domingo, 31 de outubro de 2010

O desejo do tempo

Os antigos gregos tinham em Chronos, deus do tempo, a imagem do pai todo poderoso devorador dos filhos. Ele criava, ele mesmo aniquilava. O tempo cronológico é apenas o tempo que passa. Mas a experiência do tempo não passa tão simplesmente, somos nós que passamos por ela. Nos constituímos, em nossa interioridade, a partir dela. Como dizia Santo Agostinho, o tempo é algo complexo demais, sendo muito difícil para cada um explicá-lo. Tanto quanto é fácil de entender, pois estamos nele desde sempre. O tempo nos possui e não o contrário.

Um dia de cada vez.

É melhor viver um dia de cada vez? É provável que ouçamos ou pronunciemos esta frase em vários momentos da vida. Quando incertezas e desesperanças se põem em cena é a reflexão sobre o tempo (seja ele dito na forma dos dias, das horas, do tempo ao tempo) que sustenta nossas ponderações. Ou na básica ansiedade que move o cotidiano, quando não compreendemos as próprias direções, quando, sem perspectiva ou foco, parece que não buscamos nada. Ansiosos quando queremos muito, nem sempre sabemos bem o que queremos. E nos angustiamos porque estamos no tempo, medido, e não na eternidade, desmedida. A vida exige solução, mas o tempo é o limite de toda vontade. Por isso, ele também é possibilidade.

A frase traz uma sabedoria básica na forma de um conselho sobre o uso e a compreensão do tempo, do qual depende o desejo, nome que se dá ao modo de nos relacionarmos ao futuro, o nosso e o que compomos junto de outros. A frase nos diz sobre um modo de tratar com a frustração comum na sociedade de hoje: a da ausência do desejo que diz respeito a uma incapacidade de criar projeto de vida. Ou seja, o que fazer da vida dentro de seu limite. “Um dia de cada vez” significa: “vá com calma, aproveite o tempo presente”, mas por outro lado, também diz “esqueça a totalidade da vida”. Aí conhecemos o conflito com a “temporalidade” sobre o qual vivemos cegos. Se pensarmos em termos de vantagens, talvez não seja frutífero ter em mente a vida inteira, o todo do que podemos fazer com o tempo que dispomos, pois não há certeza sobre o que virá. Porém, sem pensar no todo da vida, que é o tempo que temos para viver, talvez fique difícil orientar-se dentro dela. Sem sabermos do nosso tempo, estamos perdidos de nós mesmos, sem futuro. A dimensão do tempo é mais que psicológica e metafísica, ela é também prática. Põe-nos diante de nossa liberdade de decisão, define o destino, ou o tempo, que devemos construir.

A experiência do tempo pode ser uma experiência de angústia, de que algo desconhecido nos espreita. Só o desejo é a cura desta sensação de opacidade da vida. O desejo não é tormento, mas o caminho para sair dele. Ela não vem do nada. Nasce do tempo experimentado em seu limite, do fato de que há a consciência perturbadora da existência que é a morte. Enquanto esperamos seguimos a “viver um dia de cada vez”. No tempo que é sempre medida, a soma dos dias, compõe o sentido da vida, o valor da eternidade.

Os limites da experiência.

Assim como damos “limites” às crianças para que possam orientar seus desejos, seus quereres e poderes, nós, mesmo adultos, deveríamos nos reorientar no nosso limite com a vida, a que chamamos tempo. O tempo, todavia, não é a mera duração da vida. A duração é só o tempo do relógio, ela se parece mais com o espaço que percorrem os ponteiros no mostrador. Nosso modo de compreender o tempo é o que nos orienta na vida: o tempo do trabalho, o tempo do lazer, o tempo do conhecimento, do amor, o tempo interior, o tempo domesticado pela vida orientada e administrada que vivemos. O tempo é um radar que nos ensina aonde ir, nossas urgências, os caminhos que precisamos escolher diante da impossibilidade de seguir todos.

A frase sobre o dia a dia a ser vivido de um em um, nos serve de antídoto quando vivemos esta frustração tão específica que é a do tempo que não aprendemos a experimentar em seus dois pólos, o do todo fora de nós (a família, a sociedade, a história, o planeta) e o do que se elabora em nossa interioridade. De um lado, vivemos o nosso tempo pessoal, o tempo de cada individualidade, de cada um que experimenta seu corpo, seu sentimento, medos, anseios, possibilidades, e sua noção de morte. O tempo individual é sempre o tempo da insegurança. Buscamos os outros: filhos, maridos, amigos, trabalho, para participarmos do tempo coletivo onde, ao partilharmos a insegurança com as demais individualidades, a eliminamos. Para tudo isso é preciso sempre muita atenção sobre o que estamos vivendo.

A avareza do tempo.

Por outro lado, todos aqueles que sabem o valor do tempo, costumam pensá-lo em analogia com o dinheiro: tempo é dinheiro. Quem dispensa tempo, dispensa dinheiro ou, em termos mais técnicos, dispensa lucro. Mas o que é o lucro senão a vantagem que temos em relação aos outros, ao trabalho, à vida? O lucro é um “a mais”, mas a vida não vai nos dar mais tempo. Logo, tempo não é necessariamente dinheiro, mas justamente o que nos logra se a vida não foi bem vivida. Se o avaro economiza dinheiro, quem economizar tempo não poderá ser avarento, a rigor, o tempo é algo que sempre se multiplica. O tempo se multiplica na generosidade. É uma questão de organização. O desejo só surge como mensagem na garrafa àquele que entendeu a função de seu tempo próprio no tempo coletivo.


Marcia Tiburi


Publicado na Revista Vida Simples. Ed. 49. P. 56-57.
"Vou governar com a minha coligação, mas para todos... Vou me relacionar com governadores e prefeitos, mesmo de outros partidos, de forma republicana."


Dilma Rousseff, em Belo Horizonte
30.10.2010

sábado, 30 de outubro de 2010

É inovador o que podemos fazer com um bom e simples programa de edição de fotos. Mãos no teclado e é hora de soltar a imaginação.

Na foto, Barac Obama, Presidente dos Estados Unidos visita a cidadezinha de Pombal, alto-sertão, tranquila, interior da Paraíba. Uma visita só realizada e registrada por nós graças as asas do imaginário...



Deixe seus filhos antes que eles o deixem

É importante preparar os filhos para abandonar o ninho com bastante antecedência, sendo você o primeiro a deixá-los. Não, você não vai abandoná-los na soleira da porta de um desconhecido caridoso (embora, algumas vezes, tenha vontade de fazer isso...). Você precisa se empenhar para edificar um espírito de independência nos seus filhos, algo como um andaime interior que os sustentará depois que o andaime externo do lar e da família for retirado. O andaime interior precisa ser erigido sobre o alicerce de Deus e de sua Palavra. Ao ensinar e dar o exemplo nas pequenas coisas do dia-a-dia, você está preparando melhor seus filhos ao longo do caminho.

Muitos pais acham que são "donos" dos filhos. Esse conceito está muito longe da verdade. Os filhos são dádivas de Deus entregues aos pais para serem alimentados e amados. Como Henri Nouwen escreveu, eles são "hóspedes" em nossa casa durante algum tempo, e o melhor que podemos fazer é ajudá-los a "crescer para a liberdade que lhes permite firmar-se sobre os propósitos pés física, mental e espiritualmente, dando-lhes a possibilidade de seguir na direção que escolherem".

E é verdade! Pense nos hóspedes que recebe em sua casa. Você não os trata como possessão sua. Faz o possível para melhorar a qualidade de suas vidas enquanto permanecerem ao seu lado. Você não os manda embora nem diz para ficarem para sempre em sua casa. Quando chega o momento de seus hóspedes partirem, você os despede em melhor condição do que quando chegaram, porque estiveram algum tempo sob seus cuidados.

Deixar seus filhos nada mais é do que deixá-los ir e entregá-los a Deus. Se você assume essa atitude antes que eles o deixem, eles partirão com sua bênção, suas orações e seu amor.


Bruce & Stant

Deus está nas pequenas coisas, ed. United Press.

