Diferentemente de hoje que quando o relógio silencia logo nos aborda um desses camelôs com relógios de todo jeito, para todos os gostos e de todas as marcas. Qualquer R$ 15,00 (quinze reais) e pronto. Relógio novo no braço! Garantia que é bom, nem pensar.
Em idos pretéritos, ao menos na terrinha de Maringá, as coisas eram diferentes. Quando os ponteiros se perdiam no seu compasso, o jeito mesmo era levá-lo para uma boa limpeza ou troca de alguma de suas engrenagens. Conviver com o defeito e o desalinho dos ponteiros com o tempo ainda hoje é bastante complicado, sobretudo numa sociedade como a nossa, onde tudo tem hora e data e o tempo parece caminhar a galope. O poeta Augusto dos Anjos que o diga. Vaticinava ele “triste, a escutar pancada por pancada, a sucessividade dos segundos, ouço, em sons subterrâneos, do orbe oriundos, o choro da energia abandonada!”
Mas em Pombal, quando o relógio apresentava problemas não tinha (ou não tem) outra saída senão conduzi-lo a Zé Nogueira, relojoeiro de muitos anos, decano da cidade, onde atende a freguesia da cidade e das cercanias rurais há 54 anos, sempre no mesmo consultório do tempo, instalado com a sua banquinha de madeira ladeada de vidros, num pequeno prédio localizado à Rua Antônio Mamede, 106. Para ser mais preciso, em frente ao açougue público da cidade. Impossível se errar o caminho.
José Nogueira, hoje com 71 anos, nascido em Juazeirinho-PB, aportou em Pombal aos cinco anos de idade, nos anos de 1943. Aqui casou-se e constituiu família composta por dez filhos, todos criados com a arte de acudir relógios, profissão herdada do pai Antônio Nogueira. Dos dez filhos, apenas três se aventuram com os relógios, mas nenhum adotou o ofício por profissão.
O relojoeiro, o ferreiro, o flandeiro assim como o sapateiro, são profissões que estão em plena extinção, vão aos poucos sumindo sem deixar sucessores. E se em algumas cidades elas ainda resistem, é graça à abnegação de profissionais como José Nogueira, que apesar dos anos e do relevante serviço prestado ao tempo desta terra, oficialmente ainda não foi lembrado com a outorga de cidadão pombalense, embora a honraria já lhe tenha sido incorporada naturalmente em seu coração.
No seu dia a dia, sua menor incursão cirúrgica em um relógio, acredite, custa R$ 0,50 (cinqüenta centavos de real), as mais complexas podem chegar a R$ 20,00 (vinte reais).
Inúmeras vezes, quando criança, acudia a seu Zé para adquirir vidros de relógios já sepultados e esquecidos pelos proprietários em sua loja, a fim de utilizá-los como jogadores de futebol de botão. Fazia desses vidros de velhos relógios verdadeiros craques de mesa.
Mas Zé Nogueira não se notabilizou apenas pela sua habilidade com os relógios, mas, sobretudo, pelo seu caráter, seriedade e honestidade, matéria-prima escassa hoje em dia. Cansei de vê-lo abrir o relógio e devolvê-lo ao cliente sem lhe cobrar nenhum tostão. – Era só uma “crostazinha”, justificava ele, entregando de volta o marcador de horas.
De outro modo, quando o reparo era feito, a garantia do serviço era cuidadosamente exposta, com a fixação da data do conserto escrito com meio lápis grafite na parte interna da tampa do relógio. Para ele, aquela datação tem a valia de qualquer contrato passado em cartório.
Hoje, já cansado, aos 71 anos, o velho cirurgião dos relógios já consertou adiantando ou atrasando o tempo de muitos pombalenses, só não conseguiu parar o seu próprio tempo que, caprichosamente, teima em tingir-lhe os cabelos com fios prateados.
Teófilo Júnior