Acabo de aportar de mais uma dessas viagens que costumeiramente faço ao meu interior. E interior aqui aplico nos dois sentidos: subjetivo e objetivo. Um que me lança ao relicário da alma; outro que me transporta a essa gleba querida da minha Paraíba e do meu torrão natal. E é nesse colóquio entre o espírito e a geografia que desapiei, dia desses, da lembrança dos primeiros meses da década de 1990.
Vinte e dois anos de idade, liso, desprovido de qualquer vintém nos bolsos da calça, universitário da capital, despinguelei numa carona de João Pessoa para Pombal trazendo na bagagem apenas os ideais próprios da idade e nada mais, além de trinta dias de férias, é claro!
Confesso que distante da terrinha, tem sido difícil conviver com tantas reminiscências, embora o tempo vá passando, passando, mas sem deixar esperança de retorno completo do passado, vai sobrando um assoar de nariz, uma trilha de lágrima de saudade e uma sentença inexeqüível de todo um passado construído e que vivemos por aqui. É por isso que voltar de férias sempre me pareceu uma nova chance, oportunidade de viver tudo aquilo que cultiva a lembrança. A vida, às vezes, nos dá outra oportunidade de emendar nossos erros.
De certo mesmo é que “na volta ninguém se perde” e estar em casa de novo era um alivio das exigências acadêmicas e um reencontro inexorável com a gastronomia da D. Mariinha.
Nada havia mudado na minha ausência. Tudo estava ali, compondo a mesma paisagem, as mesmas ruas, o mesmo caminhar de passos, o mesmo cerimonial das horas, impávidas, como a estática dos ponteiros da Coluna da Hora que eternizam os dias e alongam as noites frias ao sopro do Aracati.
Decididamente nada havia mudado. Nenhuma novidade à vista, exceto, a noticia, à meia-boca, do espírito empreendedor de uma das casas do rói, que aos cochichos, anunciava a maior atração das últimas décadas. Um avanço para a comportada sociedade masculina de Maringá. Finalmente, Pombal ganharia uma casa de striper. Para uns, era o progresso chegando a longos passos num rebolar de quadris, para outros, o Satanás atentando as boas famílias e desencaminhando os homens de boa vontade, um insulto a santa Igreja Católica.
E a noticia foi ganhando força, corria a boca-miúda a inauguração da nova casa de tolerância. De esquina em esquina a novidade do cabaré ganhava força, era assunto discutido na feira, nas rodinhas entre rapazes e nos sermões das missas dominicais.
O certo é que chegado o dia, ou melhor, a noite, afivelei-me num cinto de couro, vesti a minha melhor camisa de tergal e uma calça jeans semi-nova, um pente da marca Flamengo no bolso e um espelhinho redondo no outro, onde no verso se via o retrato de uma mulher nua. Após rápida passagem pelas mesas do bar centenário, fomos todos em busca das “moças do rói” na expectativa de assistir ao tão anunciado strip-tease. Reservo-me a não citação dos companheiros ante a ausência de suas procurações, mas éramos em um grupo de seis rapazes, solteiros.
Perfilados, subíamos a rua em direção a linha do trem, marco divisório entre a morada das moças e das putas. Mais adiante, porém antes do matadouro, nos deparamos com uma modesta casa na cor verde, com uma porta estreita bem ao centro (estreita assim como a porta do inferno) e uma janela arqueada. No frontispício, lia-se num português meio duvidoso: “Kananga do Japão, sua casa dos sonhos”. O titulo era uma clara alusão à novela "Kananga do Japão" apresentada pela extinta Rede Manchete de Televisão.
Enfim, ultrapassamos os umbrais daquela portaria. Duas luzes vermelhas de 60watts fingiam iluminar o interior daquela casa; no corredor que desbocava na sala central, via-se encostado e esquecido numa parede um petisqueiro sem vidro, com dois copos de alumínio pendurados.
Na sala, onde se situava um pequeno palco, cerca de quarenta homens (todos casados) que compunham a “sociedade” e freqüentavam as missas do domingo se acotovelavam sobre as mesas à espera do início do espetáculo. Havia ainda um menestrel de pouca intimidade com o violão que teimava em tirar alguns acordes para animar o ambiente.
Não demorou muito as luzes se apagaram de vez para em seguida iluminarem duas mulheres nuas, desprovidas de qualquer beleza, magras e embriagadas a se contorcerem sobre aquele palco. Estava, finalmente, inaugurada a primeira casa de strip-tease de Pombal.
O show, porém, era grotesco, se desenhava mais num misto de penúria que de excitação, igualzinho a prostituição de hoje, inaceitavelmente movida pela fome e pela necessidade de sobrevivência.
Saímos dali sem consumirmos nada, nem um petisco sequer, apenas com a certeza e a convicção de termos assistidos a um grito de socorro e desesperança.
A “Kananga do Japão” encerrou sua atração principal dois meses depois de inaugurada e hoje em seu lugar encontra-se o Drink's Bar, talvez outra casa de diversão.