Carroça vazia


Uma das grandes preocupações de nosso pai, quando éramos pequenos, consistia em fazer-nos compreender o quanto a cortesia é importante na vida.

Por várias vezes percebi o quanto lhe desagradava o hábito que têm certas pessoas de interromper a conversa quando alguém está falando. Eu, especialmente, incidia muitas vezes nesse erro. Embora visivelmente aborrecido, ele, entretanto, nunca ralhou comigo por causa disso, o que me surpreendia bastante.

Certa manhã, bem cedo, ele me convidou para ir ao bosque a fim de ouvir o cantar dos pássaros. Concordei, com grande alegria, e lá fomos nós, umedecendo nossos calçados com o orvalho da relva. Ele se deteve em uma clareira e, depois de um pequeno silêncio, me perguntou:

— Você está ouvindo alguma coisa além do canto dos pássaros?

Apurei o ouvido alguns segundos e respondi:

— Estou ouvindo o barulho de uma carroça que deve estar descendo pela estrada.
— Isso mesmo... - disse ele - É uma carroça vazia...

De onde estávamos não era possível ver a estrada e eu perguntei admirado:

— Como pode o senhor saber que está vazia?

Meu pai pôs a mão no meu ombro e olhou bem no fundo dos meus olhos, explicando:

— Por causa do barulho que faz. Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho que faz.

Não disse mais nada, porém deu-me muito o que pensar. Tornei-me adulto e, ainda hoje, quando vejo uma pessoa tagarela e inoportuna, interrompendo intempestivamente a conversa de todo o mundo, ou quando eu mesmo, por distração, vejo-me prestes a fazer o mesmo, imediatamente tenho a impressão de estar ouvindo a voz de meu pai soando na clareira do bosque e me ensinando:

— Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho que faz.


Autor Anônimo

Fazer 30 anos

Quatro pessoas, num mesmo dia, me dizem que vão fazer 30 anos. E me anunciam isto com uma certa gravidade. Nenhuma está dizendo: vou tomar um sorvete na esquina, ou: vou ali comprar um jornal. Na verdade estão proclamando: vou fazer 30 anos e, por favor, prestem atenção, quero cumplicidade, porque estou no limiar de alguma coisa grave.

Antes dos 30 as coisas são diferentes. Claro que há algumas datas significativas, mas fazer 7, 14, 18 ou 21 é ir numa escalada montanha acima, enquanto fazer 30 anos é chegar no primeiro grande patamar de onde se pode mais agudamente descortinar.

Fazer 40, 50 ou 60 é um outro ritual, uma outra crônica, e um dia eu chego lá. Mas fazer 30 anos é mais que um rito de passagem, é um rito de iniciação, um ato realmente inaugural. Talvez haja quem faça 30 anos aos 25, outros aos 45, e alguns, nunca. Sei que tem gente que não fará jamais 30 anos. Não há como obrigá-los. Não sabem o que perdem os que não querem celebrar os 30 anos. Fazer 30 anos é coisa fina, é começar a provar do néctar dos deuses e descobrir que sabor tem a eternidade. O paladar, o tato, o olfato, a visão e todos os sentidos estão começando a tirar prazeres indizíveis das coisas. Fazer 30 anos, bem poderia dizer Clarice Lispector, é cair em área sagrada.

Até os 30, me dizia um amigo, a gente vai emitindo promissórias. A partir daí é hora de começar a pagar. Mas também se poderia dizer: até essa idade fez-se o aprendizado básico. Cumpriu-se o longo ciclo escolar, que parecia interminável, já se foi do primário ao doutorado. A profissão já deve ter sido escolhida. Já se teve a primeira mesa de trabalho, escritório ou negócio. Já se casou a primeira vez, já se teve o primeiro filho. A vida já se inaugurou em fraldas, fotos, festas, viagens, todo tipo de viagens, até das drogas já retornou quem tinha que retornar.

Quando alguém faz 30 anos, não creiam que seja uma coisa fácil. Não é simplesmente, como num jogo de amarelinha, pular da casa dos 29 para a dos 30 saltitantemente. Fazer 30 anos é cair numa epifania. Fazer 30 anos é como ir à Europa pela primeira vez. Fazer 30 anos é como o mineiro vê pela primeira vez o mar.

Um dia eu fiz 30 anos. Estava ali no estrangeiro, estranho em toda a estranheza do ser, à beira-mar, na Califórnia. Era um homem e seus trinta anos. Mais que isto: um homem e seus trinta amos. Um homem e seus trinta corpos, como os anéis de um tronco, cheio de eus e nós, arborizado, arborizando, ao sol e a sós.

Na verdade, fazer 30 anos não é para qualquer um. Fazer 30 anos é, de repente, descobrir-se no tempo. Antes, vive-se no espaço. Viver no espaço é mais fácil e deslizante. É mais corporal e objetivo. Pode-se patinar e esquiar amplamente.

Mas fazer 30 anos é como sair do espaço e penetrar no tempo. E penetrar no tempo é mister de grande responsabilidade. É descobrir outra dimensão além dos dedos da mão. É como se algo mais denso se tivesse criado sob a couraça da casca. Algo, no entanto, mais tênue que uma membrana. Algo como um centro, às vezes móvel, é verdade, mas um centro de dor colorido. Algo mais que uma nebulosa, algo assim pulsante que se entreabrisse em sementes.

Aos 30 já se aprendeu os limites da ilha, já se sabe de onde sopram os tufões e, como o náufrago que se salva, é hora de se autocartografar. Já se sabe que um tempo em nós destila, que no tempo nos deslocamos, que no tempo a gente se dilui e se dilema. Fazer 30 anos é como uma pedra que já não precisa exibir preciosidade, porque já não cabe em preços. É como a ave que canta, não para se denunciar, senão para amanhecer.

Fazer 30 anos é passar da reta à curva. Fazer 30 anos é passar da quantidade à qualidade. Fazer 30 anos é passar do espaço ao tempo. É quando se operam maravilhas como a um cego em Jericó.

Fazer 30 anos é mais do que chegar ao primeiro grande patamar. É mais que poder olhar pra trás. Chegar aos 30 é hora de se abismar. Por isto é necessário ter asas, e sobre o abismo voar.


Affonso Romano de Sant'Anna


O texto acima foi extraído do livro "A Mulher Madura", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1986, pág. 36.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Roda de argentinos

O importante nesta vida é ser romântico

Hijad é hijad, burka é burka!

Apensar de estarmos vivendo a era da informação ou a era da velocidade da informação, como queiram, ainda é impressionante como as pessoas pouco sabem sobre a cultura islâmica e reproduzem clichês.

Comumente, as mulheres muçulmanas, seu modo de vida, sua tradição e costumes são igualmente incompreendidos pela cultura ocidental.

Hijad é hijad, burka é burka!

Geralmente quando se fala no Islam a primeira ideia que vem em nossa cabeça é terrorismo!

Deixo aqui a dica e o link de um blog que me parece interessante e que desmistifica o Islam e as mulheres muçulmanas.

http://muculmanas.blogspot.com/2008/02/assalamo-aleikum.html



A invenção da infância


No Brasil, ser criança não signdifica ter infância. O documentário "A invenção da infância" é uma reflexão sobre o que é ser criança no mundo contemporrâneo.

O "curta" enfoca o contraste existente em situaçõs sociais diferentes mas que se cruzam num ponto em comum: crianças vivendo como adultos.

Sem dúvida, o filme embora produzida há mais de uma década é ainda um retrato muito real da situação da infância pobre do nosso país.

Uma excelente ferramenta para ser trabalhada em sala de aula.

O sensível documenário tem direção de Liliana Sulzbach.

Dica


São Miguel do Gostoso fica no Rio Grande do Norte. É uma cidadezinha litorânea que parece ter, felizmente, sido esquecida pelos turistas.
"Pena que o Papa Bento XVI tenha virado cabo eleitoral de forças conservadoras! Por que não elogia politicas sociais que salvam vidas?"


Frei Betto, ex-assessor de Lula.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Os Viajantes e o Urso

Esopo foi um fabulista grego, nascido na Trácia (região da Ásia Menor), do século VI a.C.. Personagem quase mítico, sabe-se que foi um escravo libertado pelo seu último senhor, o filósofo Janto (Xanto).

