Dentre outros modos de ser sou uma adoradora de palavras. Sempre que uma me toca corro a procura de saber sua história. Hoje estou tocada com a palavra aniversário. Não atoa hoje é o meu ANIVERSÁRIO. E mesmo tendo passado anos fazendo “aniversários” senti-me, toquei-me com essa palavra.
E antes de falar por que fiquei assim, depois de tantos anos de nascimento sem ter sido tocada pela palavra, conto a história dessa palavra, dando uma googlada, rapidinha:
"Ela vem do Latim, de anniversaria dies, “dias a serem observados em especial”. E anniversaria vem de annus, “ano”, mais vertere, “virar”, ou seja, quando se completava mais um ano dum acontecimento. Quanto ao costume de comemorar o dia do nascimento de alguém, segundo estudiosos, tal prática teve início em Roma: “Esta solenidade, que se renovava todos os anos, era festejada sob os auspícios do Gênio que se invocava como a divindade que presidia ao nascimento das pessoas. Costumavam erguer um altar sobre a relva e o cercavam com ervas e plantas sagradas. Junto desses altares as famílias ricas imolavam um cordeiro.”
Como disse, faz um bom tempo que nasci. Na minha família de origem não se comemora aniversários. Nesse dia acordamos como um dia qualquer. Minha mãe olhava para nós e dizia: hei hoje é seu aniversário! Que Deus te abençoe minha filha!
Mas o que rodeia o não comemorar aniversários em minha família é que figura como o trágico. Por que o dia que se abençoa, ou o dia em que se comemora o nosso nascimento não é o que faz sermos especiais, ou o que nos soleniza, ou nos diviniza. O que nos diviniza e nos torna especiais é o ritual que permeia o nascer.
Conta minha mãe que, embora tivesse ela vindo de uma família muito humilde, gaba-se em dizer que durante dezoito anos conviveu com pessoas que tinham "educação", para não dizer "requinte". Assim casou-se com meu pai cujo dicionário dispersonaliza qualquer coisa entre educação sinônimo de requinte. Educação para o meu pai era essencialmente respeito. O meu pai nasceu e morreu sob o cheiro de leite das vacarias. A cartilha de vida dele foi apreendida entre os animais. Daí entendo a completude entre ele e minha mãe.
Neste contexto, nasceu meu primeiro irmão. Sendo o primeiro, beneficiou-se de uma comemoração de aniversário, travada nos bastidores sob o olhar crítico e ferrinho da minha avo, sogra da minha mãe. Lembro-me das histórias contadas por minha mãe quando da feitura desse dito aniversário. Contou-me que depois deste dia jamais faria qualquer um outro em sua casa, pois minha avo durante o aniversário anunciou que “mulheres ricas sem dinheiro jamais deveria casar com homens pobres”. Este anuncio ficou martelando a minha mãe. Na verdade o que martelou a minha mãe foi a quebra do decoro. O decoro do requinte que ela tanto fazia questão de carregar consigo.
Desse dia em diante a minha mãe que aprendeu a se portar em uma mesa com requinte e receber qualquer convidado, amoldou-se a mulher pobre de homem pobre que tinha uma mãe dominadora.
Deste dia em diante, jamais comemorou-se aniversários na minha família de origem. E eu, perpetuando comportamentos da minha mãe, também, não comemorei os aniversários de meus filhos por um bom tempo, até o dia que... conto mais à frente. Nem realizei qualquer outro ritual de comemoração seja o que fosse. Comemorar era correr riscos. Riscos de ouvir alguém sair de algum canto e dizer: “Volte a sua origem”. “_ Você não é isso que aparenta ser.” Como se “ser” tivesse que caber em alguma lata. Em algum molde.
Reconheço as dificuldades da minha mãe. Os limites dela frente si mesmo e a sua sogra. Esses limites me marcaram muito. Feito tatuagem que jamais escolhi. Tem umas que acho o máximo, outras nem tanto.
Mas as bençãos que minha mãe me dava, nos dias do meu aniversário, foram meus rituais. Hoje é um dia que as observo em especial. Observo não os meus dias, porque esses faço diariamente. Cada dia o seu dia como dádiva. Observo as minhas bençãos. Benção vem do hebraico BARAK, que tem na sua raiz os seguintes significados: ajoelhar-se, submeter-se, honrar algo ou alguém.
Minha mãe com suas bençãos dizia-me: ” esse é seu ritual respeite a sua história”. Quando recebi, respeitei, submeti-me, honrei as minhas bençãos; ritualizei o meu nascimento. Sou especial e divina na minha humanidade e, sendo como tal posso ocupar qualquer espaço: latas, bacias, caixas, caixotes, casas, cazinhas ou cazarões.
Tem espaços para todos nesta vida. Não vou pedir desculpas por ocupar somente o meu. O teu é teu. O meu conquistei com um “charminho” que, também, é só meu. Posso ensinar qualquer coisa. Posso aprender também. Mas serei sempre o intervalo entre o “entre” e o “entre”.
