Um diário é um amigo? Uma companhia?
Também. Mas é sobretudo a duplicação da gente mesmo, espelho que não se
apaga quando o rosto se retrai ou muda, álbum de retratos que conserva
muito mais que um belo sorriso e a paisagem de fundo. Quieto,
compreensivo, calmo, o diário está ali, aberto e limpo. Oferecendo seu
espaço, no qual você vai desenhar a sua vida e ele apenas... receber.
Ele não tem recriminações a fazer, ele não diz que a culpa é sua, ele
não encosta dedos na ferida. Como uma cama, como um mar, ele recebe.
Você escreve muito se a emoção é forte, vai e volta e repete e repisa o
mesmo assunto. Ninguém conta seu tempo, ninguém conta suas páginas. Você
pode escrever até a mão cansar, até a alma aliviar. Você pode escrever e
escrever e escrever. Ele aceita. E quando não quiser escrever mais, é
só fechar e guardar o diário que ele mais nada exigirá. Não me diga que
não tem o que contar. Você é o centro do seu universo, nada é mais
importante do que aquilo que lhe diz respeito. Isso é que faz o encanto
do diário. Se fosse usado apenas para registrar a queda do governo ou a
evolução dos projetos orbitais, seria desnecessário, porque para isso já
existe a imprensa, os arquivos, os registros da memória nacional. O
diário serve justamente para conservar o pequeno acidente humano e
individual, sua discussão com um amigo, o namoro lancinante, a dúvida
sobre a roupa para usar naquela festa... O diário serve para conservar
você.
Marina Colasanti
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