Considerado o maior representante do estilo literário "Fábulas", possuía o dom da palavra e a habilidade de contar histórias curtas retratando animais e a natureza e que invariavelmente terminavam com tiradas morais. As suas fábulas inspiraram Jean de La Fontaine e foram objeto de milhares de citações através da história (Heródoto, Aristófanes, Platão, além de diversos filósofos e autores gregos).

As primeiras versões escritas das fábulas de Esopo datam do séc. III d. C. Muitas traduções foram feitas para várias línguas, não existindo uma versão que se possa afirmar ser mais próxima da original. Destaca-se, entre os estudiosos da obra esopiana, Émile Chambry, profundo conhecedor da língua e da cultura gregas. Em 1925 o escrito Chambry publicou, Aesopi - Fabulae (Fábulas de Esopo), contendo 358 fábulas atribuidas ao grande mestre das fábulas.

A Raposa e as Uvas é um exemplo dos mais conhecidos entre as centenas de fábulas que produziu.

Os viajantes e o urso é outra bastante conhecida:

"Um dia dois viajantes dera de cara com um urso. O primeiro se salvou escalando uma árvore, mas o outro, sabendo que não ia consguir vencer sozinho o urso, se jogou no chão e fingui-se de morto. O urso se aproximou dele e começou a cheirar sua orelha, mas, convencido de que estava morto, foi embora. O amigo começou a descer da árvore e perguntou:
_O que o urso estava cochichando em seu ouvido?
_Ora, ele só me disse para pensar duas vezes antes de sair por aí viajando com gente que abandona os amigos na hora do perigo".

Moral da história:
A desgraça põe à prova a sincaridade e a amizade

Herding cats

Hoje acordei com uma dúzia de saudadezinhas quase imorredouras. Saudade do cheiro de terra molhada pela chuva. De café com pão. Dos domingos nas ingazeiras do rio. De ver minha mãe me acordando para a escola. Do seu varal de roupas com cheiro apenas de sabão. De vê-la sorrindo lavando a louça do jantar com uma bucha vegetal.

Hoje eu não queria acordar!

Essa lembrança que nos vem às vezes...
folha súbita
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança...mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...
Ai! Tão perdida
que nem se possa saber mais de quem!

Mário Quintana

Pôr-do-sol em jacaré - João Pessoa


Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama;
que o meu coração seja igual a ti, poente!
descobre em mim o eterno, o que arde, o que ama,
...e o vento do esquecimento arraste o que é doente!


[Juan Ramón Jiménez]

Jorge Vercilo canta "Playa Desnuda"

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.


Marina Colasanti


Mulher Abstrata

Sou quem sou, simplesmente mulher, não fujo, nem nego,
Corro risco, atropelo perigo, avanço sinal, ignoro avisos.
Procuro viver, sem medo, sem dor, com calor, aconchego,
Supro carências, rego desejos, desabrocho em risos...

Matéria cobiçada... na tez macia, no calor ardente.
Alma pura, envolta em completa fissura. Sem frescuras!
Encontro prazer na forma completa, repleta, latente.
Meretriz sem pudor,mulher no ponto, uva madura!

Sou quadro abstrato, me entrego no ato à paixão que aflora.
Sou enigma permanente, sem ponto final, sem continências,
Sou mulher tão somente, vivendo o momento, sorvendo as horas.

Sou pétala recolhida, sem forma, sem cor, completa em essência.
Exalo a esperança, transpiro vontades. Não me tenhas senhora.
Sou mulher insolúvel, nada volúvel. Vivo a vida em reticências...


Ângela Bretas


Ângela Bretas é natural de Santa Catarina. Sempre gostou de escrever prosa e versos. Mudou-se para os EUA em 1985 e cursou língua inglesa no Lynn Community College, em Massachussetts. Tem três livros publicados e dois no prelo, e atua como free-lance para diversos jornais no Brasil e nos Estados Unidos, trabalhando como colunista e jornalista. Reside em Boca Raton - Florida/USA.

Versículos do dia

Porém Israel é salvo pelo SENHOR, com uma eterna salvação; por isso não sereis envergonhados nem confundidos em toda a eternidade. (Isaías 45:17)

E agora, filhinhos, permanecei nele; para que, quando ele se manifestar, tenhamos confiança, e não sejamos confundidos por ele na sua vinda. (1 João 2:28)

domingo, 24 de outubro de 2010

Vale a pena ouvir de novo

Margarida: uma bela história de superação


Margarida, uma brasileira que acreditou que podia escrever a sua própria história e traçou o seu enredo com o suor de suas mãos, com fé e com perseverança.

Nascer pobre, sertaneja e negra neste país já é por si só um grande desafio e contrariando tudo isso ela não só venceu seus obstáculos, mas, sobretudo, foi esperança para muitas famílias do alto-sertão da Paraíba.

Margarida, enfrentou não apenas as suas próprias adversidades, filha de família muito pobre, abandonada pelo pai, teve ainda que enfrentar outros grandes desafios na vida. Cursou faculdade, morando de favores num colégio de freiras, depois criou seu primeiro núcleo de apoio social as mães carente, a Creche Pequeno Princípe, por todos nós conhecida como a "Creche de Margarida", que depois cresceu para se tranformar no Clube do Menor Trabalhador, hoje Centro Educacional Margarida Pereira da Silva - CEMAR.

A nossa querida guerreira encampou lutas gigantes em favor do menos favorecido e principalmente em prol das crianças carentes de Pombal e da Paraíba. Isso lhe rendeu a orbrigatoriedade de ter que desenvolver outras batalhas: o de enfrentar poderosos!

Foi perseguida pelos poderosos e incompreendida pelo povo.

Este vídeo que agora apresento (cedido pelo CEMAR e disponibilizado na grande rede) a princípio não pode ser visto pela população pobre da cidade de Pombal-PB. Os "donos", do poder, acreditem, retiraram do ar a emissora Globo (local) para que ninguém visse o trabalho de Margarida divulgado em rede nacional.



Somente dias depois, de forma inédita, o programa "Gente que Faz" foi novamente exibido exclusivamente para a cidade de Pombal-PB.

Pude ter o privilégio de trabalhar com ela no antigo Clube do Menor Trabalhador. De certa forma, tive a imensa satisfação de contritbuir um pouquinho para essa grande história escrita com garra e superação.

Há alguns anos ela nos deixou. Inesperadamente foi vítima de um acidente automobilístico, e sem nos consultar, resolveu adotar crianças no céu.

sábado, 23 de outubro de 2010

Aleluia, com a bela inglesa Katherine Jenkins

"Com pedaços de mim eu monto um ser atônito"

Manoel de Barros

"Triste do hôme qui tem uma dô guardada"
Zé da Luz, poeta popular

Ainda que Leminski tenha dito:
"Um homem com uma dor é sempre mais elegante"

Leila Pinheiro - Tempo perdido

É sempre bom acordar, melhor ainda é quando acordamos simplesmente por acordar, sem pretensão alguma!

Punir usuário de maconha não ajuda

É contraproducente e cruel punir usuários de maconha como se fossem criminosos, e falta uma distinção mais clara entre traficantes e simples consumidores da erva na legislação do país.

Esse talvez seja o único consenso entre especialistas reunidos ontem para discutir o tema em debate organizado pela Folha. Divididos entre defensores da legalização da venda da droga, do uso da maconha como remédio e da manutenção da proibição, os debatedores acabaram ficando entrincheirados.

Em parte, isso se deveu à plateia que lotou o auditório do jornal e, com frequência, interrompeu as falas com aplausos, vaias, gritos e xingamentos. "Pessoal, vamos deixar as pessoas se expressarem na inteireza de seus argumentos", teve de pedir o jornalista Gilberto Dimenstein, colunista da Folha e moderador do debate.

Os membros da mesa, porém, também acabaram perdendo a paciência e partindo para o ataque em alguns momentos. A falta de acordo sobre a proporção real de usuários no mundo, ou sobre a gravidade dos efeitos da maconha quando comparada a drogas lícitas, como o álcool, ajudou a mostrar como o debate ainda é emocional.

