Freud não está tendo uma boa posteridade. A psicanálise como terapia foi em boa parte ultrapassada pelo tratamento químico
Li uma resenha de um livro de ensaios do crítico literário Frederick
Crews intitulado “Follies of the Wise” (mais ou menos “Loucuras dos
sábios”), em que ele critica diferentes formas de irracionalidade que
aspiram à respeitabilidade intelectual e científica — coisas como
criacionismo e “design” inteligente opostos a evolucionismo etc. — e
inclui entre elas todo o corpo teórico e experimental de Sigmund Freud.
Crews não admite nem que, se muitas das suas sacadas não resistem à
verificação empírica e foram desmentidas pelo tempo ou ultrapassadas,
mesmo assim Freud foi um pensador original, cuja influência na cultura
ocidental não se pode negar.
Ele nega. Diz que a ideia do inconsciente já estava na Psicologia e na
Filosofia românticas e que coisas como terapias que recorrem à memória
reprimida criaram mais traumas familiares, como falsas memórias de abuso
sexual na infância, do que curas.
Coloca Freud, surpreendentemente, com os metafísicos e os charlatães no
mesmo lado do abismo irrecuperável que os separa da Ciência.
O resenhista lembra que Crews já foi um freudiano que, inclusive,
recorria à psicanálise nos seus estudos literários, e poderia ter a
mesma relação com o antigo mestre que um défroqué tem com a Igreja.
De qualquer forma, Freud não está tendo uma boa posteridade.
A psicanálise como terapia foi em boa parte ultrapassada pelo
tratamento químico, e as suas teses sobre o inconsciente coletivo e sua
importância no devir da História explicaram, mas não influenciaram a
História.
Crews fez o contrário de Thomas Mann, que resistiu às ideias de Freud e
acabou sucumbindo, tornando-se um dos seus maiores defensores e
exegetas.
Mas Freud deve ter se engasgado com seu charuto ao ler o que Mann
escreveu a seu respeito, que seu antirracionalismo e sua teoria da
libido eram, em resumo, sem qualquer mística, romantismo com pretensão a
ser Ciência.
A mesma reação que deve ter tido Marx ao ouvir que sua obra devia mais
ao romantismo alemão e ao messianismo judeu do que a uma ciência da
História.
Luís Fernando Veríssimo
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