domingo, 17 de junho de 2018

Meus planos para a Copa do Mundo

Vieram me perguntar se eu ia torcer pela Seleção Brasileira nesta Copa do Mundo. Eu respondi: “Vou torcer para que Salah fique bom da contusão, jogue, o Egito enfrente a Espanha e ele faça o gol da vitória”.

Para quem não sabe: Salah é o jogador egípcio que foi deslealmente machucado por um jogador espanhol, no jogo decisivo da Liga dos Campeões.

Quanto à Seleção Brasileira, desejo-lhe boa sorte, pelas inocentes alegrias que suas prováveis vitórias darão aos que encontram, nessas vitórias, uma razão para festejar.

Li dias atrás uma coluna de Luiz Antonio Simas, no Globo, onde ele cita o folclórico sambista Beto Sem Braço: “O que espanta a miséria é festa”. É uma grande verdade; e é uma frase que só vale na boca de quem sabe o que é a miséria. Nós, do lado de fora, podemos usá-la apenas entre aspas.

Vou acompanhar a Copa, sim. Vou ver os jogos no bar da esquina ou na casa dos amigos. (Não tenho mais televisão em casa.)

Quem se der o trabalho de vasculhar meu blog verá o quanto já me deixei arrastar pelo entusiasmo futebolístico. Tanto em função dos meus times de coração (Treze, Flamengo, Sport, Atlético Mineiro) quanto pela Seleção.

Continuo gostando de futebol. Gosto de ver “the beautiful game”, que nós brasileiros estamos praticando cada vez menos. O futebol bem jogado é uma mistura de balé e xadrez: o balé dos jogadores e o xadrez dos técnicos. Mas existe uma versão contemporânea que é um misto de arruaça e burocracia, respectivamente.

Gosto de ver as grandes decisões, as situações-limite em que pessoas de talento fora do comum dão tudo de si para conquistar um título numa disputa leal.

E gosto de ver quando um daqueles joguinhos chinfrins de meio de semana, noite chuvosa, dois times da série C, se transforma – por circunstâncias do momento – numa batalha épica de emoções fortes, de heroísmo, de façanhas impossíveis.

O bom do futebol é que mesmo no jogo mais medíocre entre os times mais fuleiros pode surgir a qualquer instante um lance perfeito, inesquecível, tão extraordinário quanto o gol de bicicleta de Gareth Bale naquela mesma final da Liga dos Campeões. É como na poesia: no meio de um livro totalmente banal pode brotar a qualquer instante um verso de gênio. Por isso a gente não desiste.

O futebol está cada vez mais se transformando em “Big Business” – um Business que só interessa a quem é Big. Não é o meu caso. Gosto do lado plebeu do futebol, porque sou de origem plebéia. Pra ser sincero, futebol só presta com laranja chupada ou bola de meia. Esse negócio de chuteira e bola de couro estragou o jogo. (Tou brincando.)

Futebol está no sangue da gente lá em casa. Fui jornalista esportivo com 16 anos, fui membro dos Esporões do Galo (a torcida (des)organizada do Treze), fui secretário do Treze (era eu quem datilografava os contratos e pagava o bicho dos jogadores, na gestão Zé Agra). Ainda hoje sou capaz de me interessar por um videoteipe de Ituano x Bragantino às 3 da manhã.

A Copa de 2014 contribuiu para arrefecer esse meu entusiasmo, sem extingui-lo. Não por causa do 7x1, que pra mim foi uma derrota previsível (apenas o placar foi “um tanto elástico”, como dizem os coleguinhas da crônica). Mas naquela vez parece que tudo que tem de ruim no futebol se juntou.

Foi a rapinagem deslavada, as propinas, os conchavos políticos, a repressão aos protestos, os elefantes brancos e inúteis que estão aí até hoje dando prejuízo dos Estados que caíram no conto do vigário das “coisas de Primeiro Mundo”. Millôr Fernandes dizia que transformar sua cidade em atração turística é o mesmo que botar a mãe na zona.

E agora a polícia e a imprensa descobriram, finalmente, que havia corrupção na CBF.  Engraçado, eu sabia disso desde que era a CBD de João A-Ver-Longe.

O futebol se igualou ao rock, ao cinema blockbuster. É big business. A arte é um efeito colateral, que eles incluem como isca e ainda não descobriram como descartar, mas o farão, quando descobrirem um modo de ganhar mais grana com isso.

Minha primeira Copa como torcedor foi a de 1962, que ouvi pelo rádio. E nem sempre torci pelo Brasil. Em 1974, por exemplo, torci pela Holanda, e comemorei na casa de Jakson e Marcos Agra a vitória da Laranja Mecânica sobre o Escrete Canarinho por 2x0. Por causa da ditadura? Em parte. Mas porque a Holanda era o futebol, e eu gosto mais do futebol do que dos meus times.

A Copa me irrita porque grande parte da imprensa aproveita para se lambuzar de ufanismo ilusório, de servilismo diante dos ricos e mandões. Na Copa, muito jornalista tenta compensar nosso “complexo de vira-lata” afirmando que não somos vira-latas, somos lulu de madame.

É uma época que deveria nos ensinar alguma coisa, mas acaba revolvendo camadas profundas do nosso inconsciente coletivo e revelando o lixão de História mal resolvida sobre o qual estamos edificando nossos shoppings e nossas arenas.


Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo

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