Contrário à legalização, Ronaldo Laranjeira, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), disse que sua posição "era lógica do ponto de vista da saúde pública".

"A experiência de legalização das drogas ilícitas está aqui perto da gente, é a Cracolândia", ironizou, criticando o fato de que não há um movimento nacional para tentar controlar o uso do crack com a mesma expressão do que defende descriminalizar a maconha.

A jurista Maria Lúcia Karam, membro da ONG internacional Lead, favorável ao fim da proibição da venda de drogas, argumentou que a guerra contra substâncias ilícitas aumentou a violência e ainda fez baixar o preço delas mundo afora. "Legalizar é controlar os danos causados pela droga. As pessoas só morrem de overdose porque não sabem o que estão usando", afirmou, sendo vaiada por membros da plateia.

VELHA AMIGA?

O neurocientista Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e o biólogo Renato Malcher Lopes, da Universidade de Brasília (UNB), lembraram que há uma gama considerável de princípios ativos com potencial terapêutico na Cannabis. "Isso foi selecionado ao longo de 5.000 anos de uso", disse Ribeiro.

Ele é favorável à legalização. "Algumas pessoas realmente precisam ser protegidas da maconha, como grávidas e jovens com cérebro em formação -assim como outras pessoas precisam ser protegidas do leite porque têm intolerância à lactose."

Marcos Susskind, voluntário que trabalha com dependentes químicos da comunidade judaica, afirmou que, "na sua experiência", o álcool é menos nocivo do que a maconha. Foi contestado pelos cientistas e se disse surpreso com as propriedades medicinais da maconha inalada, relatadas por Lopes, da UNB.


Reinaldo José Lopes
Editor de Ciência


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Nasa fotografa momento em que supermancha solar lança labaredas no espaço

A agência espacial norte-americana (Nasa) divulgou nesta quinta-feira em seu site a imagem da supermancha solar batizada de 1112, no exato momento em que lançava labaredas no espaço.

Até hoje, nenhuma explosão produziu uma ejeção expressiva de massa coronal (partículas de altas energias) em direção ao planeta Terra.

Outro dado importante é a existência de um grande filamento magnético cortando o hemisfério sul do Sol. Ele é tão extenso, que ultrapassa a distância que separa a Terra da Lua --cerca de 380 mil quilômetros.

É possível identificar um ponto brilhante um pouco acima do filamento --a radiação ultravioleta da supermancha solar. Se ocorresse uma explosão, toda a estrutura entraria em erupção.


Das agências de notícias.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Vítimas sem rosto da exclusão social

Foto: Paulo Pampolin
O adolescente infrator é muito mais vítima do que autor da violência, embora na imprensa apareça uma impressão diferente. As notícias publicadas não reportam a problemática geradora dessa violência.

A conclusão é dos professores Ronaldo César Henn, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), e da psicóloga Carmen de Oliveira, pesquisadora da Pós-Graduação de Ciências da Saúde, da mesma instituição.

Carmen e Ronaldo pesquisaram como a violência juvenil aparece na imprensa. Para tanto, ativeram-se aos jornais Correio do Povo e Zero Hora, ambos de Porto Alegre, analisando as edições de janeiro a abril de 2001.

"As estatísticas mostram que para cada adolescente que pratica um homicídio temos quase cinco adolescentes que morrem vítimas de homicídio", arrolou a professora Carmen em entrevista ao IHU-Online, do Instituto Humanitas, da Unisinos.

Nas notícias sobre violência juvenil analisadas nos dois jornais gaúchos, os pesquisadores constataram que em 80% a 90% dos casos as fontes citadas eram policiais, e grande parte das notícias ficava restrita ao boletim de ocorrência, sem incorrer em investigação.

"E os homicídios dos quais o jovem é vítima aparecem apenas como notas. Muitas vezes, elas não são nem identificadas, são pessoas sem rosto, sem referências", disse Ronaldo na entrevista ao IHU-Online.

A "cara" desse jovem apontado como violento segue uma certa estereotipia, explicou Ronaldo. Ele "é um menino de rua, um jovem de periferia, na faixa etária de 16 a 18 anos, que já teve passagem pela polícia".

As mortes, prosseguiu Ronaldo na sua análise, "são noticiadas como fatos isolados, não são conectados com a questão mais ampla da grande violência, da qual o jovem é a vítima central". As notícias, acrescentou, não vão à problemática central, "como se não existisse uma engrenagem produzindo esse tipo de comportamento, esse tipo de sintoma social".

Para a professora Carmen de Oliveira, os delitos praticados pelos jovens servem como "atalhos de reconhecimento social", numa sociedade em que esse jovem tem baixa escolaridade.

"Ele tem poucas chances de ingressar num mercado de trabalho cada vez mais seletivo e, ao mesmo tempo, há muitos apelos de consumo colocados a esse consumidor jovem, a exemplo das roupas de grife, que são verdadeiras senhas de reconhecimento no campo social", definiu.

Também entrevistado pelo IHU-Online, o sociólogo Rodrigo de Azevedo, pesquisador do grupo de pesquisa Violência e Cidadania, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), definiu o perfil mais encontrado na criminalidade em Porto Alegre:

"A maioria das vítimas dos homicídios se situa entre 15 e 25 anos de idade. Esse fenômeno é nacional" e envolve o sexo masculino. "Nessa faixa etária existe uma relação com o problema do tráfico de drogas. Criminosos que atuam na periferia dos grandes centros têm uma grande capacidade de atração dessa juventude que se encontra com dificuldades de ingresso no mercado de trabalho e vêem também, nessas organizações, uma possibilidade de obtenção de reconhecimento e status", descreveu.

Azevedo concorda com Carmen quanto ao significado social dessa violência. "A violência vai aparecer, muitas vezes, como uma tentativa quase desesperada de colocar as suas demandas no espaço público, já que ela é um meio e não um fim. Esse meio é utilizado especialmente em situações que caracterizam nossa sociedade com uma grande exclusão social", afirmou.

Segundo o pesquisador da UFRGS, "a crise no ambiente doméstico e o insucesso na escola vão encaminhando o jovem à criminalidade". Ele disse que a violência sempre esteve presente na realidade brasileira, em todos os tempos.

Mas agora há uma diferença. No passado, a violência estava vinculada à hierarquia da sociedade, "vinha de cima para baixo. Ela se expressava numa forma de dominação historicamente adotada em relação a negros, a índios, no ambiente doméstico, a relação do homem com a mulher e os filhos, então havia uma certa naturalização dessa violência, porque ela estava vinculada ao poder".

Agora, ela mudou de sentido: vem de baixo para cima. "Ela começa a aparecer no meio desses setores sociais excluídos para colocar suas demandas no estrato público", também porque ela é uma maneira extremamente eficaz, de repercussão midiática, apontou.

Do pecado da gula

Há pecados que são quase uma sentença irrecorrível para os olhos, a boca e o espírito.

Um que eu venho há alguns dias tentando uma prévia absolvição é a tentação de me deliciar com esse manjar dos deuses: pêra com creme de baunilha e menta!!

Um sacrilégio! Um sacrilégio!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Cinema: O grande truque


Recentemente pude ver o filme "O Grande Truque", do mesmo diretor do filme Amnésia.

O grande truque traz a história de dois mágicos rivais num pano de fundo muito propício a análise da nossa natureza humana.


Recomendo.



Tempus fugit. Sou rebelde, por Leno e Lilian


Imagem de Edson Fragoaz que integra exposição de fotos artísticas produzida por um grupo de dez moradores de rua do centro de São Paulo que participaram de oficina do Instituto Brasis. O projeto visa aproximar extremos sociais: a exposição foi aberta em loja na Oscar Freire e depois vai para a Villa Daslu, dois templos do consumo de luxo em SP.
A nossa felicidade depende mais do que temos nas nossas cabeças, do que nos nossos bolsos.


Arthur Schopenhauer

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Manhãs de setembro

"Fui eu que se fechou num muro
e se guardou lá fora!
Fui eu que num esforço
se guardou na indiferença;
Fui eu que numa tarde
se fez tarde de tristeza!
Fui que consegui ficar e
ir embora.

E fui esquecido, fui eu!"

Baú do tempo. Pertinho de você.


