No canteiro central da grande avenida pessoas de várias idades, condições e ocupações esticam-se na ponta dos pés e puxam galhos das pitangueiras e amoreiras, que ladeiam a pista de cooper, para colher frutas maduras. Não foram ali com esse propósito, são passantes que ao vê-las vermelhas e roxas no pé não conseguiram resistir à tentação. Nem ligam para os olhares dos que passam de automóveis, estão momentaneamente entregues à natureza, parceiros dos sabiás e bem-te-vis da região. Muitos, para ter mãos livres, descansam uma sacola no chão; outros, em roupa de ginástica, interrompem a caminhada atlética; alguns que pareciam ter rumo certo dão uma parada nos quefazeres.
O que leva as pessoas a esse impulso? Certamente não é a necessidade. É a criança que ressurge dentro delas? Haverá ainda nos seres urbanos algum resquício daqueles pequenos piratas de mangueiras alheias ou caçadores silvestres de gabirobas, coquinhos e araçás?
O canteiro da avenida e algumas árvores esparsas em ruas de bairros são a chance que nos resta de saborear amoras e pitangas na grande cidade, pois a fragilidade das frutinhas não permite que se vendam nas feiras. Será essa a explicação para a travessura adulta que observo na alta primavera?
Lembro que no verão virá – como já veio – o ataque às goiabeiras da mesma avenida, e no entanto goiabas se vendem em qualquer parte. Lembro-me também de ter visto meu sogro fazendo malabarismos para alcançar figos maduros na alta figueira de um quintal vizinho, na sua aldeia, em Portugal, embora figos houvesse aos montes nas vendas. Então, por que o impulso? Não, não é a raridade da pitanga que explica o gesto na avenida paulistana.
É o fato de estar no pé. É o encanto, o frescor, o sabor, e mais o significado perdido da fruta no pé. É o traço que aflora da espécie nômade e comedora de frutas que fomos, milênios antes da guinada carnívora, da maçã proibida, dos pomares e do agrobusiness.
Já repararam? Árvores de frutas têm donos, são guardadas por cercas, não raro um cachorro as vigia. As outras não: estão por aí, são paisagem. As prefeituras as plantam como enfeites, pertencem a todos.
Não entendo bem o porquê. O trabalho de plantar umas e outras é o mesmo. E as de frutas enfeitam tanto quanto. Por que não se enfileiram por aí nas ruas mangueiras, mamoeiros, jambeiros (lindas árvores cônicas de belas flores e frutos), jamelões? Estão plantando árvores nas avenidas marginais. Por que não coqueiros macaúbas, jaqueiras, laranjeiras? Por que não alamedas de jabuticabeiras? Cria-se um parque, que tal cajueiros? Já imaginaram a festa de humanos e passarinhos?
Há muito tempo, quando conheci o balneário de Búzios, no Rio de Janeiro, topei com um menino que vendia latas de pitanga na estrada de terra que levava à Praia de João Fernandes. Perguntei onde ele apanhava tanta pitanga e ele: "Aí no mato". E não deve ser outra a origem do nome da Praia de Pitangueiras, no Guarujá. Quem é que encontra um pé de pitanga nesses lugares, hoje? Deveríamos, aos poucos, ir corrigindo nosso malfeito.
Minha cabeça viaja. Imagino que se criasse uma cidade (como tantas já se criaram: Belo Horizonte, Goiânia, Brasília) arborizada só com árvores de frutas, cada espécie em uma rua, que teria o nome dela: rua das amoreiras, das laranjeiras, dos pessegueiros, das mangueiras, dos limoeiros, das graviolas, das jabuticabeiras... Centenas... Saborosas, perfumadas ruas...
Ivan Ângelo
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