir nas cidades menores.

Sobretudo, erramos ao escolher a opção de financiar os custos de infraestrutura utilizando mecanismos inflacionários que corroeram o tecido social ao longo de décadas.

Escolhemos erradamente a ditadura como forma de impor a continuação das escolhas erradas, ao invés de apostar na democracia como a forma de corrigir os rumos com novas escolhas.

Nos últimos 20 anos, com a correta opção democrática, fizemos a escolha errada de induzir o ensino superior, enquanto abandonamos a educação de base que serve de alicerce a todo o edifício social.

Agora estamos errando na escolha de como combater a violência. Ao invés de escolher a construção de uma sociedade pacífica estamos escolhendo o caminho de garantir segurança para proteger a população rica, convivendo com a violência.

Ao invés de encarar o problema da violência, procurando pacificar a sociedade brasileira, optamos pelo gasto de bilhões de reais para a proteção da violência urbana ao redor.

A elite usa carros blindados; seus filhos são rodeados de seguranças nas casas e mesmo nas ruas; compra bonecos inflados, para dar a impressão de que há passageiros dentro do carro.

As pessoas passam de carro diversas vezes diante das próprias casas, sem parar, para ver se há algum estranho por perto; armam-se e fazem cursos de defesa pessoal; inundam as ruas de filmadoras contra os ladrões, mas que acabam com a privacidade de todos; vivem cercados por muros e grades dos condomínios e dos shoppings; encastelam-se e aprisionam-se para obterem segurança ao invés de paz.

Estas são escolhas erradas. É preciso segurança contra a violência atual, mas ela será um luta suicida se não fizermos a escolha correta de iniciarmos a construção de uma sociedade unificada, pacífica, ao invés de dividida e protegida.

A opção de paz, ao invés de opção de segregação, consiste em menos muros e em mais pontes. Uma ponte seria a adoção de uma geração de brasileiros, com toda ela em escola de qualidade, garantindo oportunidades para todos, criando uma sociedade com a produtividade do conhecimento e a consciência da paz e do respeito.

Isto é preciso e é possível.

Mas a nossa história mostra uma trágica preferência por escolhas erradas e parciais, prisioneiras do imediatismo, que desprezaram as escolhas definitivas e de longo prazo.

Talvez porque depois de uma, duas, três ou mais escolhas erradas a mudança do destino fica mais difícil, mesmo diante das escolhas certas.


Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF

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