No "Fantástico" de 23 de julho de 78, Elizângela lançava-se como cantora.

Segundo o autor da canção, Hugo Bellard, o compacto simples de "Pertinho de Você" permaneceu 52 semanas em primeiro lugar nas paradas de sucesso e veio a ser a gravação feminina mais vendida no Brasil naquele ano.

Em Pombal-PB, o sucesso foi geral. Pertinho de você foi a música mais pedida na velha difusora do parque de diversões Maia na Festa do Rosário de 1978.

Os casais iam ao delírio ao som do sucesso do momento.

Mas eu queria saber mesmo era de algodão doce e da roda gigante, as duas grande paixões dos meus 10 anos de idade.


Todo mundo nu?


Desgostoso com a humanidade, Deus resolveu inundar a terra com um punitivo dilúvio. Só um homem merecia ser salvo: Noé. Que de fato escapou, com sua família e com exemplares da fauna e da flora. Mas Noé não era tão perfeito como o Senhor imaginava; depois do dilúvio, fabricou vinho, tomou um porre e ficou nu, para constrangimento dos filhos, que tiveram de cobrir sua nudez. Pergunta: será que Noé pelado figuraria nos comerciais de bebida que aparecem na tevê? Pouco provável. A idéia ali é apresentar a bebida sob uma forma sedutora. Tão sedutora, que, segundo a Folha de S. Paulo, tem sido causa de acusações mútuas no Conar - Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária. Uma dessas acusações diz que a concorrente "insinua êxito sexual após o consumo de cerveja e contém elevado grau de erotismo". O que, convenhamos, não é novidade: associar o consumo de bebida a sexo é uma estratégia comum nesse tipo de publicidade e contrasta com o semi-inócuo e perfunctório "Beba com moderação" colocado no fim do anúncio: o que é "beber com moderação"? Quanto de bebida significa isso? Num país em que, segundo a Secretaria Nacional Antidrogas, mais de um quarto da população exagera no álcool, estas perguntas são mais que pertinentes, e justificam o decreto presidencial do último dia 23, introduzindo a Política Nacional sobre o Álcool. Os usuários de álcool deverão ter acesso ampliado a tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) e medidas serão adotadas para reinserção social dos dependentes. Até aí todo mundo está de acordo. Mas o decreto prevê também a regulamentação e a fiscalização da publicidade de bebidas alcoólicas, o que sem dúvida gerará discussão. Como disse o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, há respaldo legal para a medida, mas é claro que, como assinala o próprio ministro, a regulamentação exige sensatez. Mesmo porque existe uma coisa chamada consumo social da bebida; diferente de Noé, muitas pessoas bebem e não tiram a roupa (ou, quando tiram, é por finalidades justificadas). O certo é que algo tinha de ser feito, porque, assinala Sérgio de Paula Ramos, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e das Drogas, "a propaganda incentiva o consumo abusivo", que, por sua vez, leva à agressão, ao crime, ao acidente de trânsito. No dia em que foi publicado o decreto, eu estava em Belo Horizonte. A caminho da universidade onde daria uma palestra, passei por um bar desses de rua. Era meio-dia e, ao redor de uma mesa, estavam sentados uns oito adolescentes de ambos os sexos. Chamou-me a atenção o número de garrafas de cerveja sobre aquela mesa; eram, no mínimo, duas por pessoa (sem contar, claro, as que já tinham sido levadas). O que aconteceria depois com aqueles jovens? Quantos sairiam dali para dirigir? Quantos sairiam dali para se meter em confusão? Está na hora de fazer - com moderação, se vocês quiserem - estas perguntas. E está na hora de encontrar respostas para elas.


Moacyr Scliar

Mudar o mundo!

Elsa e Fred


Elsa e Fred, é uma produção hispano-argentina de 2005. O filme traz como tema o amor na velhice num enredo bem explorado onde a sensibilidade e o humor se sobressaem. Elza é interpretada por China Zorrilla.

O filme é uma boa pedida para aqueles que acham que amor não tem idade
.

Eu


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


Florbela Espanca - Livro de Mágoas

Na Paraíba multidão acompanha casamento de ex-padre e ex-freira


Em clima de muita alegria foi realizado no final da semana passada na cidade de Sousa-PB, o casamento do ex-Padre, Lourival Luiz de Sousa com a ex-freira, Maria de Fátima Fernandes da Silva. A cerimônia foi realizada na igreja Central da AD Sousa pelo Pastor, José Carlos de Lima, Pastor da AD João Pessoa e Presidente da COMADEP – Convenção de Ministros da Assembléia de Deus na Paraíba.

Durante o enlace matrimonial que aconteceu na última quinta-feira (14), o pastor disse que se tratava de um fato inédito na história da Assembléia de Deus na Paraíba, pois pela primeira vez é celebrado um casamento de um ex-padre com uma ex-freira na AD-PB. O reverendo pediu a todos os presentes oração para noivos.

O templo religioso ficou tomado pelos convidados e por curiosos que observavam passo a passo os noivos. A mudança de hábito do Padre Lourival aconteceu no mês de março deste ano, quando decidiu mudar de religião e deixar a batina.

Em contato com a reportagem do Diário do Sertão, Lourival disse que está feliz com a nova vida. “Estou satisfeito ao lado de minha esposa e continuarei levando a boa nova àquelas pessoas que mais necessitam”, disse.

domingo, 17 de outubro de 2010

A pipoca


A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.

Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.

Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento.

As comidas, para mim, são entidades oníricas.

Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.

A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.

A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.

Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.

Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...

A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.

Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.

Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.

Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!

E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.

"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.

Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.

Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.

Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.

Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".


Rubem Alves


O texto acima foi extraído do jornal "Correio Popular", de Campinas (SP), onde o escritor mantém coluna bissemanal.


Correspondência ao amigo


Caro amigo Adauto.

Saudações!

Foi com satisfação que recebi o seu e-mail (voto/filosofia) e, com ele, acredito estarmos inaugurando aquela nossa esquecida proposta de resgatarmos o velho, bom e esquecido hábito de troca de correspondências.

Houve um tempo em que escrevi verdadeiramente muitas cartas, missivas escritas em papel e postas nos correios. Ultimamente não tenho recebido a visita do carteiro e quando a recebo, comumente são para lembrar-me das faturas que devo cumprir. Confesso que, desse jeito, não me inspira mais ver o carteiro em minha porta. Mas isso é assunto para uma outra oportunidade, quem sabe.

Mas eu dizia que a proposta de se intensificar a correspondência, sobremaneira a intensificação de debate de temas revelantes é um plano que me parece atraente e motivante. É sempre bom desbravar novos planos, inda mais quando eles estão fincados em nossas convicções e pautados no "mutualismo" de ideias, na exposição de posições e na defesa de ideais.

O seu e-mail se reveste de muita lucidez sobre a situação atual de nosso povo diante de um processo eleitoral que pouco se mostra ou se traduz em esperança de mudança para o Brasil. Mas há nele ainda um outro aspecto que me parece importante destacar: o despertar do ato de pensar, filosofar sobre o que nos cerca e sobre o que nos espera enquanto ente social.

Sem dúvida pensar, refletir, analisar, embora atos solitários são ações de extrema comunhão porquanto o maior compromisso do homem não é consigo mesmo, mas com o outro. Formar opinião num país como o nosso é um gesto de significante inquietude, e, consequentemente de exercício de cidadania.

O que ocorre, todavia, é que é muito comum para a nossa gente desenvolver o que chamo de "filosofia do estômago". O pensamento imediato, de ocasião, de conveniência. Nesse cenário é quase impossível se revelar o brilho de alguma mudança social significativa a curto e médio prazo. Pensar com o estômago é algo muito perigoso para o nosso povo. E os políticos sabem disso.

A temática é tão presente em nosso meio que basta vermos o horário eleitoral gratuito do rádio e da TV para notarmos que o cerne das questões ali abordadas estão quase sempre ligadas diretamente às condições mínimas de subsistência de nossa gente. Pouco, mas muito pouco mesmo se debruça nas questões centrais que afligem a formação de uma nação. A violência é enfocada sutilmente, e não se avança nos problemas da educação e da saúde.

