Quando falamos em linguajar regional, geralmente pensamos
em palavras específicas de uma parte do Brasil . “Oxente” é nordestino, “bah” é
gaúcho, “porreta” é baiano, “uai” é mineiro e assim por diante.
Outro aspecto, também muito comum, é que uma mesma
palavra, de uso geral, seja dita com um significado num lugar, e com outro
significado numa região diferente.
VEXAME
Acho que já falei nesta coluna sobre a palavra “vexame”.
No Sudeste, ela é usada como sinônimo de “constrangimento, vergonha”: “Passei o maior vexame no restaurante porque
meu cartão apareceu como bloqueado”. No Nordeste, usamos com mais
frequência como sinônimo de “pressa”: “Deixe
de vexame porque ainda falta meia hora para o banco fechar, vai dar tempo”.
MALA
Outro termo que às vezes gera malentendidos: “mala”. No
Rio, um sujeito mala é um chato-de-galochas, um cara insuportável, sentido
reforçado na fórmula intensificada: “Fulano
é um mala sem alça”. Em Campina Grande, pelo menos, “mala” é sinônimo de
“malandro, esperto”, e muitas vezes é usado como elogio: “O atacante foi muito mala, bateu a falta depressa e pegou a defesa
deles aberta”.
EMBALAGEM
Veja outro termo interessante: “embalagem”. Na Paraíba,
pelo menos, não é apenas sinônimo de “papel de embrulho, invólucro”, e sim de
“embalo, impulso, momentum (massa x velocidade)”. “O motorista
até tentou frear, mas o caminhão vinha numa embalagem muito grande e acabou
virando por cima do muro da casa.”
Também se usa “aproveitar a embalagem” no sentido figurado, equivalente
a “aproveitar que está com a mão na massa”:
“Já que você está lavando a
cozinha, aproveita a embalagem e lava também o banheiro”. Nesse sentido,
quem e de fora deve interpretar a palavra como se fosse “embalo”.
ENGUIÇAR
No Brasil inteiro enguiçar é “dar defeito,
pifar” – aplicado a máquinas e motores em geral. No Nordeste, enguiçar é passar
andando por sobre o corpo ou as pernas estendidas de alguém que está sentado no
chão. Diz a superstição popular que
quando isto acontece a pessoa que foi “enguiçada” não cresce mais. Acredita-se
que para anular o efeito basta “desfazer” o ato, passar de trás para diante. “--Ei! Que história é essa de vir entrando e
enguiçar a gente? Pode voltar, e
desenguiçar!” Também já vi ser atribuído ao ato de “enguiçar” o poder de
cura contra mau-olhado. “Esse menino só vive doente
ultimamente! Tá bom de alguém enguiçar
ele, isso deve ser mau-olhado.”
E ali com um punhal
Para Adriano avançou
Mas Adriano ligeiro
Por cima dele saltou
Então quando o enguiçava
Mesmo no vão lhe cravou.
(Expedito
Sebastião da Silva, folheto “Adriano e Joaninha”)
ARRUMAR
Diz-se no sentido de “arranjar, conseguir”. "Me
arruma aí um dinheiro, que eu deixei a carteira em casa". "Vou falar com meu tio para ver se ele
me arruma um emprego na Prefeitura."
"Ele foi passar as férias no Rio e acabou arrumando uma
noiva."
CAÇAR
Parece ser um arcaísmo no sentido que
descrevo aqui, o de “procurar”. É geralmente usado por gente iletrada ou gente
bem do interior rural. “Desde hoje que eu estou caçando meus óculos
e não sei onde botei.” “Fulano está
caçando emprego desde o fim do ano passado.” É linguagem bem característica de “gente do
mato”.
CARREGAR
Não é apenas “dar carga” (“Preciso lembrar de carregar o celular antes
de sair”). Usa-se mais como “levar embora”, no mesmo sentido em que se usa
dizer “Vá para o diabo que o carregue”: “Quem
foi que carregou meu guarda-chuva, que eu deixei aqui junto da porta?” « Cuidado com esses meninos brincando
soltos na rua, um dia aparece um tarado e carrega um! »
DOIDINHO
É o que
chamam de “bobo” no Rio de Janeiro. No
futebol, brincadeira em que um grupo de jogadores troca passes entre si,
enquanto um deles, escolhido por sorteio, tenta apoderar-se da bola;
quando o
consegue, o “doidinho” passa a ser o jogador que perdeu a bola para
ele. Também se diz “zorra”. Usa-se também como termo de comparação: “Eu não sei pra que escalaram Fulano como
centroavante: a defesa dos caras passou o jogo todo fazendo doidinho com ele.”
RAZÃO
Usa-se muito no Nordeste como sinônimo exato
de "arrogância, prepotência": "Ei,
que razão é essa? Quem é você pra vir me
dar ordens?" "Fulano é muito
engraçado: a gente faz o trabalho todo, resolve todos os problemas, aí quando é
depois ele chega, com a maior razão do mundo, botando defeito em tudo." É mais frequente na expressão "cheio de
razão": "Estava tudo muito
tranquilo, mas de repente chegou um cara todo cheio de razão, dizendo que era
amigo do dono do bar e que aquela mesa era dele."
BONDADE
Assim como “razão” é usado com viés negativo, o mesmo se
dá com “bondade” em certos contextos. Quando se quer dizer que um indivíduo é
humilde, pacato, não quer ser melhor do que ninguém, diz-se: “Fulano me surpreendeu, é uma pessoa sem
bondade, conversa com todo mundo, trata todo mundo como igual”. O sentido
subjacente é que o sujeito não pretende ser “mais bom” do que ninguém.
Bráulio Tavares
O mundo fantasmo
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