Vinte e dois anos de idade, liso, desprovido de qualquer vintém nos bolsos da calça, universitário da capital, despinguelei numa carona de João Pessoa para Pombal trazendo na bagagem apenas os ideais próprios da idade e nada mais, além de trinta dias de férias, é claro!
Confesso que distante da terrinha, tem sido difícil conviver com tantas reminiscências, embora o tempo vá passando, passando, mas sem deixar esperança de retorno completo do passado, vai sobrando um assoar de nariz, uma trilha de lágrima de saudade e uma sentença inexeqüível de todo um passado construído e que vivemos por aqui. É por isso que voltar de férias sempre me pareceu uma nova chance, oportunidade de viver tudo aquilo que cultiva a lembrança. A vida, às vezes, nos dá outra oportunidade de emendar nossos erros.
De certo mesmo é que “na volta ninguém se perde” e estar em casa de novo era um alivio das exigências acadêmicas e um reencontro inexorável com a gastronomia da D. Mariinha.
Nada havia mudado na minha ausência. Tudo estava ali, compondo a mesma paisagem, as mesmas ruas, o mesmo caminhar de passos, o mesmo cerimonial das horas, impávidas, como a estática dos ponteiros da Coluna da Hora que eternizam os dias e alongam as noites frias ao sopro do Aracati.
Decididamente nada havia mudado. Nenhuma novidade à vista, exceto, a noticia, à meia-boca, do espírito empreendedor de uma das casas do rói, que aos cochichos, anunciava a maior atração das últimas décadas. Um avanço para a comportada sociedade masculina de Maringá. Finalmente, Pombal ganharia uma casa de striper. Para uns, era o progresso chegando a longos passos num rebolar de quadris, para outros, o Satanás atentando as boas famílias e desencaminhando os homens de boa vontade, um insulto a santa Igreja Católica.
E a noticia foi ganhando força, corria a boca-miúda a inauguração da nova casa de tolerância. De esquina em esquina a novidade do cabaré ganhava força, era assunto discutido na feira, nas rodinhas entre rapazes e nos sermões das missas dominicais.
O certo é que chegado o dia, ou melhor, a noite, afivelei-me num cinto de couro, vesti a minha melhor camisa de tergal e uma calça jeans semi-nova, um pente da marca Flamengo no bolso e um espelhinho redondo no outro, onde no verso se via o retrato de uma mulher nua. Após rápida passagem pelas mesas do bar centenário, fomos todos em busca das “moças do rói” na expectativa de assistir ao tão anunciado strip-tease. Reservo-me a não citação dos companheiros ante a ausência de suas procurações, mas éramos em um grupo de seis rapazes, solteiros.
Perfilados, subíamos a rua em direção a linha do trem, marco divisório entre a morada das moças e das putas. Mais adiante, porém antes do matadouro, nos deparamos com uma modesta casa na cor verde, com uma porta estreita bem ao centro (estreita assim como a porta do inferno) e uma janela arqueada. No frontispício, lia-se num português meio duvidoso: “Kananga do Japão, sua casa dos sonhos”. O titulo era uma clara alusão à novela "Kananga do Japão" apresentada pela extinta Rede Manchete de Televisão.
Enfim, ultrapassamos os umbrais daquela portaria. Duas luzes vermelhas de 60watts fingiam iluminar o interior daquela casa; no corredor que desbocava na sala central, via-se encostado e esquecido numa parede um petisqueiro sem vidro, com dois copos de alumínio pendurados.
Na sala, onde se situava um pequeno palco, cerca de quarenta homens (todos casados) que compunham a “sociedade” e freqüentavam as missas do domingo se acotovelavam sobre as mesas à espera do início do espetáculo. Havia ainda um menestrel de pouca intimidade com o violão que teimava em tirar alguns acordes para animar o ambiente.
Não demorou muito as luzes se apagaram de vez para em seguida iluminarem duas mulheres nuas, desprovidas de qualquer beleza, magras e embriagadas a se contorcerem sobre aquele palco. Estava, finalmente, inaugurada a primeira casa de strip-tease de Pombal.
O show, porém, era grotesco, se desenhava mais num misto de penúria que de excitação, igualzinho a prostituição de hoje, inaceitavelmente movida pela fome e pela necessidade de sobrevivência.
Saímos dali sem consumirmos nada, nem um petisco sequer, apenas com a certeza e a convicção de termos assistidos a um grito de socorro e desesperança.
A “Kananga do Japão” encerrou sua atração principal dois meses depois de inaugurada e hoje em seu lugar encontra-se o Drink's Bar, talvez outra casa de diversão.
2 comentários:
Oi Júnior, gostei munto deste conto, é de uma forma tão real, que para quem ler, parece está presente vendo a cena. Eu ri muito, ao ler, mesmo porque, já presenciei algumas cenas parecidas.
Um abraço
Seba
A globo deveria fazer uma minissérie com esse conto. ah,ah,ah...um abraço velho amigo.
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