É a esperança do povo apresentada devidamente acondicionada em uma "bolsa", seja ela escola, família ou alimentação.

Mas, caro amigo, pensar também induz mudanças. Só os loucos têm ideias fixas e não devemos ter compromisso com os nossos alicerces, erros e modismos, sobretudo quando há um universo inteiro de novos erros e convicções a espera de todos nós.

Um forte abraço e boa viagem à capital paulista.


Teófilo Júnior

Épigrafe para a arte de furtar


Roubam-me Deus
Outros o diabo
Quem cantarei
Roubam-me a Pátria e a humanidade
outros ma roubam
Quem cantarei
Sempre há quem roube
Quem eu deseje
E de mim mesmo
Todos me roubam
Quem cantarei
Quem cantarei
Roubam-me Deus
Outros o diabo
Quem cantarei
Roubam-me a Pátria e a humanidade
outros ma roubam
Quem cantarei
Roubam-me a voz quando me calo
ou o silêncio mesmo se falo
Aqui d'El Rei.


Jorge de Sena

Hora do recreio

Viagra feminino


No Japão descobriram o Viagra para a mulher. O nome que deram lá é "Taron".

— Quando você dá o "Taron" para a mulher - dizia um japonês numa roda de brasileiros - ela fica alegre e carinhosa ao extremo. Beija e abraça o companheiro a noite inteirinha.

Um dos brasileiros, surpreso, pergunta:
— Me fale mais, como funciona isso?

O japa explica:
— Com o "Taron" a mulher faz sexo quantas vezes o parceiro quiser! Chama a gente o tempo todo de "meu amor", "minha vida". Fica o dia inteiro dizendo "te adoro", "te amo"...

— Puxa, esse negócio deve ser fantástico, mesmo!

— Sim! Sim! Sim! Galantido, né - respondeu o japonês.

— Funciona mesmo?

— Non falha, né!

— Mas o nome dele é "Taron"?

— Sim! É "Taron". "Taron de Cheque", né!



Museu Estação Ciência - João Pessoa-PB


A Estação Ciência Cultura e Artes de João Pessoa foi inaugurada em 2008; o projeto arquitetônico é de autoria de Oscar Niemeyr, e ocupa uma área construída de mais de 5 mil quadrados. Está localizada no centro da Zona Especial de Preservação do Parque do Cabo Branco, que também abriga o Farol.

O conjunto arquitetônico tem a finalidade de apoiar a difusão cultural e a realização de pesquisas científicas voltadas à área continental (incluindo as falésias), o Altiplano e a faixa marinha próxima à costa de João Pessoa.

O complexo que compõe a Estação compreende cinco edificações. Todo o projeto foi elaborado com vistas a se harmonizar com a iniciativa do Governo Municipal em frear o desequilíbrio ambiental e promover o desenvolvimento auto-sustentável.

Tal iniciativa é de grande importância porque a região do Altiplano do Cabo Branco é uma das áreas da Paraíba que mais têm potencial para crescimento imobiliário. Diversos empreendimentos (como hoteis e condomínios horizontais) estão com projetos ou mesmo obras nessa reunião, que apresenta vista privilegiada, terrenos planos, clima agradável, proximidade de João Pessoa e Recife.

O principal prédio do projeto será o pavilhão central, cercado por um espelho d'água, com acesso por meio de uma rampa em espiral; o pavilhão abrigará o setor de exposições, a área administrativa e um terraço panorâmico; o pavilhão oferecerá um ângulo de visão de 360 graus, para toda a natureza que a cerca.

O auditório terá capacidade para mais de 500 pessoas, terá acesso independente do pavilho principal e permitirá a realização de eventos culturais variados, sem interferir em outras atividades da área.

Um anfiteatro com palco, camarim e banheiros foi projetado para abrigar eventos com um público de 300 pessoas sentadas, podendo dobrar essa capacidade com a ocupação das calçadas. Na parte posterior do terreno, uma edificação baixa e de pequeno porte tem a finalidade de acomodar uma ala de serviços gerais e de apoio.
A Estação terá ampla área para estacionamento.

Informações sobre a programação podem ser obtidas no telefone (83) 3214-8303.

Professores lecionam para doentes e transformam hospitais em escolas


Objetivo é fazer com que a criança continue a aprender, mesmo internada

Todos os dias, quando sai para dar aulas, a professora Jane Leila Silva Mendonça, de 43 anos, não leva giz ou apagador. Depois de lecionar 24 anos para alunos da educação infantil e ensino fundamental na rede privada de ensino, Jane trocou a sala de aula regular pelas brinquedotecas adaptadas em salas de aulas no hospital infantil Darcy Vargas, em São Paulo. É lá que ela deve comemorar o Dia do Professor nesta sexta-feira (15). Ela é uma das educadoras contratadas pelo governo do estado de São Paulo para ensinar as crianças em idade escolar que estão internadas.

Mais do que giz ou apagador, Jane precisa de habilidade e discernimento para lidar com alunos que muitas vezes estão debilitados, têm de interromper as aulas para tomar medicamentos, não conseguem prestar atenção na explicação porque sentem dor e podem passar até anos dentro de um hospital.

O trabalho começa a partir do 15º dia de internação. Todas as crianças podem participar das aulas, independente da doença que têm, desde que aceitem. A participação não é obrigatória, mas fundamental para garantir que eles não percam o ano letivo e continuem o trabalho feito na escola.

Em todo o país, há mais 22 mil alunos estudandos em classes hospitalares, segundo o censo escolar de 2009. Em São Paulo, onde há 50 classes e 50 professores exclusivos para o programa, segundo a Secretaria de Estado da Educação, o atendimento é garantido por meio de uma lei estadual de 2000.

Para iniciar o trabalho, os professores entram em contato com a escola dos pacientes para não fugir do conteúdo que está sendo aplicado aos demais alunos. Relatórios com a produção das crianças são encaminhados periodicamente às instituições de ensino. Há casos em que os pacientes chegam a fazer avaliações no hospital. Para os mais debilitados, as aulas são dadas nos leitos.

"Quando trabalhava em escolas, buscava algo que não sabia o que era. Achava que tinha de me doar além da rotina da sala de aula, mas não sabia como. Agora encontrei a realização pessoal e profissional", disse Jane.
Como a rotatividade de pacientes é grande, as professoras podem dar aulas para crianças diferentes todos os dias. Por isso, uma das características necessárias para lecionar nas classes hospitalares é ser criativa. "Não dá para programar aula, como se fosse uma escola regular. Tenho de estar preparada para todos os públicos. É uma missão. É necessário se desdobrar, gostar demais e fazer tudo com muito amor", afirmou a professora.

Para Jane, um dos momentos mais marcantes destes quatro anos lecionando no hospital foi quando um garoto, que recebeu alta após muitos meses internado, ligou para avisá-la que estava no seu primeiro dia de aula na escola. "Trabalhar aqui exige muita doação, mas tem de ter equilíbrio. Às vezes me emociono, mas, se for sentar e chorar, não sirvo", afirmou Jane.

Internado desde 2 de outubro por causa de uma anemia falciforme, Ezequiel Santos Gomes de Oliveira, de 10 anos, que está na 4ª série, é um dos alunos do hospital Darcy Vargas. "Estou com saudades da escola. Gosto de matemática porque tem de fazer continhas, mas é bom poder estudar aqui", disse o garoto.

A mãe dele, Valmira Correia Santos, de 44 anos, contou que a atividade escolar deixou Ezequiel mais animado. "Ele está aqui, mas pelo menos está estudando. Eu acho bom, e ele adora."

Outro paciente que estuda no hospital é William Jeferson de Melo de Souza, de 7 anos, que, depois de contrair um vírus de um cachorro doente, passou muitas temporadas internado. "Tenho saudades da escola porque lá é bom, mas estou feliz por poder aprender aqui. Gosto de aprender a ler."

Na quarta-feira (13), Luygi Gustavo Mulatinho da Silva, de 9 anos, completou o 18º dia de internação porque estava com suspeita de leucemia. Nesse tempo, aproveitou os jogos da brinquedoteca e fez lições no ambulatório. "Gostei daqui, tem muitos brinquedos, livros, parece uma creche", afirmou o garoto, que esperava ter alta nos próximos dias.