Por isso ENTRE! Hoje comemora-se o meu aniversário. Na lata cabe todo o mundo de cada um no mundo. E se ao final comemorarmos a sua vida também, é porque no ritual todos somos “entre”.
Márcia Cristini
E antes de falar por que fiquei assim, depois de tantos anos de nascimento sem ter sido tocada pela palavra, conto a história dessa palavra, dando uma googlada, rapidinha:
"Ela vem do Latim, de anniversaria dies, “dias a serem observados em especial”. E anniversaria vem de annus, “ano”, mais vertere, “virar”, ou seja, quando se completava mais um ano dum acontecimento. Quanto ao costume de comemorar o dia do nascimento de alguém, segundo estudiosos, tal prática teve início em Roma: “Esta solenidade, que se renovava todos os anos, era festejada sob os auspícios do Gênio que se invocava como a divindade que presidia ao nascimento das pessoas. Costumavam erguer um altar sobre a relva e o cercavam com ervas e plantas sagradas. Junto desses altares as famílias ricas imolavam um cordeiro.”
Como disse, faz um bom tempo que nasci. Na minha família de origem não se comemora aniversários. Nesse dia acordamos como um dia qualquer. Minha mãe olhava para nós e dizia: hei hoje é seu aniversário! Que Deus te abençoe minha filha!
Mas o que rodeia o não comemorar aniversários em minha família é que figura como o trágico. Por que o dia que se abençoa, ou o dia em que se comemora o nosso nascimento não é o que faz sermos especiais, ou o que nos soleniza, ou nos diviniza. O que nos diviniza e nos torna especiais é o ritual que permeia o nascer.
Conta minha mãe que, embora tivesse ela vindo de uma família muito humilde, gaba-se em dizer que durante dezoito anos conviveu com pessoas que tinham "educação", para não dizer "requinte". Assim casou-se com meu pai cujo dicionário dispersonaliza qualquer coisa entre educação sinônimo de requinte. Educação para o meu pai era essencialmente respeito. O meu pai nasceu e morreu sob o cheiro de leite das vacarias. A cartilha de vida dele foi apreendida entre os animais. Daí entendo a completude entre ele e minha mãe.
Neste contexto, nasceu meu primeiro irmão. Sendo o primeiro, beneficiou-se de uma comemoração de aniversário, travada nos bastidores sob o olhar crítico e ferrinho da minha avo, sogra da minha mãe. Lembro-me das histórias contadas por minha mãe quando da feitura desse dito aniversário. Contou-me que depois deste dia jamais faria qualquer um outro em sua casa, pois minha avo durante o aniversário anunciou que “mulheres ricas sem dinheiro jamais deveria casar com homens pobres”. Este anuncio ficou martelando a minha mãe. Na verdade o que martelou a minha mãe foi a quebra do decoro. O decoro do requinte que ela tanto fazia questão de carregar consigo.
Desse dia em diante a minha mãe que aprendeu a se portar em uma mesa com requinte e receber qualquer convidado, amoldou-se a mulher pobre de homem pobre que tinha uma mãe dominadora.
Deste dia em diante, jamais comemorou-se aniversários na minha família de origem. E eu, perpetuando comportamentos da minha mãe, também, não comemorei os aniversários de meus filhos por um bom tempo, até o dia que... conto mais à frente. Nem realizei qualquer outro ritual de comemoração seja o que fosse. Comemorar era correr riscos. Riscos de ouvir alguém sair de algum canto e dizer: “Volte a sua origem”. “_ Você não é isso que aparenta ser.” Como se “ser” tivesse que caber em alguma lata. Em algum molde.
Reconheço as dificuldades da minha mãe. Os limites dela frente si mesmo e a sua sogra. Esses limites me marcaram muito. Feito tatuagem que jamais escolhi. Tem umas que acho o máximo, outras nem tanto.
Mas as bençãos que minha mãe me dava, nos dias do meu aniversário, foram meus rituais. Hoje é um dia que as observo em especial. Observo não os meus dias, porque esses faço diariamente. Cada dia o seu dia como dádiva. Observo as minhas bençãos. Benção vem do hebraico BARAK, que tem na sua raiz os seguintes significados: ajoelhar-se, submeter-se, honrar algo ou alguém.
Minha mãe com suas bençãos dizia-me: ” esse é seu ritual respeite a sua história”. Quando recebi, respeitei, submeti-me, honrei as minhas bençãos; ritualizei o meu nascimento. Sou especial e divina na minha humanidade e, sendo como tal posso ocupar qualquer espaço: latas, bacias, caixas, caixotes, casas, cazinhas ou cazarões.
Tem espaços para todos nesta vida. Não vou pedir desculpas por ocupar somente o meu. O teu é teu. O meu conquistei com um “charminho” que, também, é só meu. Posso ensinar qualquer coisa. Posso aprender também. Mas serei sempre o intervalo entre o “entre” e o “entre”.
Por isso ENTRE! Hoje comemora-se o meu aniversário. Na lata cabe todo o mundo de cada um no mundo. E se ao final comemorarmos a sua vida também, é porque no ritual todos somos “entre”.
Márcia Cristini
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