Segundo o professor de psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Miguel Claudio Moriel Chacon, pesquisas indicam que as crianças que frequentam as aulas nos hospitais têm boa recuperação e passam menos tempo internadas. "Isto ocorre porque o foco não é mais a doença. Além do mais, quando há uma ocupação pedagógica, a criança está ali no hospital, mas ao mesmo tempo não está desprendida da escola."

Seminário

Entre 21 a 23 de outubro, o campus de Marília da Unesp sedia o Seminário em Saúde e Educação, que vai abordar os desafios da pedagogia em ambiente hospitalar. As inscrições podem ser feitas pelo site www.marilia.unesp.br até a próxima segunda-feira (18).


G1

sábado, 16 de outubro de 2010

Blue Moon

Morre o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa


Morreu neste sábado aos 90 anos o médico psiquiatra José Ângelo Gaiarsa. Segundo sua neta Laura, Gaiarsa morreu em São Paulo por volta das 5h enquanto dormia. A família ainda não sabe a causa da morte.

O velório será hoje, a partir das 14h, no cemitério São Paulo. O corpo será enterrado no cemitério da Assunção, em Santo André, onde o psiquiatra nasceu. José Gaiarsa era divorciado e deixa três filhos e oito netos.

Nascido em 19 de agosto de 1920, Gaiarsa sempre será lembrado como um iconoclasta, conforme disse seu filho Flávio à Folha.

Zeca, como era conhecido pelos amigos, falava muito contra a estrutura familiar clássica, segundo ele a maior geradora de neuroses nos indivíduos, e apoiava abertamente, em redes de rádio e TV, a liberdade feminina já na década de 1960.

Clinicou por mais de 50 anos, publicou 30 livros e por dez anos teve um quadro de televisão em que esclarecia dúvidas dos telespectadores.

Vindo de Santo André, de uma família de seis irmãos e irmãs, entrou na Faculdade de Medicina da USP em primeiro lugar, posição que manteve por toda a graduação.

Casou-se com Maria Luiza Martins Gaiarsa, cirurgiã e colega de turma, com quem teve quatro filhos homens: Flávio, Marcos (já morto), Paulo e Dácio. Separou-se em uma época em que o rompimento das relações matrimoniais era controverso.

Foi introdutor de Carl Gustave Jung e William Reich no Brasil, psicanalistas ideólogos da revolução sexual.

Seu primeiro livro, "A Juventude Diante do Sexo", veio a partir de um artigo de capa para a revista "Realidade" sobre o comportamento sexual da juventude que passava por profundas modificações.

Seu último livro publicado foi o "Meio século de Psicoterapia". Atualmente, estava revisando para reedição a obra "Respiração, Angústia e Renascimento".

Seu último prêmio foi do International Academy of Child Brain Development,do Institute for the Achievent of Human Potential, decorrente de um trabalho recém concluído sobre o desenvolvimento físico, cerebral e emocional das crianças.


Fonte
James Cimino
www.bol.com.br
de São Paulo

Alegria, alegria


"Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!"


(Mário Quintana)

Redução da maioridade penal

Foto de Ivaldo Cavalcante


O simplismo e o imediatismo das propostas de redução da maior idade penal não respondem aos complexos desafios da realidade brasileira. Romper com a cultura da banalização da morte requer que se rompa com a cultura da banalização da vida. A cruel morte de João Hélio, no Rio de Janeiro, acentuou os sentimentos de indignação, desespero e medo em face da violência epidêmica e da profunda crise da segurança pública.

É neste cenário de justificada comoção social que ressurge o debate sobre as propostas de redução da maioridade penal no Senado Federal. Dessas propostas,quatro reduzem a maioridade penal de 18 para 16 anos; uma reduz para 13 anos, em caso de crimes hediondos; e outra determina a condenação penal "quando o menor apresentar idade psicológica igual ou superior a 18 anos".

Reduzir a idade penal, com o fim de manter adolescentes na prisão,seria uma resposta eficaz a este alarmante quadro? Como enfrentar acomplexa situação do adolescente em conflito com a lei? Medidas preventivas e repressivas mostram-se necessárias ao adequado enfrentamento do problema.De um lado, no campo preventivo, destaca-se o desafio de criar alternativas ao crime, à sedução do tráfico e da violência, por meio de eficientes e criativos programas de inclusão social que permitam valorizar e resignificar a vida dos adolescentes, sobretudo daqueles que sofrem com as condições mais vulneráveis da miséria e da exclusão.

A banalização da morte é o reflexo da banalização da vida, que nega o direito à esperança a um contingente de jovens brasileiros. Neste sentido, são fundamentais a identificação e ampliação de práticas epolíticas exitosas especialmente endereçadas à juventude urbana. No campo repressivo, estudos comprovam à exaustão que de nada adianta o endurecimento da legislação penal se persistir no imaginário social a cultura da impunidade. Isto é, a repressão penal deve deixar de ser seletiva à determinada classe social, com a garantia de que autores de crimes de toda natureza sejam punidos. Contudo, se a pena deve ter um caráter retributivo e ressocializador, constata-se que o sistema carcerário brasileiro não satisfaz qualquer destas finalidades. Este sistema, por vezes sob o controle do crime organizado – de quem o Estado se torna refém –, só tem acentuado a violência e brutalizado os detentos. Como observou Nigel Rodley, então relator especial da ONU sobre o tema da Tortura, em visita oficial ao Brasil, não é razoável tratar os presos como animais, para posteriormente devolvê-los à sociedade com a pretensão de terem se transformado em "pessoas reintegradas e civilizadas".

Tal sistemática não constitui uma medida de combate à criminalidade,mas, ao revés, constitui medida de estímulo à criminalidade. O indíce de reincidência, em torno de 80%, atesta a absoluta falência dequalquer dimensão ressocializadora do modelo carcerário brasileiro. Segundo estimativas, eventual aprovação da proposta de redução da maioridade ainda agravaria o déficit nas prisões, que passariam a ter,em média, 11.000 presos a mais (somados ao universo de 140.000 vagas faltantes). À absoluta ineficácia das propostas de redução da maioridade penal, some-se a sua flagrante inconstitucionalidade. Isto porque a Constituição de 1988 realça a absoluta prioridade a ser conferida aos direitos da criança e do adolescente, dentre eles, os direitos à vida, à saúde, à educação, à dignidade, ao respeito e à liberdade.

Para a Carta de 1988, o direito à proteção especial de crianças e adolescentes compreende "a obediência aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade". Este direito à proteção especial implica no direito à inimputalibidade penal dos menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Tal legislação é o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, por sua vez, dedica um longo capítulo às medidas socioeducativas a serem aplicadas quando da prática de ato infracional.

A redução da maioridade penal perverte a racionalidade e principiologia constitucional, na medida em que abole o tratamento constitucional especial conferido aos adolescentes, inspirada na ótica exclusivamente repressiva, que esvazia de sentido a ótica da responsabilidade, fundada nas medidas socioeducativas.

Com isto, a perspectiva sociojurídica de exclusão (repressiva e punitiva, de isolamento) vem a aniquilar a perspectiva de inclusão (protetiva e socioeducativa, dereinserção social). Atente-se que a Constituição assegura, dentre as cláusulas pétreas, os direitos e garantias individuais. Ao petrificar direitos e garantias,a Constituição proíbe qualquer proposta de emenda tendente a reduzir elimitar o alcance dos direitos e garantias constitucionalmente previstos, dentre eles o direito à inimputabilidade penal dos menoresde dezoito anos. Além de violar cláusula pétrea constitucional, a proposta afronta parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos, que o Estado Brasileiro se comprometeu a cumprir, como a Convenção sobre os Direitos da Criança – que, de igual modo, prevê a excepcionalidade e abrevidade das medidas privativas de liberdade aplicáveis a adolescentes, bem como a exigência de tratamento pautado pela reintegração e desempenho construtivo na sociedade, quando da prática de ato infracional.O simplismo e o imediatismo das propostas de redução da maioridade penal não respondem aos complexos desafios da realidade brasileira. Romper com a cultura da banalização da morte requer,sobretudo, que se rompa com a cultura da banalização da vida.


ANDHEP - Associação Nacional de Direitos Humanos - Pesquisa e Pós- Graduação.

Se os homens menstruassem


Morar na Índia me fez compreender que a minoria branca do mundo passou séculos nos enganando para que acreditássemos que a pele branca faz uma pessoa superior a outra. Mas na verdade a pele branca só é mais suscetível aos raios ultravioleta e propensa a rugas.

Ler Freud me deixou igualmente cética quanto à inveja do pênis. O poder de dar à luz faz a “inveja do útero” mais lógica e um órgão tão externo e desprotegido como o pênis deixa os homens extremamente vulneráveis.

Mas ao ouvir recentemente uma mulher descrever a chegada inesperada de sua menstruação (uma mancha vermelha se espalhara em seu vestido enquanto ela discutia, inflamada, num palco) eu ainda ranjo os dentes de constrangimento. Isto é, até ela explicar que quando foi informada aos sussurros deste acontecimento óbvio, ela dissera a uma platéia 100% masculina: “Vocês deveriam estar orgulhosos de ter uma mulher menstruada em seu palco. É provavelmente a primeira coisa real que acontece com vocês em muitos anos!” Risos. Alívio. Ela transformara o negativo em positivo. E de alguma forma sua história se misturou à Índia e a Freud para me fazer compreender finalmente o poder do pensamento positivo. Tudo o que for característico de um grupo “superior” será sempre usado como justificativa para sua superioridade e tudo o que for característico de um grupo “inferior” será usado para justificar suas provações. Homens negros eram recrutados para empregos mal pagos por serem, segundo diziam, mais fortes do que os brancos, enquanto as mulheres eram relegadas a empregos mal pagos por serem mais “fracas’. Como disse o garotinho quando lhe perguntaram se ele gostaria de ser advogado quando crescesse, como a mãe, “Que nada, isso é trabalho de mulher.” A lógica nada tem a ver com a opressão.

Então, o que aconteceria se, de repente, como num passe de mágica, os homens menstruassem e as mulheres não? Claramente, a menstruação se tornaria motivo de inveja, de gabações, um evento tipicamente masculino: Os homens se gabariam da duração e do volume. Os rapazes se refeririam a ela como o invejadíssimo marco do início da masculinidade. Presentes, cerimônias religiosas, jantares familiares e festinhas de rapazes marcariam o dia.

Para evitar uma perda mensal de produtividade entre os poderosos, o Congresso fundaria o Instituto Nacional da Dismenorréia. Os médicos pesquisariam muito pouco a respeito dos males do coração, contra os quais os homens estariam, hormonalmente, protegidose muito a respeito das cólicas menstruais.

Absorventes íntimos seriam subsidiados pelo governo federal e teriam sua distribuição gratuita. E, é claro, muitos homens pagariam mais caro pelo prestígio de marcas como Tampões Paul Newman, Absorventes Mohammad Ali, John Wayne Absorventes Super e Miniabsorventes e Suportes Atléticos Joe Namath — “Para aqueles dias de fluxo leve”.

As estatísticas mostrariam que o desempenho masculino nos esportes melhora durante a menstruação, período no qual conquistam um maior numero de medalhas olímpicas.

Generais, direitistas, políticos e fundamentalistas religiosos citariam a menstruação (”men-struação”, de homem em inglês) como prova de que só mesmo os homens poderiam servir a Deus e à nação nos campos de batalha (”Você precisa dar seu sangue para tirar sangue”), ocupariam os mais altos cargos (”Como é que as mulheres podem ser ferozes o bastante sem um ciclo mensal regido pelo planeta Marte?”), ser padres, pastores, o Próprio Deus (”Ele nos deu este sangue pelos nossos pecados”), ou rabinos (”Como não possuem uma purgação mensal para as suas impurezas, as mulheres não são limpas”).

Liberais do sexo masculino insistiriam em que as mulheres são seres iguais, apenas diferentes. Diriam também que qualquer mulher poderia se juntar à sua luta, contanto que reconhecesse a supremacia dos direitos menstruais (”O resto não passa de uma questão”) ou então teria de ferir-se seriamente uma vez por mês (”Você precisa dar seu sangue pela revolução”).

O povo da malandragem inventaria novas gírias (”Aquele ali é de usar três absorventes de cada vez”) e se cumprimentariam, com toda a malandragem, pelas esquinas dizendo coisas tais como:
— Cara, tu tá bonito pacas!— É cara, tô de chico!
Programas de televisão discutiriam abertamente o assunto. (No seriado Happy Days: Richie e Potsie tentam convencer Fonzie de que ele ainda é “The Fonz”, embora tenha pulado duas menstruações seguidas. Hill Street Blues: o distrito policial inteiro entra no mesmo ciclo.) Assim como os jornais, (TERROR DO VERÃO: TUBARÕES AMEAÇAM HOMENS MENSTRUADOS. JUIZ CITA MENSTRUAÇÃO EM PERDÃO A ESTUPRADOR.) E os filmes fariam o mesmo (Newman e Redford em Irmãos de Sangue).

Os homens convenceriam as mulheres de que o sexo é mais prazeroso “naqueles dias”. Diriam que as lésbicas têm medo de sangue e, portanto, da própria vida, embora elas precisassem mesmo era de um bom homem menstruado.
As faculdades de medicina limitariam o ingresso de mulheres (”elas podem desmaiar ao verem sangue”).

É claro que os intelectuais criariam os argumentos mais morais e mais lógicos. Sem aquele dom biológico para medir os ciclos da lua e dos planetas, como pode uma mulher dominar qualquer disciplina que exigisse uma maior noção de tempo, de espaço e da matemática,ou mesmo a habilidade de medir o que quer que fosse? Na filosofia e na religião, como pode uma mulher compensar o fato de estar desconectada do ritmo do universo? Ou mesmo, como pode compensar a falta de uma morte simbólica e da ressurreição todo mês?

A menopausa seria celebrada como um acontecimento positivo, o símbolo de que os homens já haviam acumulado uma quantidade suficiente de sabedoria cíclica para não precisar mais da menstruação.

Os liberais do sexo masculino de todas as áreas seriam gentis com as mulheres. O fato “desses seres” não possuírem o dom de medir a vida, os liberais explicariam, já é em si castigo bastante.

E como será que as mulheres seriam treinadas para reagir? Podemos imaginar uma mulher da direita concordando com todos os argumentos com um masoquismo valente e sorridente. (’A Emenda de Igualdade de Direitos forçaria as donas de casa a se ferirem todos os meses : Phyllis Schlafy. “O sangue de seu marido é tão sagrado quanto o de Jesus e, portanto, sexy também!”: Marabel Morgan.) Reformistas e Abelhas Rainhas ajustariam suas vidas em torno dos homens que as rodeariam. As feministas explicariam incansavelmente que os homens também precisam ser libertados da falsa impressão da agressividade marciana, assim como as mulheres teriam de escapar às amarras da “inveja menstrual”. As feministas radicais diriam ainda que a opressão das que não menstruam é o padrão para todas as outras opressões. (”Os vampiros foram os primeiros a lutar pela nossa liberdade!”) As feministas culturais exaltariam as imagens femininas, sem sangue, na arte e na literatura. As feministas socialistas insistiriam em que, uma vez que o capitalismo e o imperialismo fossem derrubados, as mulheres também mens-truariam. (”Se as mulheres não menstruam hoje, na Rússia”, explicariam, “é apenas porque o verdadeiro socialismo não pode existir rodeado pelo capitalismo.”)

Em suma, nós descobriríamos, como já deveríamos ter adivinhado, que a lógica está nos olhos do lógico. (Por exemplo, aqui está uma idéia para os teóricos e lógicos: se é verdade que as mulheres se tornam menos racionais e mais emocionais no início do ciclo menstrual, quando o nível de hormônios femininos está mais baixo do que nunca, então por que não seria lógico afirmar que em tais dias as mulheres comportam-se mais como os homens se portam o mês inteiro? Eu deixo outros improvisos a seu cargo.*

A verdade é que, se os homens menstruassem, as justificativas do poder simplesmente se estenderiam, sem parar.Se permitíssemos.


Glória Steinem